Férias com meus pais.


As micro-férias que tirei chegam ao seu final. De segunda à sexta, vivi intensas emoções.
Pela primeira vez, desde que me entendo por gente, não tirei férias na companhia de filhos ou esposa.
Eu tinha um resto de férias a gozar e aproveitei a presença de meus pais em Brasília-DF para tirar férias para eles.
Sim amigos, tirei 5 dias de férias para meus pais.
Durante o dia, enquanto a esposa trabalhava e o pequeno estudava, eu, papai e mamãe batíamos pernas pelo DF.
Nunca tinha tirado férias para eles. 100% disponível e envolvido com uma programação que fosse confortável para eles e legal.
Ambos beiram os 80 e montei uma agenda que não lhes desgastassem muito.
Logo cedo, saíamos juntos para deixar o JG na escola. Depois, seguíamos para "minha" padaria e tomávamos um delicioso café.
Depois, sem pressa alguma, cumpríamos a agenda na véspera planejada: Visitar o meu trabalho; a igreja de Nossa Senhora da Esperança e a feira dos importados. Ou, padaria, Santuário da Mãe Três Vezes Admirável, e Feira do Guará. Ou, mais ousado ainda, visitar o Santuário do Menino Jesus de Praga, em Brazlândia.
Vivi um monte de experiências legais. Como a de levar meus pais para visitar meu trabalho. Coisa que com 30 anos de empresa nunca houvera feito.
Senti-me bem cuidando para que mamãe coma um pouco mais. Era como se ela tivesse virado filha e eu insistindo para que ela se alimentasse melhor.
Ver os olhos de papai faiscando em lojas de ferragens era uma delícia. Parecia com os de criança nas de brinquedos.
Sua paciência com mamãe ensinou-me tanto. Mamãe anda esquecendo por onde já caminhou e se perde. Papai seguia-lhe ao longe.
E eu junto. Ela não aceita que se perde e gosta de olhar as vitrines sozinha.
Eita como ficávamos aflitos com medo de perdê-la em algum corredor da Feira dos Importados ou na do Guará. Fomos salvos por alguns "atchins" dela. Era quando ouvíamos os espirros, e sabíamos em que barraca ela estava. Ela tem alergia à mudança de clima.
Depois da agenda matutina, almoçávamos no caminho e voltávamos para casa. Aí, nós todos íamos dormir, até as 16 horas.
Depois, um café bem passado caia bem, e papai ia aguar as plantas, e mamãe ia rezar o terço, ouvindo belas canções de igreja. De perto, ficava curtindo tudo.
Durantes as noites eu ia lecionar, deixando-lhes com minha esposa e o JG. Na única que tive livre, a da quinta, fizemos um churrasco de chão e batizamos a noite de nossa festa junina. Convidamos os sobrinhos, os outros filhos e o vizinho e a festança foi até tarde. Com direito a milho assado na fogueira e bandeirinhas.
Sentirei falta. Não acessava redes sociais, escrevia textos ou arrumava minhas tralhas em casa, e olha que são muitas e pedem umas férias para serem arrumadas.
Não. Eu queria estar 100% presente e disponível para eles.
Viver uma experiência nova. Confesso-lhes que às vezes ficava com a cabeça latejando de tanto que mamãe conversa e com suas narrativas helicoidais, com várias aberturas de outras histórias dentro da história.
Mamãe com dificuldade de locomoção, era um caso a parte. Nossa caminhada adequava-se ao ritmo dela. Um dia eram seus joelhos, outro os ossos dos quadris.
Acompanhá-la, estacionar o carro em áreas mais fáceis para ela sair do carro, foram para mim preciosos ensinamentos.
Já papai não tem joelhos doentes, mas tem uma mania de "tirar" onda com todo mundo. Mas, nada pesado, ou preconceituoso, longe disso, só uma maneira de descontrair o outro, tipo um quebra-gelo.
Eu ficava apreensivo, temendo que algum atendente o trate mal, por não saber lidar com um cliente que brinca. "Dona Juliana, a senhora é das que soma, na conta, a data também?"
- Papai!!!
Vez por outra o clima entre eles fedia.
Um falava, e o outro rebatia. E começava a briga:
- "Evandy, você está monopolizando a conversa".
- "Denise, só consigo falar entre suas respiradas."
Algo assim.
Sempre procurava locais, perto das 10hrs que tivesse banheiro. Banheiro é item de primeira necessidade para idosos.
Depois, do roteiro espiritual, leva-lhes às compras.
Nada sofisticadas, pequenas compras de artigos dispensáveis. E de baixo custo. Só pelo prazer de vê-los caminhando e olhando as "mercadorias".
Mas, percebi que poucos sabem lidar com idosos. Não tem paciência e não se esforçam para entendê-los.
Outros, agem de má fé, empurrando mercadorias neles, para cuja compra falta-lhes o aparato cognitivo que os ajudem a discernir.
Mas, tirando isso, o que eles querem mesmo é atenção e acolhimento de suas histórias, mesmo que narradas pela 10 vezes no mesmo dia.
E, eles não se cansavam de ouvir as minhas, sempre com um orgulho irreparável.
- "Seus alunos fizeram um vídeo para você?" Conte-nos como foi."
Repetirei a dose. Sem filhos, esposas, amigos ou afazeres pessoais.
Com a atenção plena para suas necessidades e expectativas de lazer. Abrindo-me a essa mística experiência do reencontro, de um filho com seus pais. Sem nada para fazer antes, durante, nem depois. A isso chamo amor!
E você, se ainda pode, já tirou as suas?
Tire logo, não espere como eu esperei por tanto tempo.
"É melhor do que lexotan na veia." Garanto-lhes!

Pulse


"Chame eles mamãe. Agora. Ele está vindo. Eu vou morrer".
Essa mensagem foi enviada por uma das 49 vítimas do ataque terrorista da boate Pulse, o jovem Eddie.
Ela foi a terceira mensagem que ele escreveu para sua mãe que se chama Mina.
Na primeira, acordou sua mãe madrugada adentro com um:
"Mamãe eu te amo".
Na segunda, descreveu-lhe o que acontecia e que estava escondido no WC, pedindo-lhe que chamasse a polícia.
Passei o domingo compungindo com tamanha bestialidade humana.
Mais ainda com a prosaica explicação do pai do atirador, sobre o que podia ter motivado o seu filho a proceder de forma tão bárbara:
"Ele viu dois homens se beijando em frente à sua mulher a ao seu filho, e ficou muito irritado".
Não havia culpa no pai, qualquer sinal dela. Havia uma tentativa de justificar, o injustificável, como se ela fosse justa o suficiente para atenuar a dor 49 pais que dormiram sem seus filhos na noite do domingo.
Domingo à noite, antes que os pais dormissem sem eles, fui rezar e orar em dois Templos, de vertentes diferentes. Mas, ambos cristãos.
Em nenhum deles, houve espaço nas preces comunitárias de se solidarizar com aquelas 49 famílias, desgraçadas pela maior dor - a de pais que enterram seus filhos. o.
No Facebook, também não houve as usuais trocas de fotos, por fotos que expressem a solidariedade pela tragédia. Embora eu nunca troque, creio que seja forma de protesto válida, desde que quem as troque não o faça por modismo.
Nos telejornais, só dava o peru que o Brasil tomou, o dia dos namorados e a lava-jato.
A sociedade, nas suas mais institucionalizadas formas de expressão silenciou no domingo à noite.
Por que será? Será que foi uma forma de punição inconsciente, manifesta pelo silêncio, às opções sexuais dos frequentadores da boate?
Será?
Não. Não quero crer em tamanha maldade e indiferenças humanas.
Prefiro a teoria do banal, do ódio que "indiferençou" o agir, olhar e o sentir.
Que já não nos faz espantar, ou assombrar, diante da tragédia.
Que nos faz sonâmbulos cidadãos.
Eddie, obrigado por seu gesto tão belo, de mesmo atônito com tantas tiros, ter dito à sua mãe que a amava.
Obrigado por ter pedido ajuda pra ela.
Você fez cada mãe e pai que amam seus filhos se sentirem da tua família.
Homens e mulheres, de bom coração, justos e mansos de viver, ouviram teu pedido de socorro: "Chame eles mamãe".
E iremos te responder com uma revolução cultural, e pela força da educação e das redes sociais.
Cabe a nós, educarmos para a convivência. Educar para o coletivo, respeitar as pessoas em sua condição humana.
Cabe a nós repreendermos nossos filhos sempre que percebamos nos mesmos algum traço de preconceito, de ira, de falta de respeito em relação ao que ele considera diferente.
Não podemos nos calar. Não podemos deixar que de estupros coletivos à cachina de inocentes as coisas sejam tidas como não orantes, não problematizadas, e objeto de nossa empatia.
Não podemos!
Não podemos deixar aquela mãe sozinha. Temos que nos unir à sua dor, e a de tantos outros vítimas de guerras insanas, de migrações políticas, de ideologias excludentes e de toda forma de preconceito e desrespeito, a seja lá do que for: credo, cor, região, opção sexual, e etecetera e tal.
Não podemos deixar de pulsar protestos, a cada forma de degradação da vida e da dignidade humana.
Pulsemos!

Sábias desconstruções. (Autor Ricardim)


Quando chegamos ao trabalho percebemos que o vidro que dividia ambientes, entre as telefonistas e a sala de recepção, houvera se vidro estilhaçado.
A notícia se espalhou e curiosos vieram conferir o ocorrido.
O que acontecera após as 20hrs? Final do turno do 4. andar.
Muitos tocavam no vidro que, seguro por algo em seu interior, não caíra no chão.
Uns chegavam perto e diziam que foi a porta que bateu nele.
Outros, mais desconfiados, pensavam em sabotagem.
Alguns, da área jurídica, num tiro acidental.
Alguns, dos boêmios, uma rolha.
Enamorados, pensavam num encostão.
Místicos desvairados, no vento da morte, que nas casas do sertão entra quebrando os vidros.
Quanto a mim, defini o que aconteceu de uma forma prosaica. Foi um milagre!
Um milagre daqueles que nos traz bons presságios, sinais ou revelações positivas, e cheias de renovo.
O vidro não se quebrou. Trincou, mas manteve-se de pé e cumprindo seu papel de divisória, de forma mais bonita ainda.
Esse era o sinal. Nós trinca, mas num quebra, e ficamos mais forte ainda, a cada pancada.
Arranjei um banquinho e comecei a fazer foto do pessoal do andar, que vinham ver a bela estética de pano de fundo que o vidro estilhaçado proporcionou.
Uma verdadeira obra de arte moderna.
Chamei até o Presidente para posar, tendo-lhe ao fundo. .
Alguns "capa-pretas' que chegavam para reuniões de Comitês, ou Conselhos, admiravam-se do reticulado piramidal que originara-se da destruição interna do vidro.
Passando a mão, por ambas as faces do vidro, não havia nenhuma anormalidade. Nenhuma ranhura, desnível, furo ou caco de vidro saliente.
Quantas coisa em nossa vida foram assim?
Na hora em que aconteceram tudo era desconexo, depois passamos a ver a ordem no caos.
Lembro da saga de um amigo querido. Recentemente, ele descobriu que tinha um tumor na bexiga.
Com a notícia, difícil de digerir ele se desconstruiu. Aquebrantou-se em mil pedaços.
Pânico, medo, incertezas quanto ao diagnóstico, prognóstico, cirurgia e intervenções.
Mas, dia a dia, enfrentando seu tumor, que se revelara maligno, ele foi se refazendo como pessoa.
Se reconstruindo, se refazendo,nascia ali um novo homem.
Que, após o choque que lhe aquebrantou, humildemente aprendeu a resistir, a lutar, um dia de cada vez, se reestruturando, qual meu painel do milagre.
Tornando-se melhor e mais forte, a cada caco que recolhia, dele espalhado pelo chão de seu viver.
O trauma da notícia e a angústia do enfrentamento da doença produziram nele sequelas, mas não o destruíram emocionalmente.
Paradoxalmente, luta à luta, ele ficou mais forte ainda. Mais belo.
Qual meu painel estilhaçado.
Tantos outros que me leem, e eu próprio, nos reconstruímos, após grandes reveses da vida.
Seja um casamento precipitado por uma gravidez, seja a mudança de estado por motivo de trabalho, seja a dor do desamor de uma desilusão amorosa.
Quantos coisas quebraram nossa estrutura interior, nos alquebraram, e delas saímos mais belos?
Coisas, que aos olhos mais cruéis poderiam nos destruir, mas ao contrário, a partir delas nos reinventamos, não mais os mesmos, apenas melhores.
Todos os dias contemplo essa obra de arte, que poderia chamar-se "Esperança Resiliente".
