Uma Mala Sem Alça, é Apenas uma Mala Sem Alça, E Não TE Dominará! ( Ricardo de Faria Barros)


Pegamos um vôo saindo de João Pessoa para Brasília, daqueles que partem cedinho, e estávamos mortos de cansados, mas um cansaço dos bons, de muitos dias de sol e praia, além do aconchego da família e amigos.
Depois de dirigir uns 100 KM até o aeroporto, tudo que eu queria era um soninho reparador, naquele início de manhã de uma segunda ensolarada na Paraíba.
Mas, atrás de minha cadeira vinha uma criança, de uns 5 anos, e bem inquieta. Daquelas que a mãe se esforça para ela ficar mais calma e todas as iniciativas se revelam infrutíferas.
Eles viajavam sós, mãe e filho.
Lembrei das viagens com os meus 4 filhos, e como muitas das vezes não temos controle sobre as situações que ocorrem e precisamos de muita calma.
Pois bem, o menino a cada 15 minutos esticava as pernas e batia no encosto de minha poltrona, bem na hora em que eu já deixava me embalar pelo ruído branco (*) que vem dos sons do motor do avião.
Depois da terceira tentativa de dormir, desisti e fui deletar fotos em excesso que tirei e que ocupavam significativa memória do celular.
Chegando em Brasília, ao pegar as malas despachadas, percebo que a alça de uma delas se fora. Já era, escafedeu-se!
Pensei comigo, estou tão cansado, e esta mala de mão custou-me pouquinho, que nem vale a pena entrar nas morosidades burocráticas para tentar resgatar algum valor para o seu conserto.
Abro o apartamento e uma sensação boa, de retornar ao lar, me invade. Mas, eis que quando adentro no meu quarto percebo que o ar-condicionado estava ligado. Pensei comigo, eita!!! E fui checar o controle remoto, percebi que a função Timer ficou ativada. Ou seja, ele ligava sozinho.
Restabelecido do aborrecimento, que irá pesar na conta de energia, e comprometer mais ainda o saldo bancário pós-férias, quem já tirou férias sabe o do que falo, atendo o telefone.
É a neta do Sr. Valdecir dizendo que o meu cachorro voltou do banho e já está pronto pra ser entregue, na sua casa.
Eita, mas não seria só amanhã, na terça, que eu iria pegá-lo? Acessei as comunicações e vi que coloquei o dia da segunda, como o dia de pegar. Eu tinha errado. Então, tomei de um restinho de energia que ainda tinha e dirigi mais 50km para ir buscar o Toddy.
No retorno, abro a caixa de correspondências e vejo que tem uma dos Correios, informando que fui taxado numa mercadoria que importei, e que se não pagar o imposto ela será retida.
Aí, já foi demais para um dia só.
Abri a geladeira, peguei uma feijoada que estava no freezer, junto com uma cerveja estupidamente gelada.
Botei no youtube uma música que gosto muito chamada Conselho, e finalmente me senti chegando em casa;
Na cabeça, as emoções negativas, de um monte de dissabores, minavam dias de felicidade. Ficando remoendo em minha mente.
Aí, intervi com a técnica de modulação cerebral.
É quando você, de forma consciente e intencional, dá uma dura em si mesmo, ressignificando os desprazeres e aborrecimentos que passou.
E comigo funciona assim.

Identifico o que está ruminando no meu cérebro, causando uma azia emocional e infeccionando áreas boas.

Tomo um gole de cerveja, me delicio com a feijoada, bem apurada em dez dias de freezer, e volto às cenas, reelaborando-as.

- O menininho do avião. Ao me deixar acordado, ele me fez fazer algo que esqueço e que enche a memória do celular, apagar fotos em duplicidade. Além disso, minha atitude empática, de não reclamar com a mãe, acabou por ser para ela um lugar de paz. Ela iria ficar mais nervosa ainda com o seu filho. E com um vôo cansativo para crianças, que já estão agoniadas com a máscara. Sim, também me proporcionou poder deitar o JG no meu colo, já que ele estava na cadeira do meio. E eu na janela. 
Ter estado acordado, deu-me uma chance de melhor cuidar dele.

- A alça da mala. Bem, era nessa malinha de mão, que eu a despachei, que estava meu notebook com centenas de aulas nele. E que uma delas já daria no dia seguinte. Então, poderia ter sido pior, poderia ter sido extraviada. Ou ter acontecido na outra mala, a do JG, que é metido a estilosa e bem, mais bem mesmo, mais cara.

- O Ar Condicionado. Poderia estar numa temperatura mais baixa, e estava programado para 25 graus. Ou seja, usou menos o compressor e gastou menos energia. E, todos sabemos que aparelhos que ficam ligados por muito tempo podem causar incêndios, o que não ocorreu.

