Cartas ao JG - O Perfume de Odete



Meu filho, hoje voltando da feira do produtor do Jardim Botânico vim saboreando um perfume. Não era meu, raramente uso.
O carro estava com os vidros fechados, fazia um friozinho gostoso, e aquilo realçava ainda mais o cheirinho. Meu carro anda fedido dos restos de comida que você anda deixando nele.
Uma hora depois que voltei da feira, agora enquanto escrevo pra ti nesse meu infinito particular – uma mesinha que fiz com pedras debaixo de árvores, à direita do campo em que treina no Cond. Ouro Vermelho I, ainda sinto a fragrância a inebriar meu ser.
Quem me deixou perfumado foi a Odete. Ela é a proprietária de uma das barraquinhas da feira. Tomei café lá, e ela me presenteou com um bolo de fubá para levar pra tua mãe.
Na saída da feira nos abraçamos como velhos amigos. E, ao nos abraçarmos, ela passou seu perfume para mim.
Estávamos ambos emocionados, Odete me revelou que Sr. Humberto morreu. Sr. Humberto é nosso amigo comum. Ele tem um ponto na feira, vende frangos e ovos. Na foto dessa carta é o que está atrás de você. Essa foto foi tirada esse ano, um pouco antes dele começar o tratamento para se submeter à operação no coração. Infelizmente, ele não teve um pós operatório satisfatório, após receber 3 safenas e uma mamária, e no domingo passado faleceu.
Quem me deu a notícia foi Odete.
Fiz muitos amigos nas feiras do produto do Jardim Botânico e na de São Sebastião.
Conheço-lhes pelo nome: Deise, Darcy, Humberto, Gente Boa, Maria, Célia, Sônia, Olga, Odete, Adauto, Barbosa...
Ao me despedir de Odete ela falou-me: “ainda bem que você tira fotos enquanto estamos vivos, assim podemos recordar dos amados...”
Sábia Odete.
Escuto seus gritos correndo atrás da bola. Você ama futebol. Escuto uma sinfonia de cigarras.
Olho ao longe o parquinho da Luíza, uma sensação de paz e amor inunda meu ser.
Tudo está conectado. Cigarras, bola, gritos, formigas, árvores, pedras, Humberto, Luíza, Odete.
Barbosa veio tomar seu café na minha mesa, de sua barraca. Odete, ao lado, me serviu um café quentinho, recém passado.
Barbosa estava soube por mim de Sr. Humberto. Sua expressão “enluteceu” na hora. Eram amigos. Comendo meu “cuscuz completão” falamos sobre a brevidade da vida. O que é a vida afinal?
Cai uma folha seca no teclado.
Cigarras cantam mais alto como que a quererem me responder.
O perfume fica mais forte, Odete está perto.
Levanto-me e ando um pouco. Hoje a cervical está incomodando papai.
Coisa boba.
Vou até um trabalhador do condomínio que roça a terra. Ele me conta que prepara a terá para plantar milho e feijão. É um lugar no qual foram sendo amontoadas folhas secas, ao longo de um ano e que agora, ao serem revolvidas com a terra, fornecerão um bom berço para as sementes.
Eis a resposta que perguntei acima.
Não há morte. Tudo está interligado, conectado. Sr. Humberto ficou um pouco em mim, não morreu. Luíza, a menina que dá nome ao parque, me acompanha quando escrevo. Posso até sentir suas risadas, vendo-lhe jogar. E seus olhinhos curiosos tentando adivinhar quem é aquele que tecla num amontoado de pedras.
O perfume de Odete é saboroso. Acho que sua alma é quem perfuma o seu perfume. Entende? Um dia entenderá.
Odete é uma alma perfumada em forma de corpo.
Amanhã será um dia estranho pra teu pai. Não farei a pergunta, ao filho do Sr. Humberto, como o pai dele vai se recuperando.
Não ficarei mais tomando café ansiando ver novamente o meu amigo, da banca ao lado.
Agora só o verei noutro plano. Sinto o luto. Sinto o perfume de Odete. Sempre que eu chegava na feira de São Sebastião, aguardava a única mesa da La Deise vagar. Aguardava conversando amenidades com Sr. Humberto. Falávamos da seca, da política, da feira, dos velhos tempos de nossa cidade natal, sim filho, Sr. Humberto era de Campina Grande-PB. Ele falava de pessoas que para papai eram nomes de ruas, falava delas como se estivessem vivas ainda.
O perfume de Odete me fala nessa manhã. E preste atenção no que aprendi e te transmito.
Deixe sempre as pessoas que cruzarem teu viver perfumadas.
Abrace-as e deixe-as melhor. Perfumadas.
Deixe um pouco de você no outro, um pouco do que tem de melhor, de teu perfume da alma.
Interesse-se pela vida das pessoas. Parei e fui saber mais da vida do trabalhador, aqui pertinho. Ele chama-se Valdir. Diz que gosta de mexer com terra, mas que essa época ele tem cuidado com os escorpiões. Ele fala do seu trabalho com orgulho, e me corrige ao dizer que o monte de folhas que ele revolve tem três anos que “dormia” no monturo, esperando o momento certo de virar adubo... Fala do passarinho que fez um ninho estranho, diz que os filhotes são bem pequenos. Fala que aquele pedaço de terra que capina é como se fosse seu.
Quanta coisa bela teu pai ouviu. Olho para meus pés, procuro escorpiões.
As cigarras disputam com o perfume a minha atenção. Qual perfume estou deixando em ti?
Qual perfume deixei nos meus filhos mais velhos?
Se despeça dos amigos deixando-os melhores do que os encontrou. Sempre com uma palavra de ânimo, de esperança e de otimismo.
Tire fotos dos amigos. Tire fotos. Fotografar é eternizar momentos. Fotografe.
Mas, lembre-se só estou sentindo o perfume da Odete por existir uma Odete em meu viver.
Permita-se a muitas Odetes em teu viver.
Quebre a barreira entre ti e os invisíveis sociais. Aproxime-se deles. Crie pontes. Eles têm histórias de vida e de superação que muito lhes serão úteis. São mais do que barraqueiros de feira-livre, copeiros, zeladores, etc. São pessoas. E pessoas lindas. A história de Odete já contei no meu blog em: http://bodecomfarinha.blogspot.com/2014/05/pedacinho-de-ceu.html.
Depois leia.
Só existe almas perfumadas, inundando-te com o perfume delas, se você se permitir a elas. Entende?
Se você se fechar nunca sentirá o perfume das pessoas, de suas almas, melhorando seu viver.
Nunca.
Não se feche em si mesmo. Crie laços e vínculos. Descubra quem são, valorize o que fazem.
Hoje filmei dona Sônia fazendo tapioca. Ela ficou toda orgulhosa. Não nos conhecíamos.
Acho que deixei meu perfume nela. Ela sentiu-se importante. De quebra levei para Cristina uma tapioca bem fininha e crocante, coisa que Dra. Sônia sabe fazer. Como ela sorrindo me disse. Cumpri minha meta de conhece alguém novo, mês a mês. Aproximei-me de Dra. Sônia, valorizei seu trabalho, perguntei sobre ela, e crie condições para que no próximo sábado já sejamos menos cliente e vendedor. Sejamos pessoas.
Há fedores em pessoas, não seja assim, fedido. De alma fedida. Tenha a alam perfumada.
Existem muitos corpos em almas fétidas. Fedidas a ponto de quando cruza com essas pessoas você sai pior, mais triste, raivoso, desmotivado. Dessas pessoas, distância. Muitas delas não adiantará mais tentar criar pontes e mudá-las. Infelizmente. Para outras, ainda haverá esperança.
Três coisas deixam nossa alma perfumada: o amor, a educação e a fé. Das três, se não tiver amor não há perfume que se fixe em teu ser.
Portanto filho meu, ame. Ame tudo. Pequenos e grandes momentos. Uma borboleta linda vem me fazer companhia. Um pássaro me espia ao longe.
O cheiro de amor da Odete me encanta. Ao longe escuto: “Faz o gol João Gabriel”. Teu técnico te incentiva. Incentivar o outro é perfumá-lo.
Esqueci a cervical doendo. Procuro o lugar que a borboleta pousou. Ela era linda. Pera aí um pouco. Desapareceu. Veio só me cumprimentar. Valdir acena de longe. Já somos cúmplices. Eu contei-lhe o que faço sobre essas pedras.
Outra folha cai no teclado. Seu Valdir a juntará num monte.
Em 2018 ela virará berço para outras plantinhas.
A vida se conecta. Morte e vida. Vida e morte. Não há morte.
No perfume de Odete ela vive.
Nas coisas boas que deixará plantado, Joaquim viverá.
Entende a metáfora? Deixe almas perfumadas ao tocarem em ti. Com perfumes de amor, solidariedade, empatia, bondade, gentileza, fé, compaixão, misericórdia, afeto, paz e respeito. Cuidado com fedores do ser. Fedores da intriga, murmuração, resmunguentos, ódio, falta de perdão, cultivo de mágoas e invejas de todos os tipos.
O perfume de Odete me eleva. Levo o perfume de Odete pra tu, no abraço que te darei agora. O treino acabou. Essa é a mágica de perfumes de almas. Vamos transmitindo-lhes, almas a almas. Pessoas a pessoas. Transmita perfumes. E, esteja aberto a recebê-los. Existem almas perfumadas por todos os cantos. Preste atenção e sentirá!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores