Seja Jequitibá



Milenar Jequitibá do Parque Estadual de Vassununga-SP, foto Murilo,
da Copel de Faxinal do Céu - PR. Especialmente cedida a este autor.
Domingo passado esperei o fim da tarde para jardinar. Gosto daquela hora do dia, na qual a natureza silencia, e espera toda oferecida o lençol da noite cobri-la para o amor.
Na minha cidade, no fim da tarde as rádios tocavam a Ave Maria. E já era noite. Por aqui, no Centro-Oeste, ainda teremos quase duas horas de luz do sol, mesmo que tênue. Antes de cavoucar a terra, fui buscar minha vitrola portátil, coloquei um dos tantos vinis que ganho, ou compro, e que ficam esperando uma boa ocasião para tocarem.  Primeiro, resgatei de vasos opressivos as florezinhas que decoraram os meus 50 anos, comemorados neste mês. Elas estavam esquecidas em restos de arranjo, e tive dó delas. Fofei a terra, botei um pouco de adubo e as deitei no solo. Torcendo que o tempo mudasse, o que acabou acontecendo noite adentro. Depois, peguei todo cerimonioso o presente que o Maurício me dera. Era uma muda de Jequitibá. Jequitibás são árvores sagradas, sua tradução do Tupi significa Gigante da Floresta. O Jequitibá da foto, tem mais de mil anos e 50 metros de altura, e fica no Parque Estadual de Vassununga-SP. Maurício me contou que minha muda precisará de uns 30 anos para ficar frondosa e grande. Será que viverei o bastante até 82 anos para vê-lo crescido? Pensei melancólico.

Mas era melancolia das fracas, anêmicas, logo passou. Afinal, quem planta Jequitibás não planta para o natal. Planta para gerações futuras. Para JG (meu quarto filho, de 7 anos, o João Gabriel) e seus amigos churrasquearem à sua alta e grande copa. Precisamos aprender a ser Jequitibás. Aprender a esperar, aprender a lidar com todo tipo de revés que a vida vai nos causando, sem nos perder de nossa essência, e dos nossos sonhos mais preciosos e caros. Imagine o quanto nos próximos 30 anos essa árvore enfrentará de ventanias, tormentas, secas, baixa umidade, formigas, cupins, e o mais letal de todos o flagelo, o bicho-homem a atormentá-la e querer trocá-la por um “piso de cimento”.  Mas, o Jequitibá não desistirá.  Jequitibás não desistem. Temos aprendido a ser frágeis. Aprendido a valorizar muito mais as dificuldades do que o nosso projeto de longo prazo, construído numa realidade asfixiante, no aqui e agora.
Precisamos da coragem dos Jequitibás para sermos mais que sobreviventes em nossa existência.

ü  A coragem de se manter no reino dos valores, quando tudo ao lado desmorona.
ü  A coragem de romper com tudo que nos sufoca, quando tudo ao lado pede a segurança das gaiolas.
ü  A coragem de recomeçar, quando tudo ao lado desiste.
ü  A coragem de confiar, quando tudo ao lado é desconfiança.
ü  A coragem de gostar de você mesmo, não esperando para que isso aconteça que alguém goste de você.
Imagine o quanto esse jovem Jequitibá tem que ter de autoestima quando dialoga com outras plantas.
Imagino o pé de Fícus que mora perto dele tirando onda. “Ei Jequitibá, tu és anão é?
Imagino o Jequitibá, pensando com suas folhas: “Ele, o Ficus, não sabe que sou a maior árvore do Brasil e a mais velha. Só preciso de tempo.”  Todos nós temos um Jequitibá dentro de nosso coração. Somos a grande árvore da floresta de Deus Pai.  Só precisamos de tempo para crescer e revelarmos nosso melhor e maior potencial.
Só precisamos acreditar que não somos feitos para rastejar, para ser vermes ou medíocres.
E, não falo de crescimento material. Falo de crescimento interior. Aquele que a traça não come e o ladrão não rouba. Conversando com meu Jequitibá hoje à noite, ele me falou que tem segredos milenares para me contar. Fiquei surpreso, ansioso e agradecido por tamanha gentileza de sua parte.
Ele foi me falando aos poucos do que o faz forte e esperançoso, mesmo em meio a tanta árvores, animais e pessoas fast-food, sem valores, que habitam o seu ecossistema.

Primeiro Segredo – Repita sempre, quando algo não sair conforme espera: Isso também passa. Isso também passa é o primeiro segredo do meu jovem Jequitibá de nome Deysy. La Deysy, a bela da floresta. Não há problema que dure uma eternidade. Não há dor que se eternize. Não há alegria que dure sempre. Ou seja, isso também passa. Esteja aberto a viver o que de melhor tem a vida. Quanto aos momentos de luto, isso também passa. Apenas espere esperançoso tempos melhores. Deysy me deu a fórmula dela: “Sempre digo, as coisas irão melhorar”.

Segundo Segredo – Repreenda seus pensamentos ruins, com outros pensamentos bons. Encontre sempre um oásis do bom para levar seus pensamentos. Toda vez que estiver pensando algo do reinado da inveja, mágoa, culpa ou ódio, repreenda fortemente seu pensamento. Troque esse canal, essa estação de dor mórbida, por outras de paz. Ache a paz em meio ao turbilhão, esse é o segredo adicional do segundo segredo.