- O Cachorro. Bem, ter ido buscar o Toddy, mesmo cansado, me deu fartas doses de afeto canino, e ainda me fez prosear um pouco com meu terapeuta, Sr. Valdecir, energizando-me para o curso que daria no dia seguinte. Sem falar, que antecipar a ida me fez ter uma agenda mais livre, na manhã do outro dia, para fazer os preparativos para uma tarde de aula. Eu sempre mexo nas aulas, horas antes delas começarem.

- A Cobrança do Imposto de Importação - Bem, pelo menos foram só 15 reais. E se tratava de um Drone que a fabricante estava repondo para mim, após constatar que o que houvera mandando antes, tinha vindo com defeito de fábrica. O imposto poderia ter sido bem maior, pois um Drone deste tipo custa uns 500 dólares. E, o fato de ter pago a tempo, a fatura que veio para minha correspondência, faltando 5 dias para ele ser retido (por falta de pagamento), já fez com que o mesmo esteja vindo para Brasília, tenha sido despachado.

Tomo mais um gole de cerveja, abro um sorrisão, e agradeço a Deus ter uma feijoada amorosa me esperando, além daquela geladinha. Agradeço a Deus ainda poder ficar com o JG mais um dia, pois a mãe autorizou que ele só fosse na boca da noite da terça.

Fecho os olhos e volto para praia, para os passeios, para as reuniões com amigos e família,  para um dia de lancha, para o prato com Osso-Buco que fiz, para o Esperanto e o Restaurante do Contêiner Bar, em Forte Velho, para o nascer do sol, para o nascer da lua, para a Laís... para tantas coisas que encheram meu coração de ânimo!

Funciona sempre, esta técnica de intervenção nas ondas negativas ruminantes, não!
Mas, posso te garantir, que pelo menos em 60% das vezes ela funciona, e muito bem.
E, diga-se de passagem que no cotidiano diário, intervir com 60% de êxito nas coisas que nos fazem ficar remoendo, e sofrendo por terem ocorrido, já nos fará um bem danado de bom.

Ser mais feliz é uma escolha, intencional, consciente e possível. E que se faz com a leitura por outras perspectivas, mais otimistas e até lúdicas, do que nos ocorre a cada minuto. 
Se eu não posso mudar determinadas situações que me causaram aperreio, ainda assim eu posso mudar a mim mesmo, pela forma que me deixo abater por elas.


Nota: (*) Ruído Branco - O ruído branco, na verdade, é um som que emite frequências na mesma potência. Isso quer dizer que não há variação de intensidade ou altos e baixos. Ele é contínuo e cria uma espécie de barreira sonora para abafar sons vindos de fora. 

Faça-se Sombra!


Acordei cedinho para ver o primeiro nascer do sol de 2022. Ver o sol nascer, o sol se pôr e a lua cheia são, para mim, terapias naturais, tônicos para almas.
Dei sorte de terem poucas nuvens na barra do horizonte e assim pude vê-lo erguendo-se da noitada no Japão, é já todo majestoso.
Focando mais ao centro, após um bom tempo de contemplação, acho que vi um coração sorrindo, chamando-me para o belo café da manhã que Dona Celina com tanto amor nos prepara.
Refeito da alma e do corpo, com o coração aquecido pelos efeitos do pão e da beleza, saí pelas 7h para minha caminhada de praia.
Na caminhada de ida, dos primeiros 2km, encontrei uma família divertindo-se com uma bebezinha, fazendo piscininha de praia pra ela.
Sempre achei esta cena tocante. Acho que quem constrói piscininhas na areia de praia, para refrescar os seus amados, revelam parte do que a humanidade tem de melhor.
No retorno, para os 2km da volta, decidi me aproximar delas e perguntar a idade da bebezinha.
Ela tem 10 meses e se chama Valentina.
E uma cena, desde que eu deles me aproximava, encheu meu coração de ternura e paz. Era a cena do cuidar, brincar e amar. 
A família eram três pessoas: a mãe da Valentina, a Valentina e a sua vovó (Gisele).
A mãe estava dentro da piscina, brincando com a sua cria.
E a vovô ficava tomando sol em pé, de modo que fizesse sombra pra Valentina.
Perguntei se aquela pose era proposital, incrédulo frente a sensibilidade da cena.
Ela falou que sim. Que sempre que eles estão na praia, bem cedinho, ela fica protegendo a Valentina do sol, enquanto bronzeia as costas. Depois que a Valentina volta para casa, pelas 8 horas, ela cuida de bronzear a outra metade do corpo.
Elas são de São Luís e estão passando uns dias numa pousada perto da beira-mar aqui em João Pessoa, na praia do Bessa.
Despedi-me delas e voltei para casa, para fazer as pequenas tarefas do dia.
No caminho, desejei aquela sombra da Vó da Valentina. O sol queimava minha careca, e chegava com força.
E me veio à mente a importância do que a mãe e a vó da Valentina estavam fazendo e o quanto aquilo ali nos ensina.
Elas não tinham guarda-sol, cadeira de praia, nem piscina inflável.
Mas, com o que tinham elas se faziam presentes na maravilha viagem da vida e do viver.
Com as mãos, cava-se uma piscina que vira a melhor do mundo.
Com morrinhos de areia, feitos nas bordas da piscina, constroem-se torres de um castelo imaginário.
E a Valentina vai se entretendo com a sua mamãe a contar-lhe sobre princesas e duendes que no Castelo da Valentina habitavam.
Mãe e filha conectadas pela palavra, pela imaginação, pela fantasia do brincar, sem nenhum recurso tecnológico para mediar esta relação.
Avó, totalmente engajada em vigiar a sombra, para que de sua projeção o máximo de conforto tivesse sua neta.

Como estes gestos nos falam do amor.

Na avó da Valentina, o amor do servir, do cuidar, do proteger. Aquele amor gostoso que nos mobiliza a fazer algo pelos outros. A dar de nós mesmos, para melhorar a jornada deles.
Que coisa mais linda de meu Deus, é poder ficar à sombra da Vó da Valentina.

Tu já fizeste sombra para alguém? Já diminuiu a exposição de uma pessoa aos riscos do viver?
Têm muitas pessoas precisando de nossa sombra, para que consigam resistir ao sol inclemente de suas vidas.

Essa sombra pode ser uma palavra amiga, uma visita, uma ajuda fraterna. Pode ser a solidariedade perante momentos difíceis que ela vive. Ser sombra é ser cuidados para com o outro. É estar permeável e atento às suas necessidades e com empatia fazer o que se pode para ajudá-lo.

Cuidar é amar.

Já a mãe da Valentina mostrou uma coisa muito bacana para nós. O valor de estar presente, de se interessar, de se conectar com a outra pessoa.
Ali eram só elas. Mãe e filha, inteiramente envolvidas na construção da piscina e dos Castelos de Areia.
A mãe da Valentina interessou-se pela filha. Estava 100% presente ao mundo lúdico de sua bebê, e envolveu-se com plenitude á aquele momento.

Se interessar é amar.

A piscina e castelo de areia de praia nos ensinam sobre o se interessar pelo mundo do outro.
Interessar-se pelo mundo do outro também é uma das expressões do amor.
Precisamos de muitas mães e avós Valentinianas nesta humanidade, capenga de afeto, empatia e tão individualista.
Precisamos fazer nossa parte para dar de nossa sombra ao próximo.
E para com ele nos conectarmos, despertando interesse e empatia para com a sua jornada.
Sempre que estiver se sentindo sozinho, desamparado e meio que perplexo diante da vida, saiba que ainda assim poderá ser sombra para muitas pessoas que de ti necessitam.
E, com tuas mãos criar uma ponte de amorosidade e interesse para com elas, construindo com este relacionamento afetuoso um novo amanhã possível.

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Notas após postagem:

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Dias depois desta postagem, a vovó da Valentina fez um comentário no meu blog. Quando eu me apresentei para elas , eu falei que escrevia umas coisinhas e disse o nome do Blog. Mas, como ninguém em leva lápis e papel pra praia, e achei que nunca mais teria contato com a vovó, a mãe e a Valentina.  Bode com Farinha. Mas, qual não foi minha surpresa ao chegar das férias e ler isto aqui abaixo. 

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Ricardo, Quão belas e inspiradoras são suas palavras nesta tocante crônica, onde você com sua imensa sensibilidade e amor pela família, pois só quem vive o amor familiar e a natureza, para deixar fluir tamanha doçura de palavras amorosas e sonhadoras. Ratifico suas palavras, onde dizes que podemos a cada dia a cada gesto sermos útil ao próximo, seja ele familiar ou não. Suas palavras emocionaram toda família. Eu como avó de valentina, a bebêzinha de sua crônica.senti-me honrada com sua delicadeza das palavras. Muito obrigada, que você nunca perca sua sensibilidade no olhar para o outro, no gesto amigo, no seu bom dia com sorriso. Assim também se ilumina o dia de alguém que talvez não tenha recebido um bom dia ainda. Gisele Maria Rabelo Pronk, vó de Valentina.

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