Não Normalize o Luto (Por Ricardo de Faria Barros)

Em dois dias, 2000 pessoas morreram de Covid-19 no Brasil. 
E isto não pode ser normalizado. 
Não! 
Por caridade, isto não pode ser normalizado, nem é coisa banal.
No mínimo, faça um minuto de silêncio, uma prece. 
Faça algo.
Escreva um post solidário.
Silencie.
Cubra-se de cinzas, acenda umas velas.
Respeite o luto do outro que sofre.
Só não diga que é normal. 
Estas pessoas ainda teriam bons anos pela frente. 
Não, isto não é normal.
Pessoas que morreram em filas de espera.
Não, isto não é normal.
Pessoas que morreram sem receber ventiladores. 
Não, isto não é normal.
Também não me venha com piedosas intenções. 
Dizer que foi o melhor pra elas. 
O melhor sempre é viver.
Nem tampouco me diga que Deus as quis levar. 
Deus não trabalha com fast-food de mortalidade. 
Isto é especialidade dos Homens, não é coisa de Deus.
Enterrei muitos portadores do vírus da Aids, de 94 a 98, e nunca aquilo foi normal. 
Ou escolha do destino deles.
Nunca! 
Morriam por não haver uma vacina, ou medicamento eficaz, ou leitos de hospital para tratar as infecções oportunistas. 
E nunca deixamos nenhum militante do GAV dizer que era normal.
O que vivemos hoje é uma catástrofe. 
E estas mortes se espraiam em todos os setores sociais. 
Com pequenos comerciantes, morrendo, sem acesso ao crédito. Com trabalhadores, morrendo, numa fila de auxílio emergencial. Com profissionais de saúde, morrendo, no front do enfrentamento. Com caixas de Bancos Públicos desdobrando-se para atender filas quilométricas, além de expostos.
Não, não podemos normalizar a morte, a dor, a luta de tantos por seus direitos à assistência.
Vivemos um polvo-tragédia, que se manifesta em mil tentáculos de medo, impotência, sofrimento e luto.
E, em nenhum deles, repito, em nenhum deles, pode habitar a normalização.
Nego-me, com veemência, a considerar esta besta fera como normal.
Nego-me a dizer que morreriam de um jeito ou de outro. Afinal, quem não?
Nego, como a bandeira de meu Estado, a fingir que nada ocorre, ou continuar com a vida normal.
Nego a fazer de conta que tudo vai bem, deitado em berço esplêndido.
Nego botar uma fantasia, entorpecendo e alienando a consciência, para fugir do real.
Nego não chorar.
Eu choro, eu sofro, porque o instante existe. E a minha alma não é pequena.
Quando eu não mais me assombrar, não mais me indignar, não mais apertar o coração ao ver tanto sofrimento, eu me tornarei tudo aquilo que mais me revira as tripas, alguém cuja a presença no mundo não coopera em torná-lo melhor.
Nem que seja chorando as mil lágrimas, nesta noite de pesadelo brasileira que não quer findar.
Quanto à esperança de dias melhores, eu tenho e de montão. 
Mas, cada coisa em seu lugar. 
E o momento é de chorar.

Ass. Ricardo de Faria Barros

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