Será anormal continuar existindo, apesar dos pesares?

Comecei meu sábado como sempre visitando a feira dos produtores do Jardim Botânico, e trocando um bom dedo de prosa com barraqueiros amigos. O dia estava frio e com muita neblina.
Após o café, saí em direção ao comércio local para comprar as luzinhas da árvore de natal e deixar o JG no futebol.
Gosto muito do dia que montamos a árvore, sinto que a casa fica no clima de natal. Natal antigamente me dava melancolia, agora me dá paz.
Cheguei no treino do JG e fui procurar Sr. Valdir, e o seu roçado de feijão e milho.
De longe ele me avistou, e já ficou todo garboso, como quem esperava minha reação ao ver surpreso o crescimento de seu canteiro - obra prima que o Criador, em forma de feijão, milho e abóbora.
Ele conversava com um morador do Condomínio Ouro Vermelho I, que também admirava o fecundo canteiro.
Logo, nós três entabulávamos uma conversa sobre plantas, natureza, coisas assim.
O senhor desconhecido apresentou-se: Márcio Claussen.
Foi um gostar à primeira vista. Ele perguntou-me o que eu fazia da vida e contei-lhe que nas horas vagas era bancário, e que de vocação sou psicólogo.
Sua expressão se iluminou.
Contou-me que pessoas amigas recomendaram que ele procurasse um psicólogo. Queriam o melhor para ele. Do alto de seus sessenta e oito anos, ele viera perdas expressivas e recentes..
Uma separação, de segundo matrimônio, após cinco anos de relacionamento, o que deixou-lhe deixando-lhe sozinho no Condomínio, uma vez que ela voltou para Aracaju-SE.
Um câncer de próstata de três anos atrás.
E os mais graves: no último ano perdeu uma neta e uma filha, no espaço de seis meses.
A neta de uma grave infecção que entre a febre e o óbito passaram-se somente três dias.
E, a filha mais nova, dos seis que teve, de um infarte fulminante, aos 30 anos de idade.
Eu tudo ouvia. Esperava um monte de mágoas, resmungos, murmurações, queixas, traumas...
Nada disso veio em seguida.
Ele contou-me que o pessoal recomendou-lhe um psicólogo, pois achavam que ele estava doente por ser forte, por não ter adoecido de tanto luto.
Esperavam ele ficar prostrado numa cama, ou refém de um monte de tarja preta, e para o resto da vida.
Ele percorreu outro caminho.
E causou a todos perplexidade.
Numa sociedade medicamentosa, e que adora procurar um farol para iluminar sua dor , anunciando-lhe aos quatro cantos, como quem a pedir cuidado e atenção,  reagir de forma diferente da tradicional pode chocar.
Suspeito que alguns acharam que ele não estava ruim da cabeça.

A conversa se estendia e ele convidou-me para conhecer a biblioteca ao ar livre que montou no Condomínio e o seu projeto de "Faculdade da Natureza" que estava desenvolvendo.
Mostrou-me a horta medicinal e o espaço de convivência fraterna, recém inaugurado ,fruto de seu empreendedorismo social.
Falava-me com olhos brilhando sobre os próximos passos do projeto de educação ambiental que será um curso gratuito para os funcionários do Condomínio, sobre agricultura sustentável.
"Com direito à Certificado. Já imaginou o Sr. Valdir mostrando em casa o Certificado de Jardineiro Ecológico que receberá, quando terminar o treinamento?"

Fiquei embevecido.

Falou-me do amor. Do amor às coisas simples, e do quanto carrega menos fardos em seu viver. Falou-me que chegou a postos altos na engenharia de química, à frente de grandes multinacionais e associações de classe.
E, que cansou da corrida pelos bens materiais. Que tirou a roupa de executivo, com todo status e pose com o que alguns a colocam, e a trocou pela de ser humano. Que conversa com um serviçal de igual para igual, ambos crescendo um com o outro.
Contou-me que não conseguiu chegar a tempo para o enterro da neta. Pois, pegou um trânsito infernal ao desembarcar no RJ, com fechamento da avenida por quatro horas. Horas passadas num táxi ao da filha caçula, e que foram usadas para ambos atualizarem os diálogos e crescerem em amorosidade. a. Não sabia ele que aquele engarrafamento era combinado, com as coisas do alto, afinal aquele foi o último encontro com a filha, pois seis meses depois ela partiria também, vítima de um infarte.

Eu fiquei profundamente agradecido por ter sido escolhido para conhecer tão preciosa vida.

Ele para um instante, e fitando-me com olhos bondosos, pergunta-me mais uma vez se ele é um anormal - por estar sobrevivendo ao luto.
Por continuar tomando banho, fazendo a barba e enfrentando a beleza e o desafio de viver um dia de cada vez - como se fora o último.
As pessoas insistem que ele deveria chorar mais, sofrer mais, vestir uma mortalha e sair demostrando pra todos o quanto é infeliz.

Ele não quer viver esse papel.  Sente muito a perda de tudo.
Sente todas as dores dos últimos cinco anos.  Às vezes chora à noite, mas é choro pouco.
Ele tem mais netos e filhos para cuidar. Tem projetos para tocar e não quer desistir de viver.

Olho para ele, respondo-lhe que de fato ele é anormal.
Um ponto fora da curva. Um raro e precioso ser humano anormal.
Que ele recebeu o dom da vida. Que tem a coragem de sobreviventes e que, como um velho jequitibá, suporta todos os reveses ficando ainda mais forte ainda, ao enfrentá-los.
Dedico-lhe minha crônica Jequitibá, clique aqui -> Jequitibá
Digo-lhe que é um abençoado, pois tem em cada célula o genoma da resiliência.  E que ainda confortará e amparará a muitos, estrada afora.
Ele dá um suspiro e me diz: "finalmente alguém me entendeu. Não esmoreço por ser forte, só o faço por acreditar que a vida é maior do que a dor, do que a morte, e que a natureza se renova na esperança."

Contei-lhe das três colunas do bem-estar. Que basta que tenhamos um delas e já será suficiente para enfrentar a vida com coragem. As colunas das Emoções Positivas; dos Relacionamentos Significativos e dos Propósitos do Viver.

Fui inquerindo-o, coluna a coluna, e identifiquei nele a presença robusta das três.
Ou seja, é um abençoado.

Ele não guarda ressentimentos. Só nutre em seus pensamentos coisas boas. Gratidão; misericórdia e ternura para com todos. Ele aprendeu a repreender pensamentos incapacitantes, de mágoa ou culpa. Conta-me de um cartaz que botou na sala de aula improvisada de sua casa - Sim, Sr. Márcio dá aulas de reforço escolar em casa. O cartaz diz: "Dos pensamentos negativos eu saio à francesa".  Conta-me que não guarda nada ruim, nem dos casamentos desfeitos, nem da doença que o vitimou. Nem tampouco culpa Deus pela morte de seus entes queridos. Apenas acolhe, abraça e se conecta ao infinito procurando Nele o conforto de seu ser.  Parou um pouco de falar e ensinou-me os 5 Ds que prega aos alunos e pessoas amadas: Determinação; Desprendimento, Disciplina, Dedicação e Doação. E que esses 5Ds inspiram sua vida.   Coluna I, ok!

Depois, falou-me de como consegue criar vínculos com pessoas. Dos amigos que fez nos projetos de hortas que tocou como voluntário, e ao longo do exercício de sua profissão como químico, no eixo Rio-Aracaju. Mostrou-me menções honrosas que recebeu dessas pessoas, e que sem elas sua vida não teria sentido. Conhece cada um dos profissionais de limpeza e jardinagem do Condomínio e interessa-se por suas vidas. Falou-me dos seus filhos, netos, noras e genros com tanto carinho que os senti bem perto de mim. Nenhuma ponta de cobrança, de rabugice, de sentimento de desamparo,  tão comuns em idosos que moram longe dos filhos.  Coluna II, ok!

A última das colunas do bem-estar a do propósito, sentido ou realização ele tem e é das grandes. Em cinco minutos de conversa ele revela um monte de projetos. Sua Faculdade da Natureza, a expansão da horta medicinal. o parque dos ipês que cujo nome homenageará minha amiga Luíza e a da sua neta. Falou-me de projetos em Sto. Antônio do Descoberto de educação ambiental.  Coluna III - Ok!

Como uma pessoa dessa qualidade emocional adoecerá da alma?

Um ser humano que a vida tornou mais doce, mais encorpado e melhor para a humanidade a cada dia.

Sr. Márcio ensinou-me tanto. Eu que montava palestra sobre o Florescer e a Positividade, sai com o coração transbordando.

Não sem antes ele nos brindar com uma visita à sua casa. E, nela, não nos poupar de pequenos mimos.
JG ganhou uma caixinha com chocolates e eu ganhei um monte de acerolas.

Ele tem o dom de acolher. O dom de sobreviver saindo melhor a cada desastre emocional de que é vítima.

Sábio sr. Márcio, você não está doente.

Neste dia, como psicólogo, te dou alta de uma ida que não foi ainda.

Doente estamos nós...   e é sua coragem em enfrentar as dificuldades o que nos estranha e incomoda. Aí, queremos botar em você uma mortalha, para que também entre no coro dos desafinados e descontentes no qual vem se tornando a humanidade.

Ser alegre e esperançoso parece que virou um anormalidade.

Acredite em mim quando falo: sua "anormalidade" é o melhor diploma que a faculdade da natureza te concedeu.  Ensina essa competência aos que te rodeiam.
Garanto que eles serão mais felizes.

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Nota: Este texto foi escrito em 29/11/2014.   No final de ano, Sr. Márcio sofreu dois infartes no RJ, para onde tinha ido visitar os filhos e netos, vindo à óbito no dia 06/01/2015.  Abaixo texto homenagem postado de minha página no Facebook:

Todas estas fotos têm menos de um mês. Meu amigo Márcio fez a viagem definitiva hoje, após 68 anos bem vividos. Aqui em Brasília, sua cabeça era um caldeirão de sonhos e novos projetos. Queria alfabetizar os empregados mais simples do condomínio em que morava, chegou a montar a turma, com cinco deles, e pedir o material de treinamento. Liderou projeto de horta medicinal, e o de um novo bosque. Ficava ensandecido quando viam maltratarem as plantas, fez um protesto imenso para salvar um pé de Avelós e conseguiu. Tinha tempo e disponibilidade para todos. Era só doação e gratidão, nenhuma palavra má saia de sua boca. Márcio, era energia do bem em ação, e juntava pessoas para o bem comum. Leio as nossas trocas de mensagens do Zap Zap bem emocionado. Viramos bons amigos e estávamos sempre mandando divas reflexivas um para o outro. Estranhei o silêncio das mensagens após 20/12, contudo achei que deveria ser festanças de final de ano junto aos seus familiares no RJ.

"Bom dia Mestre Ricardim! Tudo Bem? Viajo para o Rio amanhã, 16/12. "Em 2014, ter lhe conhecido foi um destaque, com ações de amor, 2015 será um grande Florescer de alegria e felicidade. Abraços Márcio, 20/12."

Compartilho fragmentos de meu amigo-profeta: "Sou um grande sonhador e espero continuar sendo, acreditando nas pessoas e que as coisas possam mudar para melhor. Pulsa em mim muita energia e muito amor, que não pode ser apagado nunca. Como caixão não tem gaveta e minhoca não tem cérebro, procuro compartilhar três coisas que tenho de mais importante no momento que são: amor, energia e conhecimento.
Assim, quando a morte me chamar, ela levará somente meu corpo material e restará para as pessoas que convivi as três coisas: minha experiência que compartilhei, meu amor que transmiti e minha energia de ter vivido como espiritualista. Tenho uma receita para o bem viver que criei, os 5Ds:
1º D – Determinação, ao definir suas metas, objetivos, aonde quer chegar, quando e como fazer, levantamento de informações.
2º D – Desprendimento, aprender o novo, trabalhar JUNTO, ouvir, inovar, ter a mente aberta, buscar novas formas de atuar, suportar e conviver com as diferenças e principalmente muita humildade "para não querer inventar a roda”.
3º D – Disciplina, ter método, horários, conhecimento de como fazer, participar de reuniões, registro de ata.
4º D - Dedicação, afinal o sucesso é 1% de inspiração e 99% de trabalho; perseverança; regar diariamente seus sonhos; caminhada.
5º D - Doação, de um amor incondicional, compartilhar conhecimentos, envolvimento - é o mais importante 

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Vejam Nota do Sindicato dos Químicos e Engenheiros Químicos do Estado do Rio de Janeiro
Sentimos notificar o falecimento do Engenheiro Químico Marcio Landes Claussen, em 6 de janeiro de 2014. Historicamente um dos homenageados pelo SQEQRJ como Químico do Ano, Coordenador Geral do Instituto Brasileiro de Petróleo, Presidente do Conselho Regional de Química 3.a Região, Fundador do Instituto Jardim Botânico de Plantas Medicinais de Teresópolis, Coordenador do Movimento pelas Eleições Diretas no sistema CFQ-CRQ's, Editor das Revistas Petro&Gás e Instrumentação & Controle, e inúmeros livros técnicos em sua Editora McClaussen. Professor, amigo, visão política, expoente idealista pelas causas humanas, da ciência, química e meio ambiente, deixa saudades. Informações sobre o cerimonial, que deverá ocorrer amanhã, 7 de janeiro, no período da tarde, em Teresópolis, podem ser obtidas com a Sra. Glória através do telefone (21) 9-9353-6110.
O SQEQRJ encaminha as condolências aos familiares, amigos e instituições que fez parte.

Luiz Rodolfo de Aragão Ortiz

Cartas ao JG - Um Diploma em Branco



Sabe meu filho, ontem foi um dia muito feliz. Fomos para tua formatura do Jardim II. Você estava lindo, "todo becado", e com brilhantina no cabelo parecendo um formando de novela.
A cerimônia foi simples e tocante. Ela era para alunos formandos do Jardim II, do Fundamental e do Médio.
Fomos eu, mamãe, tua vovó por parte de mãe a Madalena, teu irmão mais velho e noiva, Tiago e Carol, e minha nora e quase genro: Andressa e Hugo.

Depois que recebeu o canudo não parava de brincar com ele.
Arranjou logo uma serventia de binóculo, tapando com a outra mão um dos olhos.
Ou de megafone no ouvido da mamãe.
Depois, saindo da cerimônia gritou para todos os seus coleguinhas:

"Pessoal, não tem nada escrito".

Sua mãe ficou revoltada. "Como se pode receber um canudo-diploma sem nada inscrito."?

Eu sorria satisfeito. Não sei se foi falha na impressão, descuido da escola, ou se foi proposital.
Afinal, era um canudo, não era?
O fato é que achei incrível o teu primeiro canudo-diploma não ter nenhuma mensagem impressa nele.

Mas, nele tinha a maior de todas as mensagens que se pode dedicar a uma pessoa que alcança um objetivo.

Eu poderia até ouvi-la lhe sussurrar:

"Nunca pare de se ver como um página branca, em elaboração de sua melhor essência, e sempre. "

JG, preencha essa página em branco com um monte de coisas boas que vai acontecer em teu viver.
Só registre nela as coisas boas. Repito-lhe, só as boas. São elas que merecem ser anotadas para o sempre.

Quanto às ruins, escreva-lhes na areia, como nas areias da praia. Só registre-as o tempo suficiente da maré vir e levá-las consigo.

O tempo suficiente para com elas aprender e mudar pra melhor.

Escreva no seu diploma em branco as bênçãos que receberá da vida. Não esqueça a maior delas, a de estar vivo e sempre poder recomeçar.

Anote as pessoas para com as quais lhes é grato. Não esqueça quem abrir caminhos em teu viver. Nunca!

Anote os amigos. Como o do Jardim II,  o Ichiro, aquele para o qual você olha pela "luneta"

Anote os amores. Nada amado é ruim. Mesmo que acabe um dia.

Anote as aventuras, primeiras descobertas. Anote as cidades pelas quais passou, lagarezinhos em que voltará um dia.

Anote seus sonhos para o amanhã. Anote as suas metas e objetivos pessoais. Tenha-lhes sempre à vista.

Se faltar espaço no teu canudo, use a outra face.

Lembre-se de nutrir uma boa visão do mundo, do ser humano e de você mesmo.
Tal qual fez com a luneta-canudo que improvisou, haverá horas em teu viver nais quais precisará fechar um olho pra ver mais longe.


Se afastar um pouco do problema para focar melhor as possíveis soluções.

Deixar de se preocupar com coisas pequenas, corriqueiras, poeirinhas emocionais, "tampar um olho" e mirar no futuro. Amanhã tudo será melhor. Isso também passa.
Aprenda com seu pai.
A visão é a musculatura da alma. Nas horas do aperreio, foque no infinito e com obstinação, tal qual fez com o canudo como se ele fosse uma luneta. Nutra uma boa visão de si mesmo, dos outros e das coisas que lhe acontecerão.

Lembre-se de falar, de ecoar aos quatro cantos teus valores. Tal qual fez com o canudo, como se ele fosse um "megafone".

Amplie a força de seus valores e os compartilhe. Não tema pedir ajuda, nem que para isso precise ampliar o som de teus sentimentos.

Não banque o forte. Anuncie coisas boas aos outros. Que de tua boca nenhuma palavra má, de injúria, difamação, calúnia ou mentira sai, e nem seja amplificada pelo megafones digitais.

Não propague o mal. Não anuncie desgraças alheias, não ecoe nunca sentimentos de ódio, inveja ou mágoa.

Que de teu microfone interior, de teu canudo em branco que a vida te deu ontem só saia coisas boas.

Veja e propague o bem e o bom. Sê bom, misericordioso, tenha compaixão e empatia com todos que lhe rodeiam.

Um dia recebi um diploma como o teu. Passei anos sem saber o que ele queria me falar. Anos após anos, lentamente, as letras foram aparecendo.

Em algumas delas um pouco borradas, mas de longe dava para entender a mensagem. O que estava escrito nele?
Deixarei você curioso.
um dia abra a Bíblia, no Novo Testamento, e procure o capítulo 13 do livro I Coríntios.  Ali, saberá o que o Senhor do eterno, sons, cores, aromas e sabores escreveu para a Humanidade.  É um escrito para um Diploma Maior.
Perto dele, todos os demais escritos - seja em qual seja a formatura, serão letras vazias.

Pense nisso.  Será que me entende?

Mancha de Graxa Sai.