Terceiro Segredo – Deysy me contou que aprendeu a gostar dela como ela é. Ela me falou que antes se comparava com os Ipês, os Jacarandás e sofria. Via que eles cresciam, davam flores, frutos, atraiam pássaros e ela não passava de um toquinho. Com o tempo ela teve clareza que cada um cumpria sua missão. Que os espécimes eram diferentes. E que ela era bonita, mesmo crescendo devagarinho. O terceiro segredo é o antioxidante da autoestima. Rejuvenesce o ser. Você é, quem é, simples assim. E, se tiver que mudar para ser aceito, se tiver que renunciar a você mesmo e seus mais preciosos valores para agradar, morrerá um pouco todos os dias.

Quarto Segredo – Minha menina árvore tomou um gole de água e contou-me o quarto segredo. “Feche as covas”. Não entendi na hora. Como assim Deysy? Feche as covas, as coisas que foram ficando mal resolvidas na sua vida, na sua história. As feridas abertas, os traumas, as culpas. Os desamores que foi sofrendo, as pisadas de bola que sofreu ou fez. Feche as covas. Enterre-as. Faça as pazes com sua história. Com seu passado. Aprenda fechar covas, janelas ou virar páginas, mas aprenda. Aprenda a sair da posição de vítima: das pessoas, das circunstâncias ou de você mesmo.

Quinto Segredo – Mesmo doente aparente estar bem. Deysy, agora tu me pegou, como assim? Finja sua existência quando cansado, desanimado, fraco e adoecido. Bote sua melhor roupa, e solte o seu mais sonoro bom dia, abra o seu melhor sorriso. Tudo passará a conspirar para sua cura. A esperança de dias melhores atua como uma lufada de ar, matando os ácaros que teimam em habitar seu coração sem luz. Todos os dias repita: hoje estou melhor do que ontem, e amanhã será melhor do que hoje. Agora, quem foi tomar água fui eu. Deysy me pegou de jeito, que sabedoria!

Sexto Segredo – Esteja atento. Preste atenção ao bom, belo e virtuoso que acontece nas beiradas de teu viver. Como? Esteja presente, inteiro e conectado. Aprenda a perceber seletivamente o lado bom da vida. Aprenda a identificar as fadas madrinhas, os anjos de luz, os pirilampos de amor que cruzam teu viver diariamente. Eles estão lá, você é que perdeu a capacidade de enxergá-los, pois desde as cavernas aprendeu a selecionar os estímulos negativos, como forma de manter-se vivo ao se defender. Sei que tem horas que tu viverás situações de luta, de selva, situações limites e de estresse máximo. Contudo, cuidado para não passar a habitar nessas situações por toda a vida. Elas também passarão. Têm seres na natureza que de tanto conviverem com o negativo desaprendem a ver o positivo. Como se tudo fosse uma única cena, sem outros atos. Desconsiderando as sutis diferenças nas realidades, ou o contraditório.

Sétimo Segredo – Converta suas maldições em bênçãos. Como assim Deysy? Numa mesma realidade há as duas cenas. Imagine que eu diga que você me plantou perto demais da divisa dos lotes, expondo-lhe a perigos futuros. Eu passaria os trinta anos te maldizendo, e procurando razões para ser infeliz. Agora, imagine que eu nutra em mim a atitude, comportamento e postura de ver o lado bênção da vida. Quando o pensamento de que você me plantou perto da divisa do lotes chegar, eu o repreendo. No lugar eu degusto a satisfação em ser a primeira das árvores de tua casa a t ver chegando do trabalho. Degusto a satisfação de ter sido plantada, quando antas de minhas amigas de viveiros nunca são compradas e presenteadas, como teu amigo Maurício o fez. Imagino a alegria de JG, amarrando uma corda na minha copa e descendo pela varanda de seu quarto por sobre mim, o que só daria para acontecer nessa posição que você me plantou.


Entende-me Ricardim? O negativo, o fato de que o vizinho pode não gostar de minha copa alta, e me agredir, ainda existe. Apenas, escolhi não focar nele, e priorizar coisas boas que também estão presentes. O problema é que vamos nos educando para filtrar apenas o ruim, ficando excessivamente críticos e negativos com tudo que nos acontece. Aí, nem 30 anos serão suficientes para sermos felizes. Estaremos sempre com gosto de guarda-chuva na boca. Ou remoendo, ruminando sentimentos tristes. Sempre numa espera mórbida: pelo melhor trabalho; pelo namorado(a) ideal, pelo chefe bom, pelo passeio dos sonhos. E, enquanto esperamos a parte bênção da vida vai fluindo de nosso ser. Vamos perdendo a capacidade de nos encantar com o sabor do vinho que tomamos, apenas por ele ter sido servido num copo de extrato de tomate. Foca-se no alvo e esquece que a felicidade é o caminho até ele. Foca-se no copo, perde-se de ver a essência. E, nada de partir antes dos meus 30 anos de árvore. Te aguardo para descermos juntos, da varando do JG, numa tirolesa, até meu tronco.  Aprenda a viver o agora; liberte-se da força negativa, reclamona e rabugenta. Saia do modo: “Se...”, ou  “Quando...”.  Aprecie o agora, com suas limitações, mas também com um cem número de oportunidade que – cego pelas preocupações e percepção seletiva, do que está em falta, acaba por não ver mais. Aprende a não valorizar e cultivar felicidades pequenas, instantes mágicos. Os olhos opacos da indiferença podem ferir sua visão a tudo que de belo, bom e virtuoso ainda acontece ao teu redor. E, você vai murchando, lentamente.

Um comentário:

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores