Nove Semanas de Gestação de um Mundo Novo Pós Covid-19 (Autor Ricardo de Faria Barros)

Vem chegando devagarinho a hora do Angelus, e tudo vai se silenciando neste encontro do dia com a noite.
E, mais um domingo se finda, e com este já são nove deles, e em completo isolamento social.
Do alto de meus quase 56, e do grupo dos hipertensos, não é bom vacilar.
Então, faço as coisas direitinho. Fico em casa, uso máscaras, lavo as mãos e evito fazer visitas e sair.
Aqui em casa, coloquei um nome em cada cômodo. A sala virou a praça. A cozinha a feira-livre. O banheiro a cachoeira. O quarto de dormir o drive-in. O quarto de hóspedes a Biblioteca Nacional.
Tenho alguns pesares, neste processo de distanciamento.
De não ver meu amor, embora morando na mesma cidade. Ambos em isolamento e conscientes.
Embora, ela tenha vindo hoje no estacionamento, namorar a distancia, mas se vendo, e ainda ganhei uma suculenta feijoada para o almoço, passada com cuidado pelo vidro do carro, exalando álcool de sua sacola.
Novos tempos.
Lamento pelos casais enamorados que vivem em distanciamento nestes dias. Não. Não é fácil.
Parece que a sofrência aumenta mais ainda, principalmente quando se mora na mesma cidade.
Também gostaria de estar mais presente, fisicamente falando, para ver meu netinho crescendo, e me maravilhando com suas primeiras descobertas.
Ele agora está com 6 meses. Então, dois terços da vida dele se passaram com os seus avós em isolamento social.
E isto não é bom.
Mas, quando a sofrência vem chegando eu faço brincantes ousadias para que ela não venha a reinar.
Se deixar ela te domina.
Eu saio para cuidar das plantas, um de meus melhores passatempos. Algumas delas habitam o corredor de cobogós, que o transformei num jardim Inda agorinha minhas violetas me deram boa-noite.
Você também anda escutando coisas? Tenho tido bons papos com o fogão, que é de quente nas argumentações. E com a geladeira também, mas ela é mais fria. Com a máquina de lavar roupa não é bom. Lavar roupa emocionais no distanciamento ninguém merece.
Tenho enraizado sentimentos nestes dias. Não é angústia, nem tristeza, é um momento de rica conexão espiritual, talvez único em minha vida. Ou, em nossas vidas.
E, no silêncio de mim mesmo, vou me reconstituindo e me fortalecendo.
Já tenho uma rotina de atividades que preenchem meu dia. Uma rotina que me mantém produtivo e com a cabeça ocupada. Ando até cansado. Leio, estudo, pesquiso, preparo as refeições, dou uma geral no apartamento, rego as plantas, boto água dos beija-flores, vejo séries com meu amor, e, quando a coisa tá ficando feia arrumo o apartamento, depois posto algo nas redes. Sou dos que pensam assim: posto, logo existo!
Também navego nos canais que assinei no youtube, verdadeiras preciosidades que me distraem muito. Canais de pessoas simples que ligam a câmera e gravam os seus cotidianos. Gente sem maquiagem, gente verdadeira e muito resiliente.
Até acho que ando mais produtivo do que antes. Nestes dois meses, já consegui elaborar e ministrar cinco lives-palestras.
- A Esperança Equilibrista e o Capital Psicológico Positivo (INTELETTO)
- Cuidados com a Saúde Mental no Home-Office (CNMP, FUNCEF e ADASA)
- Dicas de Bem-Estar no Isolamento (PRIMED)
- O Mundo Pós-Covid 19, o Novo Normal (FUNPRESP-JUD)
- A Curadoria do Conhecimento - Novas Possibilidades para Gestão dos Saberes (INTELETTO)

Também, neste parto de Lua Cheia (9 semanas), soube que o meu artigo de TCC, de uma pós que fazia em Psicologia Positiva, que já estava pronto, e aprovado pelo orientador, foi negado a sua publicação pela Coordenação do Curso.
Ocorreu a falta de um documento prévio à realização de uma pesquisa, o que acabou comprometendo toda a aquela produção intelectual.

Ou seja, como diz a canção, começar de novo, e vai valer a pena...
Aprendi coisas novas. Agora sei transmitir uma Live, diretamente para as redes sociais, usando um bom aplicativo gerenciador da mesma, no meu caso, o OBS Studio.
Tento não olhar para o que perdi, com o advento desta doença. Contratos já fechados com a minha empresa, para 2020, a Ânimo Desenvolvimento Humano. Posso dizer que o prejuízo foi igual ao meu faturamento de 2019, e com isto acabei adiando o sonho de voltar a ter uma edícula pra chamar de minha, e sair do aluguel. Tive que absorver o prejuízo, e adiar o projeto de construção da mesma. “Tem nada não. Amanhã pode acontecer tudo, ou simplesmente nada.”, como diz a canção.

Mas, tem gente muito pior Gente esperando respiradores, vagas em UTI, gente enterrando os seus e chorando a ausência deles. Gente sem renda, e empresários sem crédito – vendo seus negócios a muito tempo estabelecidos irem à bancarrota.
Então, como tenho a aposentadoria, e mesmo tendo prejuízos enormes em minha empresa, ainda estou o lucro. Agora é ter esperança e paciência, e não desanimar. Mas, que o baque foi grande, isto foi!

Acho que todos ganhamos uma lente com esta doença. E, onde colocarmos esta lente ela amplia. Amplia tudo: emoções, sentimentos, pensamentos, sofrências e atitudes.
Por isso temos que ter muito cuidado. Os tempos atuais são amplificadores e aceleradores de futuros. E, passos mal dados no agora, vão ecoar muito forte no amanhã.
Então, é preciso caminhar com consciência, segurança, e sem acelerar o ritmo, para não forçar a barra emocional, um passo por dia já tá bom.
Tenho visto muitos meus pais, diariamente nos falamos. Antigamente, olha como falo, antigamente (rsrs), era uma vez por semana - e aos domingos.
Agora nos telefonamos diariamente, e temos feito lives com a família, filhos, neto, noras, genro, irmãos, sobrinho e cunhados.
Ontem, fizemos um jogo de perguntas e respostas, um Quem Quer Ser um Milionário improvisado, tendo o filhote JG como aquele que fazia as perguntas. Criamos regras na hora e foi legal. Nos divertimos muito, e minha cunhada ganhou a pergunta do milhão. Amanhã eu compro um no mercado para ela.
Não quero projetar em mim, nestes dias que parecem uma eternidade, os SEs. Se eu tivesse ido na Europa, Se eu tivesse curtido mais as férias de dezembro e janeiro. Se eu e ela estivéssemos juntos agora, numa casinha de campo.
Estes SEs são doentios e nos amarram ao ontem, e nos causam mal.
Também não quero um conjunto de QUANDOs pra chama de meu. Quando passar vou fazer isto, aquilo, ou isto.
Quero não.
Até porquê, um monte de coisas que programei pra fazer num quando qualquer deram em água. Quando um dia tivesse tempo... Tempo agora é o que não falta e, por exemplo, as fotos digitais que planejei organizá-las, só o fiz com as de 2014. Tinha todo tempo do mundo, mas não tinha mais tesão pra fazer aquilo lá.
Assim como o espanar e limpar os discos de vinil. Só fiz de uns 10, dos mil que tenho.
Paciência. Acho que a gente não pode se cobrar muito neste isolamento. E tem que ir levando como rende, se descobrindo naquilo que tá fazendo sentido e dando prazer ao momento.
Ando com ressaca institucional das notícias políticas de meu Brasil.
Chego até a ter inveja de outros países, muito mais coesos e focados no enfrentamento da Pandemia, em todas as suas áreas que demandam atenção.
Isto aqui virou uma guerrilha de narrativas, na qual quem perde é quem sofre.
A Air-Freyer apita, minha carne de sol está pronta. Deu vontade de tirá-la do freezer e fazer agora. Ficou muito boa. Ufa!! Menos despesas com IFood.
Nestes dois meses recebi ligações de pessoas querendo saber como eu estava. De Se. Valdecir, dos garçons do Libanus: Rangel e Bahia, de minha antiga diarista, a Marta. E fiquei muito feliz.
E vamos vivendo assim, cuidando da cabeça. Levando a alma pra balançar na rede do existir.
Saber que o amanhã pode ser incerto, com muitos riscos nos planejamentos e marcações na agenda. Ok.
Saber o dia que estaremos comemorando termos sido vacinados, nem o melhor futurólogo pode prever. OK
Saber o que fazer de produtivo, e significativo, com o tempo do agora, isto está sob o meu controle e o teu. E poderemos fazer.
Mas, tente. Faça alguma coisa, não se entregue a apatia e desânimo. Quando eu sair de casa a Terra terá recebido uma nova versão, após ter sido formatada. Penso que terei que atualizar a minha para poder navegar neste novo contexto social e econômico que viveremos.

Baixe a Nova Versão da Terra
Faça a barba. Troque este pijama de dias.
Dê aulas fictícias.
Converse com suas plantas.
Crie um blog com as histórias da família.
Arrume a casa.
Faça cartas pra vizinhos, parentes, amigos, diga que eles são importantes pra ti.
Mande flores para as redes sociais, tão cheias de ódio.
Deixe de comer só miojo.
Pare de lamentar o que perdeu, o que sofreu, o que não deu.
Experimente aprender pratos novos.
Não pegue no pé dos meninos, por não se engajarem tanto na educação a distancia. Tudo bem se eles não tirarem as melhores notas, eles também estão sem saber bem o que está ocorrendo com tudo e todos.
Tenha paciência com teu cônjuge com quem divide a toca. Este momento amplifica o que já sentia antes. Então, conte até 1000. Ou, corra para um colo. Dependendo da natureza do que circula em teu coração.
Deixe fluir o amor. Qualquer que seja a expressão dele em teu viver. O amor mantém a chama da vida acesa.
Ligue pra seus pais idosos. Faça que com que eles se sintam importantes pra você.
Quem sabe não é a hora de lavar aquela mágoa encardida e oferecer perdão.
Tenha calma com as calorias a mais.
Contudo, que tal uma malhadinha aí dentro de casa, ou saindo protegido(a) pra caminhar.
Leve-se para tomar sol.
Beba menos. Ou pare.
Tome mais sorvete e menos sopa.
Corte seu próprio cabelo.
Aprenda a fazer pequenos reparos em casa. Tem no youtube como.
Escute uma boa live.
Acompanhe alguma delas online e ajude alguém fotografando o QR-Code. Vai se sentir melhor.
E, repito, atualize-se na Nova Versão da Terra.

Afinal:
“ Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo. Não adianta fugir. Nem mentir pra si mesmo.
Agora, há tanta vida lá fora.
E aqui dentro. Sempre!”

Não Normalize o Luto (Por Ricardo de Faria Barros)

Em dois dias, 2000 pessoas morreram de Covid-19 no Brasil. 
E isto não pode ser normalizado. 
Não! 
Por caridade, isto não pode ser normalizado, nem é coisa banal.
No mínimo, faça um minuto de silêncio, uma prece. 
Faça algo.
Escreva um post solidário.
Silencie.
Cubra-se de cinzas, acenda umas velas.
Respeite o luto do outro que sofre.
Só não diga que é normal. 
Estas pessoas ainda teriam bons anos pela frente. 
Não, isto não é normal.
Pessoas que morreram em filas de espera.
Não, isto não é normal.
Pessoas que morreram sem receber ventiladores. 
Não, isto não é normal.
Também não me venha com piedosas intenções. 
Dizer que foi o melhor pra elas. 
O melhor sempre é viver.
Nem tampouco me diga que Deus as quis levar. 
Deus não trabalha com fast-food de mortalidade. 
Isto é especialidade dos Homens, não é coisa de Deus.
Enterrei muitos portadores do vírus da Aids, de 94 a 98, e nunca aquilo foi normal. 
Ou escolha do destino deles.
Nunca! 
Morriam por não haver uma vacina, ou medicamento eficaz, ou leitos de hospital para tratar as infecções oportunistas. 
E nunca deixamos nenhum militante do GAV dizer que era normal.
O que vivemos hoje é uma catástrofe. 
E estas mortes se espraiam em todos os setores sociais. 
Com pequenos comerciantes, morrendo, sem acesso ao crédito. Com trabalhadores, morrendo, numa fila de auxílio emergencial. Com profissionais de saúde, morrendo, no front do enfrentamento. Com caixas de Bancos Públicos desdobrando-se para atender filas quilométricas, além de expostos.
Não, não podemos normalizar a morte, a dor, a luta de tantos por seus direitos à assistência.
Vivemos um polvo-tragédia, que se manifesta em mil tentáculos de medo, impotência, sofrimento e luto.
E, em nenhum deles, repito, em nenhum deles, pode habitar a normalização.
Nego-me, com veemência, a considerar esta besta fera como normal.
Nego-me a dizer que morreriam de um jeito ou de outro. Afinal, quem não?
Nego, como a bandeira de meu Estado, a fingir que nada ocorre, ou continuar com a vida normal.
Nego a fazer de conta que tudo vai bem, deitado em berço esplêndido.
Nego botar uma fantasia, entorpecendo e alienando a consciência, para fugir do real.
Nego não chorar.
Eu choro, eu sofro, porque o instante existe. E a minha alma não é pequena.
Quando eu não mais me assombrar, não mais me indignar, não mais apertar o coração ao ver tanto sofrimento, eu me tornarei tudo aquilo que mais me revira as tripas, alguém cuja a presença no mundo não coopera em torná-lo melhor.
Nem que seja chorando as mil lágrimas, nesta noite de pesadelo brasileira que não quer findar.
Quanto à esperança de dias melhores, eu tenho e de montão. 
Mas, cada coisa em seu lugar. 
E o momento é de chorar.

Ass. Ricardo de Faria Barros

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