Era um final de tarde de quinta feira. Meu estressômetro estava no nível + Plus. Dia com muitas coisas atropeladas e agenda impossível.
Fui pegar o JG na escola. Ele estava lindo. Usava uma camisa nova, que acabara de vestir, e que era uma surpresa para os pais. A camisa de sua formatura.
JG estava radiante.
No caminho, ao resolver pendências por telefone, o estresse sobe novamente, atingindo o ++Size.
Então, resolvi irmos à Barraca do Barbosa, lá na feira do produtor.
Precisava de uma cerveja bem gelada e ouvir boa música junto a amigos.
Chegando lá, fiz uma foto do JG com sua camisa nova e ficamos esperando a sua mamãe para fazer-lhe surpresa.
Entre um petisco e outro, eu gritava pra JG ficar na minha mesa e parar de explorar o local.
Cervejas depois, quando finalmente ele senta comigo, digo-lhe para ter cuidado para não sujar a camisa.
Ele baixa a vista e balbucia que já sujou.
Peço-lhe que fique de pé e avalio a situação. A camisa está horrível, ele andou escalando algum portão que tinha graxa. Está preta, daquela cor de camisa de mecânicos de oficina.
Fico ensandecido. Ralho bravamente com ele. Ele chora.
Chamo a atenção dos garçons e dono da barraca. Que tentam por água fria na fervura, aumentando mais ainda minha ira.
Então, percebo que ele chora olhando pra sua camisa.
Ele, chora muito mais pela dor de ver sua camisa nova suja, do que mesmo pela minha falação esbravejada.
Calo-me e choro por dentro envergonhado de ter feito isso.
Entendi que a dor nele era maior do que minha severa bobagem de pai.
Ligo para a Cristina, a previno e peço-lhe que não brigue mais com ele ao chegar.
Coloco-lhe no colo, e ficamos juntinhos, olhando joguinhos de celular.
A mãe chega e ameaça lhe repreender. Eu faço expressão de poucos amigos e ela cede.
Ele já está muito abalado.
Voltamos calados pra casa.
No outro dia, nossa diarista diz que sabe tirar mancha de graxa de roupa.
"É só passar um pouco de sabonete, botar no sol, mais um pouco de sabonete e tá novinha."
Ela diz que também pode usar manteiga ou detergente lava-louças.
Do trabalho ligo pra ela: Cida e a camisa? "Novinha, seu Ricardo. Mais limpa da que ele ganhou."
Não vale a pena estressar para coisas que sabonetes podem resolver.
Foi o que aprendi.
Fiquei descontrolado emocionalmente. O acúmulo de estresse durante a semana fez-me explodir. Explica, contudo não justifica.
Crianças sujam roupas. Crianças gostam de explorar locais. Crianças são crianças.
Querer que funcionem como adultos é matar o que elas têm de melhor e que lhes será muito útil na vida adulta: a capacidade de fantasiar a existência.
Aquela expressão de desgosto do JG, realçada com minha pouca sensibilidade ao fazer uma tempestade de um copo de água, não me sai da cabeça.
Não faça tempestades em copo de água.
Viva a vida mais leve. Deixe pra explodir com coisas grandes, que careçam de um posicionamento mais forte.
Engraçado que na sexta pela manhã, num outro tema afeto ao trabalho, explodi com meu melhor amigo, noutra coisa pequena.
Ele, um doce de pessoa, disse-me: "Ricardim, você está muito envolvido emocionalmente com a questão e está dando mais importância do que ela requer." Algo assim ele falou.
Fomos almoçar juntos, eu ainda destilando ácido. Ele risonho, calmo e seguro.
Pouco a pouco fui achando meu chão novamente, sorrindo e relevando.
O controle emocional é um aprendizado nunca acabado. Numa semana dei "piti" duas vezes.
E, em ambas, sabonetes no dia seguinte seriam melhores do que a explosão.
O acúmulo de cortisol e adrenalina, derivados de processos de estresse, pode nos tirar do eixo. E degradar as relações interpessoais. Ao ativar em nós mecanismos de sobrevivência do tipo: ataque, se defenda ou corra.
E, enebriados de hormônios acabamos por fazer coisas que não são legais, e que depois da palavra dita, da letra escrita, do gesto descabido, ficamos órfãos de nós mesmos. Nos perdemos do que temos de melhor, os valores.
Agora, ficarei mais atento aos meus chiliques. Lembrarei do sabonete. Calma Ricardim, amanhã com sabonete limpa. E tudo estará melhor.
Pra que explodir se não vai resolver mesmo.
O leite já derramou.
Deixe as explosões para coisas que realmente por elas valha a pena explodir.
Agora, explodir por bobagens é gastar vela boa com defunto ruim.

As manchas mais difíceis são das mágoas que nós pais podemos deixar nos filhos. Não falo de criá-los sem limites. Isto seria um desastre maior ainda. Falo de pais severos demais, perfeitos demais, exigentes demais que moldam personalidades culposas e devedoras nos filhos, os filhos aprendem a fazer tudo para alegrá-los - aos pais, a não aborrecê-los, e perdem-se de gostarem deles mesmos. Estão sempre girando ao nosso redor, com medo de nossas reações de excessivo controle.

Quanto ao JG, vou pedir que ele vista sua camisa nessa manhã de domingo. E vou enchê-lo de demonstrações de amor.
Quem sabe posso conviver melhor com aqueles olhinhos chorando a perda das cores de sua camisa, avivados por minha incompreensiva atitude de pai.
A vida já tá muito corrida, competitiva e temos que ter cuidado pra não ficarmos exigentes demais, perfeccionistas demais, com rigidez de pensamento e muito cheio de "não me toques".
Ou seja, uns rabugentos, chatos e excessivamente críticos.

Cartas ao JG - A arte de fazer e desfazer malas.

Querido JG, dia 18/11/2014 você fez sua primeira viagem sozinho. Altivo e confiante, puxava sua bolsa em direção ao ônibus.

Na entrada, um olhar de soslaio para seus pais e um até logo risonho.
Seria um dia de aventura num hotel fazenda próximo de Brasília-DF.
Faltou lenços para o batalhão de mães que se despediam esvoaçantes.
Uma delas gritava: "Se sentir saudades, liga pra mamãe que eu vou almoçar contigo, eu sei chegar no lugar". E olhava orgulhosa para as outras mães, como que a dizê-las: "Vamos?".
É desse jeito que pais estragam os filhos.
Parta filho. Tenha sempre malas prontas para o infinito.
Parta.
Sei que voltará e teremos muitas histórias para celebrar. Mas, não te quero no conforto de minha asa.
Vá em busca de seus próprios sonhos, mesmo que noutro local. Mesmo que tema o desconhecido e o quarto escuro do novo.
Meu pai partiu de Juazeirinho-PB, quando tinha 14 anos. Foi buscar suas melhoras na cidade grande.
Minha mãe partiu de Serra Negra-RN, junto com seus pais, e foi buscar oportunidades que só a educação pode abrir.
Partir ou ficar deve ser decisão madura em teu viver. Mas, não tema as malas prontas.
Não crie nunca raízes, em lugar algum. Crie asas.
Esteja sempre pronto a recomeçar, a restabelecer trajetórias interrompidas, sonhos abortados.
Siga para o futuro com a mesma confiança com a qual entrou naquele ônibus.
Sê forte e persevere. Saudade, quando é das boas, alegra. Alegra por saber que ela está só guardada, logo ali, na esquina que dobra.
E, ano a anos ainda poderá ser revisitada nas emoções. Ninguém parte quando o amamos.
Levamos-lhes conosco vida afora.

Tenha malas prontas. Carregue pouco peso em seu viver.

Não tenha medo de mudar. De curso superior, de cidade, de amigos, de trabalho, de relacionamento afetivo e até de igreja.

Desde que te faça feliz.
Leve sempre a matula contigo, uma pequena lancheira, para dias difíceis.

Nela um monte de esperança, positividade, amor e fé.
Não olhe pra trás. Estaremos bem.

Qual pai não fica bem vendo seus filhos felizes?
Não se importe com o choro de sua mãe.

Ela também quer o teu melhor, e aguentará o tranco.
Tenho saudades de meus três filhos, teus irmãos. Nem sempre os vejo. a agenda deles, agora casados, é bem agitada.

Mas, só de ver suas pequenas e grandes vitórias vibro.
Os sinto como se tivesse ao meu lado, aqui na tua casa da árvore de onde teclo.

Voe alto. Sempre de malas prontas.
Mas, aqui vai meu maior segredo.

Uma vez que chegue ao lugar de destino, desfaça as malas e o aprecie intensamente.
Entendeu JG?
Sei que é difícil, vou tentar te explicar. Esteja sempre de malas prontas para mudar, mas as desfaça ao alcançar a mudança preendida.

Caso contrário, viverá sempre no futuro como um estéril sonhador. Viverá na provisoriedade, nunca será feliz com nada.
Sempre estará pensando no que falta, nunca no que tem.
Sempre estará querendo mudar de trabalho, de estudos, de amada, de cidade, de cultura...
Saber a hora de fazer as malas, e de desfazê-las é a dica mais importante que já deixei contigo.
Tem gente que vive o casamento de malas prontas. Prontas a desistir e partir para outra. Perde a chance de reconstruí-lo ou reviver emoções encardidas pelo desuso.
Tem gente que vive o trabalho de malas prontas. Nunca é feliz com a empresa, sempre procurando razões para dela falar mal.

E assim por diante.

Sofrem de uma paranoia de achar que sempre o "gramado do vizinho é mais bonito".
Vivem na eterna busca, numa angústia cruel, que nunca os capacita para sentirem-se felizes com o que tem. A serem gratos.
Uma postura de malas prontas na vida não é isso.

Malas prontas e não ter medo de buscar novos horizontes, fantasias, vivências e aprendizados.

Mas, ao alcançá-los precisa desfazer as malas e curti-los.
Imagine uma pessoa que o sonho era ingressa na diretoria que teu pai trabalha no BB, a de Tecnologia.

Estudou, fez prova difícil e migrou de longe.
Isso é o fazer as malas. Superou a saudade, a distância e os medos de não conseguir.
Imagine essa mesma pessoa, dois anos depois, definhando, infeliz.
Será que arrumar as malas e partir será novamente a melhor opção?
Ou será que a infelicidade não vem dela não ter desfeito as malas emocionais ao aqui chegar?
Outro dia ouvi de uma palestrante famosa que temos que fazer o que gostamos pra ser feliz.

Bobinha.

Temos que gostar do que fazemos, para ser feliz.

E é aqui que mora a diferença. Você não é bancário pra fazer o que gosta.
Mas pode ao ser bancário gostar do que faz.

Entendeu JG?

Essa é a sutil diferença entre as malas feitas e desarrumadas.
Partir em busca de novos objetivos é super importante. Mas, saber apreciá-los, degustá-los e encontrar o prazer neles é fundamental.
O prazer não virá deles, nunca! O prazer será eles.
De deles pra eles. Difícil né?
Você não ver ninguém dizendo que fez vestibular para ser bancário. Costureira, jardineiro, motorista de ônibus ou funcionário público.

Mas, em cada uma dessa profissões você pode desfazer as malas e ser muito feliz, gostando do que faz. E não procurando fazer o que gosta.

Já psicólogo, eu gostava do que fazia no Caixa de uma agência do BB.

Gostava do que fazia no caixa. Gostava do que fazia na compensação. gostava do que fazia no meu primeiro emprego com carteira assinada, como professor. Gostava do que fazia na Controladoria. E assim por diante.

Goste do que faz. Pare de procurar o sentido da vida, ou do trabalho.
Encontre o sentir no trabalho, na vida. Isso fará toda a diferença.

É a diferença entre fazer as malas e partir, ou desfazer as malas e dizer, aqui é meu lugar. A escolha será tua, sempre tua. E, teu pai te apoiará. Mas, se começar a olhar muito o jardim do vizinho, vai levar uns cascudos pra tomar prumo. Ahh se vai!

Perigo - Todos os Ovos num Único Cesto


O aroma da mata convida-me para mais uma viagem literária. O dia começara chuvoso, revoadas de maritacas, pardais e bem-te-vis fazem a festa do encontro do sol com as águas. Perto de mim, um deles me observa curioso.

Tem o papo amarelo e a cabeça preta com a mancha branca. Um belo bem-te-vi. Ao longe uma mão erguida me saúda. Sr. Waldir convida-me para ir ver seu roçado. Diz-me que o feijão e o milho nasceram.

Conheci Sr. Waldir semanas atrás, quando ele limpava um terreno para plantar. Hoje viramos amigos. Ele é um jardineiro de pessoas, mais do que plantas. Sinto a paz ao seu lado, quando ele me fala de cada espécime que cultiva na horta do condomínio. Hoje queria conversar contigo sobre coisas simples como um terreno desabrochando em milho e feijão, recém-cultivados.

Sr. Waldir é um dos ovos de meu viver.

Como assim Ricardim?

Aprendi que um dos segredos para o bem-me-ver, ou bem-te-ver, é não guardar todos os ovos de nossa vida num único cesto, tal qual essa foto que fiz na loja Caipira, em São Sebastião-DF.

O perigo de, em caso de desastre, tudo ruir é grande.

Não deposite todos os ovos de sua felicidade num único cesto.

Tem pessoas que todos os ovos de seu viver estão no cesto do trabalho.
Outros no cesto do amado. Dos filhos. Do esporte, e até da fé.

Aprendi a colocar meus ovos noutros cestos. Tenho Sr. Waldir, um jardineiro com o qual cruzo nas manhãs de sábado e me torno melhor ao escutá-lo falar de suas plantas.

Tenho Dona Sônia, Odete e Barbosa, personagens de uma pequena feira livre que visito pelas 7 da manhã no sábado. Cada um deles me torna um pouco mais feliz. Ouço suas histórias embevecido, histórias de pessoas que superaram muitas dificuldades e continuaram acreditando na vida.

Tenho amigos na comunidade Metodista que frequento nos domingos à noite. Pessoas que se preocupam comigo e, eu com elas.

Tenho La Deyse, nos domingos pelas manhãs, que me espera com um sorriso no rosto, com cafezinho especial e um pastel de tirar o fôlego. Quando passo uns domingos sem ir ela reclama.

Tenho um monte de ovos espalhados em diferentes cestas.

Quando um deles está podre, ou se quebra, não contamina toda a minha vida.
Diversificar as fontes de satisfação no viver é muito importante. São almofadas sociais para equilibrar e harmonizar a existência.

Abelhas fazem festa ao meu lado. Não as temo.

Diversifique suas fontes de prazeres. Não coloque toda a energia de sua vida num único cesto.

Trabalhar é ótimo, realiza-me, mas não sou só o trabalho.
Orar é ótimo, me encanta, mas não sou só oração.
Receber amigos é bênção, mas não sou só um coração que acolhe.


Cada novo cesto que crio é uma oportunidade para realização.
Assim vou pela vida afora, tirando ovos de um único cesto e colocando-os noutras facetas de meu viver.

Tem gente que se separou no século XX, e ainda fala disso, e sofre como se fosse hoje. Ficou ressentido. Perdeu o prazer de um monte de outras coisas, como se toda a sua existência estivesse naquele único cesto de ovos.

Tem gente que aposentou-se com mágoa da empresa e fala disso como se tivesse sido ontem. Fala disso aos quatro cantos, amanhece com essa dor, anoitece com ela a niná-lo. Gente que o cesto do trabalho era único.

Tem gente que migrou da terra natal mas nunca mudou-se emocionalmente. Nunca mais conseguiu colocar ovos noutros cestos. Gente que o cesto da sua cultura era único.

Tem gente que só aprendeu a ser feliz em função de sua família. Quando eles partem, ou buscam outros afazeres e prazeres, para longe do ninho, a pessoa morre.


Ricardim, e o que tem a ver o roçado de Sr. Waldir com os cestos de ovos de nosso viver?

Tudo.

Aquele roçado não estava ali no mês passado.

Ele foi lá, tirou um monte de entulho, "4 caçambas", limpou a terra, arou, lançou as sementes e cuidou delas.

Diversificar nossos interesses e fontes de satisfação coma vida é como o roçado do Sr. Waldir.
Exige investimento, esforço, e o maior de todos, o do autoconhecimento.
Aquele que nos diz que CHEGA! Chega de ficar 100% focado em algo.

É hora de se abrir a novas possibilidades, cultivar novos hábitos, aprender novos aprenderes, permitir-se viver novas experiências.

Tem que tirar as tranqueiras de nosso coração.
Tem que levá-las para longe.
Tem que fofar nossa terra interior. Adubá-la e deitar novas sementes.
Tem que cuidar de nós mesmos.
E cultivar sonhos.
Tenho um monte de infinitos particulares. Altarezinhos para onde vou, quando as coisas em algum de meus cestos não estão nada boas.

Crie os seus também. Enriqueça sua existência com diversificadas fontes de sentido da vida.

Elas serão muito úteis, quando algum destrambelhado qualquer, vier a pisar no cesto de ovos que guarda em seu coração.

Você sobreviverá, afinal, não tinha somente aquele.

Pense nisso!

Pare de procurar razões para ser infeliz.



Hoje chegamos cedo para o treino do futebol. Era perto das 08h:40min. O treino começa pelas 09hrs.

O local estava vazio, silencioso de sussurros humanos. É feriado nacional, dia da República, e os trabalhadores do local estão de folga.
João Gabriel (5) está impaciente no carro. Quer descer e ficar sozinho no campo. Eu, digo-lhe que talvez não haja treino, por causa do feriado.
Ele muda o humor. Fica irritadiço e murmura triste: “mais papai eu queria jogar”.
Com o coração apertado, fito-lhe os olhos e o repreendo:
“Pare de procurar razões para ficar infeliz, alegra teu coração, seja forte”.
Não sei se entendeu. Mas, parou a birra.
Passaram-se uns eternos minutos e o seu técnico chega. Não precisa nem dizer que ele saiu em disparada para abraça-lo.
Ufa, vai ter treino.
Corta a cena e voltem comigo uns 30 minutos.
Eu estava na feira do produtor do Jardim Botânico. Sentei pra prosear com dona Odete. Aquela de sábado passado que seu perfume me acompanhou até aqui, onde teclo, nessa área verde perto do campo onde JG treina.
Pois bem, hoje ela estava com a “pá virada”.
Descarregou comigo um monte de ressentimento que sente de pessoas que lhes são próximas, na feira. Sobre as mesas delas que estão ficando sem espaço; sobre o toldo do vizinho que tirou a atenção do quiosque dela.
Hoje ela estava como JG. Procurando razões, motivos para ruminar pensamentos ruins.
Pedi um outro café e falei-lhe que viver é uma arte. A arte de mesmo diante de reveses, pressões, ingratidões, ou todo tipo de desentendimento, não s deixar embrutecer. Virar um vinagre ácido, no lugar de um vinho suave – com o passar do tempo e com o acúmulo de cicatrizes na alma.
Pare de procurar razões para ficar triste. No lugar, dê respostas à vida. Mude, transforme a situação. Mude-se da situação, parta pra outra. Ou mude a si mesmo de como a situação te abateu, caso não possa fazer nada mais. Transforme-se você mesmo para acolher o amor, essa é a maior de todas as revoluções.
Outro dia na aula contei uma metáfora de infelicidade.
“Era uma vez uma aluna chamada Amélia que toda as vezes, após as aulas do professor Ricardim, chegava em casa querendo comentá-las com o marido. Ao chegar em casa, e puxar assunto, ele dizia que estava cansado e vendo o futebol. Que depois conversaria com ela. Quarta a quarta ela foi definhando. Ficando infeliz. As atividades que passava para casa, muitas delas podendo ser feitas em família, ela nem mais o convidava para juntos fazerem.
Pronto, ela acabara de criar um modelo mental de pensamentos ruins, angustiantes, de desamor. Com ele, um padrão de comportamento. Se fechar. Se retirar da cena, emburrar e perder o viço.
De tanto repetir aquela mesma vivência, ela criou um ciclo de processamento rápido de situações semelhantes. Internalizou nela um hábito de infelicidade, sempre que chegava para falar de algo importante para alguém e este não lhe dava a devida atenção. Ela passou a reagir como fez com o marido. Retirava-se para o quarto, chorava, murmurava e perdia o resto da noite em autoflagelações: ele não me escuta; não me dá atenção; não me ama mais... devo ser muito sem valor para nãos ser notada. No outro dia, aqueles pensamentos acompanharam-na trânsito adentro, e foi o tema das conversas com as amigas no cafezinho no trabalho...
Não precisa nem dizer que aqueles pensamentos de não ser valorizada, ouvida, estimada melaram as cores, sons e sabores de seu dia. Tudo ficou sem graça."

Agora voltemos ao João Gabriel e à ordem que dei pra ele: pare de procurar razões para ser infeliz.
Seguindo esse caminho na metáfora anterior o que Amélia poderia fazer:
1. Mudar a si mesma. Ao reconhecer os limites de seu marido, nas quartas à noite perto das 23hrs, e estabelecer esse tipo de conversa em dia e horário mais eficaz.
2. Mudar a situação. No lugar de chegar querendo espaço para o diálogo, atenção, ser notada e escutada; fazer pipoca e ir ver o resto do jogo ao lado do maridão. Interessando-se pelas coisas dele. Perguntando-lhe, entre um ataque e outro, como foi o seu dia. E, nos dias que se seguem ir conquistando paulatinamente a mudança que espera. Diminuindo a ansiedade de querer falar tudo do seu dia, e aproveitando as brechas de atenção para entre um gol e outro, falar de suas coisas. Recriar espaços de escuta, sem esticar a corda. A educação pelo amor é a mais poderosa das forças para a mudança.
3. Mudar-se da Situação. Não criar espaços para novas infelicidades, reproduzindo essa mesma vivência. Valorizar outros aspectos no relacionamento que sejam legais. Curti o que sobra e que é bom. Não dá murro em ponta de faca. E, caso a coisa fique feia, procurarem como casal ajuda. Cursos em igrejas, terapias de casais, uma viagem de re-lua-de-mel.

O bem-estar pede razão. Inteligência para repreender pensamentos ruins, opressivos, fétidos e substituí-los por outras facetas da vida, mais belas, que acabam sendo contaminadas e despercebidas quando estamos no ciclo de ninguém-me-ama, culpa ou mágoa.

Pare de procurar razões para ser infeliz. Isso é como procurar defeito em carro velho. Vai achar e um monte.
Aprenda a preservar seu ninho interior, apesar dos furacões e tempestades.
Aprenda a fechar janelas na sua vida. Fechar ciclos.
Não deu. Pronto acabou, vire a página.
Ele não foi o que você esperava. Um cara te xingou em público. Outro te ferrou no trânsito. No trabalho, um traíra puxou teu tapete. Você não recebeu a promoção sonhada. Não veio aquele email agradecido. No dia do teu aniversário, alguém especial esqueceu de ti.
Pare de pensar essas coisas. PARE! PARE!
Não fique hiperreflexivo, remoendo, murmurando sobre coisas que te aconteceram e que não foram legais. Use meu algoritmo: mude a si mesmo diante da forma como se deixa abater por elas; mude a elas mesmas – caso possa; ou mude-se delas, fechando as janelas e virando as páginas desse seu viver.
As pessoas são imperfeitas. Nem sempre têm a noção do quanto nos magoam com seus comportamentos. Portanto, casca grossa para viver é bem é necessário e fundamental.
Pare de procurar razões para ser infeliz, mesmo que elas sejam boas razões.
Pare de viver papel de vítima dos outros, das circunstancias e até de si mesmo.
De se cobrar tanto e de querer que todos funcionem como gostaria. Não funciona assim, sinto muito!
- Próximo sábado pode não haver treino, por motivo de chuva.
- Os vizinhos da Odete poderão continuar espaçosos.
- O maridão dela poderá continuar vendo o jogo nas quartas...
Mas, se no futuro poderá haver inquietações, prepare-se no presente para melhor lidar com elas.
Mais aceitação, tolerância, adaptabilidade, flexibilidade e valorização de um monte de coisas que em toda situação ainda tem de boa que acabamos por não vê-las mais, quando o sangue ferve.
Pare de murmurar, resmungar, nutrir rancores e pensamentos ruins sobre os outros, você ou as situações.
Isso é um veneno que matará tua alma, pouco a pouco.

Cartas ao JG - O Perfume de Odete



Meu filho, hoje voltando da feira do produtor do Jardim Botânico vim saboreando um perfume. Não era meu, raramente uso.
O carro estava com os vidros fechados, fazia um friozinho gostoso, e aquilo realçava ainda mais o cheirinho. Meu carro anda fedido dos restos de comida que você anda deixando nele.
Uma hora depois que voltei da feira, agora enquanto escrevo pra ti nesse meu infinito particular – uma mesinha que fiz com pedras debaixo de árvores, à direita do campo em que treina no Cond. Ouro Vermelho I, ainda sinto a fragrância a inebriar meu ser.
Quem me deixou perfumado foi a Odete. Ela é a proprietária de uma das barraquinhas da feira. Tomei café lá, e ela me presenteou com um bolo de fubá para levar pra tua mãe.
Na saída da feira nos abraçamos como velhos amigos. E, ao nos abraçarmos, ela passou seu perfume para mim.
Estávamos ambos emocionados, Odete me revelou que Sr. Humberto morreu. Sr. Humberto é nosso amigo comum. Ele tem um ponto na feira, vende frangos e ovos. Na foto dessa carta é o que está atrás de você. Essa foto foi tirada esse ano, um pouco antes dele começar o tratamento para se submeter à operação no coração. Infelizmente, ele não teve um pós operatório satisfatório, após receber 3 safenas e uma mamária, e no domingo passado faleceu.
Quem me deu a notícia foi Odete.
Fiz muitos amigos nas feiras do produto do Jardim Botânico e na de São Sebastião.
Conheço-lhes pelo nome: Deise, Darcy, Humberto, Gente Boa, Maria, Célia, Sônia, Olga, Odete, Adauto, Barbosa...
Ao me despedir de Odete ela falou-me: “ainda bem que você tira fotos enquanto estamos vivos, assim podemos recordar dos amados...”
Sábia Odete.
Escuto seus gritos correndo atrás da bola. Você ama futebol. Escuto uma sinfonia de cigarras.
Olho ao longe o parquinho da Luíza, uma sensação de paz e amor inunda meu ser.
Tudo está conectado. Cigarras, bola, gritos, formigas, árvores, pedras, Humberto, Luíza, Odete.
Barbosa veio tomar seu café na minha mesa, de sua barraca. Odete, ao lado, me serviu um café quentinho, recém passado.
Barbosa estava soube por mim de Sr. Humberto. Sua expressão “enluteceu” na hora. Eram amigos. Comendo meu “cuscuz completão” falamos sobre a brevidade da vida. O que é a vida afinal?
Cai uma folha seca no teclado.
Cigarras cantam mais alto como que a quererem me responder.
O perfume fica mais forte, Odete está perto.
Levanto-me e ando um pouco. Hoje a cervical está incomodando papai.
Coisa boba.
Vou até um trabalhador do condomínio que roça a terra. Ele me conta que prepara a terá para plantar milho e feijão. É um lugar no qual foram sendo amontoadas folhas secas, ao longo de um ano e que agora, ao serem revolvidas com a terra, fornecerão um bom berço para as sementes.
Eis a resposta que perguntei acima.
Não há morte. Tudo está interligado, conectado. Sr. Humberto ficou um pouco em mim, não morreu. Luíza, a menina que dá nome ao parque, me acompanha quando escrevo. Posso até sentir suas risadas, vendo-lhe jogar. E seus olhinhos curiosos tentando adivinhar quem é aquele que tecla num amontoado de pedras.
O perfume de Odete é saboroso. Acho que sua alma é quem perfuma o seu perfume. Entende? Um dia entenderá.
Odete é uma alma perfumada em forma de corpo.
Amanhã será um dia estranho pra teu pai. Não farei a pergunta, ao filho do Sr. Humberto, como o pai dele vai se recuperando.
Não ficarei mais tomando café ansiando ver novamente o meu amigo, da banca ao lado.
Agora só o verei noutro plano. Sinto o luto. Sinto o perfume de Odete. Sempre que eu chegava na feira de São Sebastião, aguardava a única mesa da La Deise vagar. Aguardava conversando amenidades com Sr. Humberto. Falávamos da seca, da política, da feira, dos velhos tempos de nossa cidade natal, sim filho, Sr. Humberto era de Campina Grande-PB. Ele falava de pessoas que para papai eram nomes de ruas, falava delas como se estivessem vivas ainda.
O perfume de Odete me fala nessa manhã. E preste atenção no que aprendi e te transmito.
Deixe sempre as pessoas que cruzarem teu viver perfumadas.
Abrace-as e deixe-as melhor. Perfumadas.
Deixe um pouco de você no outro, um pouco do que tem de melhor, de teu perfume da alma.
Interesse-se pela vida das pessoas. Parei e fui saber mais da vida do trabalhador, aqui pertinho. Ele chama-se Valdir. Diz que gosta de mexer com terra, mas que essa época ele tem cuidado com os escorpiões. Ele fala do seu trabalho com orgulho, e me corrige ao dizer que o monte de folhas que ele revolve tem três anos que “dormia” no monturo, esperando o momento certo de virar adubo... Fala do passarinho que fez um ninho estranho, diz que os filhotes são bem pequenos. Fala que aquele pedaço de terra que capina é como se fosse seu.
Quanta coisa bela teu pai ouviu. Olho para meus pés, procuro escorpiões.
As cigarras disputam com o perfume a minha atenção. Qual perfume estou deixando em ti?
Qual perfume deixei nos meus filhos mais velhos?
Se despeça dos amigos deixando-os melhores do que os encontrou. Sempre com uma palavra de ânimo, de esperança e de otimismo.
Tire fotos dos amigos. Tire fotos. Fotografar é eternizar momentos. Fotografe.
Mas, lembre-se só estou sentindo o perfume da Odete por existir uma Odete em meu viver.
Permita-se a muitas Odetes em teu viver.
Quebre a barreira entre ti e os invisíveis sociais. Aproxime-se deles. Crie pontes. Eles têm histórias de vida e de superação que muito lhes serão úteis. São mais do que barraqueiros de feira-livre, copeiros, zeladores, etc. São pessoas. E pessoas lindas. A história de Odete já contei no meu blog em: http://bodecomfarinha.blogspot.com/2014/05/pedacinho-de-ceu.html.
Depois leia.
Só existe almas perfumadas, inundando-te com o perfume delas, se você se permitir a elas. Entende?
Se você se fechar nunca sentirá o perfume das pessoas, de suas almas, melhorando seu viver.
Nunca.
Não se feche em si mesmo. Crie laços e vínculos. Descubra quem são, valorize o que fazem.
Hoje filmei dona Sônia fazendo tapioca. Ela ficou toda orgulhosa. Não nos conhecíamos.
Acho que deixei meu perfume nela. Ela sentiu-se importante. De quebra levei para Cristina uma tapioca bem fininha e crocante, coisa que Dra. Sônia sabe fazer. Como ela sorrindo me disse. Cumpri minha meta de conhece alguém novo, mês a mês. Aproximei-me de Dra. Sônia, valorizei seu trabalho, perguntei sobre ela, e crie condições para que no próximo sábado já sejamos menos cliente e vendedor. Sejamos pessoas.
Há fedores em pessoas, não seja assim, fedido. De alma fedida. Tenha a alam perfumada.
Existem muitos corpos em almas fétidas. Fedidas a ponto de quando cruza com essas pessoas você sai pior, mais triste, raivoso, desmotivado. Dessas pessoas, distância. Muitas delas não adiantará mais tentar criar pontes e mudá-las. Infelizmente. Para outras, ainda haverá esperança.
Três coisas deixam nossa alma perfumada: o amor, a educação e a fé. Das três, se não tiver amor não há perfume que se fixe em teu ser.
Portanto filho meu, ame. Ame tudo. Pequenos e grandes momentos. Uma borboleta linda vem me fazer companhia. Um pássaro me espia ao longe.
O cheiro de amor da Odete me encanta. Ao longe escuto: “Faz o gol João Gabriel”. Teu técnico te incentiva. Incentivar o outro é perfumá-lo.
Esqueci a cervical doendo. Procuro o lugar que a borboleta pousou. Ela era linda. Pera aí um pouco. Desapareceu. Veio só me cumprimentar. Valdir acena de longe. Já somos cúmplices. Eu contei-lhe o que faço sobre essas pedras.
Outra folha cai no teclado. Seu Valdir a juntará num monte.
Em 2018 ela virará berço para outras plantinhas.
A vida se conecta. Morte e vida. Vida e morte. Não há morte.
No perfume de Odete ela vive.
Nas coisas boas que deixará plantado, Joaquim viverá.
Entende a metáfora? Deixe almas perfumadas ao tocarem em ti. Com perfumes de amor, solidariedade, empatia, bondade, gentileza, fé, compaixão, misericórdia, afeto, paz e respeito. Cuidado com fedores do ser. Fedores da intriga, murmuração, resmunguentos, ódio, falta de perdão, cultivo de mágoas e invejas de todos os tipos.
O perfume de Odete me eleva. Levo o perfume de Odete pra tu, no abraço que te darei agora. O treino acabou. Essa é a mágica de perfumes de almas. Vamos transmitindo-lhes, almas a almas. Pessoas a pessoas. Transmita perfumes. E, esteja aberto a recebê-los. Existem almas perfumadas por todos os cantos. Preste atenção e sentirá!

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