Chego bem próximo e vejo os arranjos vitrais que se fizeram do emaranhado de cortes e sobrecortes entrecortados, de mil formas reticuladas e piramidais.
Será esse painel uma metáfora da vida que por ela vale a pena ser vivida.
Uma metáfora daquele sentido e coragem de sobreviventes.
Que representa pessoas que suportam as tensões do viver, podem até por fora aparentarem estarem estilhaçadas, mas, conhecendo-as mais de perto, veremos que - tal o painel de vidro, elas não estão com fendas, feridas abertas ou nada em sua extremidade que possam nos ferir.
Absorveram os choques da vida, tornado-se melhores, mais belas e sábias.
São como esse painel de vidro, que desafiou a força bruta que lhe agrediu, fazendo dela, e com ela, arte.
Penso, e creio firmemente, que nosso bom Deus pode ser essa força que nos dá sentido, que nos cola por dentro, quando tudo em nosso exterior desmorona.
Ele faz isso com a cola da misericórdia e a pressão do amor.
Ele não nos abandona. Lembram de Isaías 49,15?
"Ainda se tua mãe lhe abandonasse, não te abandonarei jamais."
O amor nos redime.
E, após os traumas da vida, Ele vai nos colando, soldando, caco a caco, numa outra composição. Gerando: da dor, alívio. Da morte, vida.
Se você se sente como quem está despedaçado, todo fragmentado, violentado em sua dignidade, orgulho e amor próprio.
Se sente-se desiludido, cansado e com vontade de desistir, ao não se ver mais no espelho como um dia foi.
Mire-se nessa foto. Veja a beleza que emana dos cristais, que se acomodaram e se adaptaram a um processo de sofrer pelos quais passaram, saindo mais fortes de tudo que lhes aconteceu.
Haverá coisas que viveremos que nos permitirão desconstruir-nos.
Aquebrantarmos. Alterar rotas, planos de ação, projetos e sonhos.
Digo-lhes, faz parte. Não desanime, mesmo ferido, dentro de voc~e tem uma força de superação que só quem já sobreviveu sentiu, eu já, e garanto-lhe amanhã será melhor.
E você ficará mais belo ainda, com tudo que aprendeu nessa sua reconstrução do ser.
É queridos, quando buscamos fortemente servir, no lugar de ser servido. Amar, no lugar de ser amado. Doar-se, no lugar de receber doação. Reconhecer, no lugar de ser reconhecido. Continuar, no lugar de desistir. Acreditar, no lugar de desconfiar. Perdoar, no lugar de ser perdoado, aprendemos a colar os cacos e recomeçar. .
Sendo presença de Deus por aqui, e fazendo nossa parte em colar os cacos de nosso existir, ajudando a colar os cacos do existir do outro, e dessa sociedade tão perversa em que vivemos.
Quem sabe não podemos ser milagre, qual minha definição do que ocorreu com o painel, para tantos despedaçados por aí, com os quais cruzarmos? Milagre de renovação, restauração, renovo e recomeço.

Em tudo dai graças.


Vinha voltando do almoço, por costumeiro caminho, no qual já me são familiar até as pedras à sua margem. De longe, notei algo de novo na área.
Uma senhorinha tomava banho de sol, sentada numa cadeira de rodas.
Comecei a avistá-la uns 10 metros antes.
E, a cada metro em que me aproximava, mais ficava petrificado com a beleza do que via.
Com as palmas abertas, olhos fechados, ela estava em conexão com as coisas do alto.
Estava religando-se à essência das coisas.
Parecia um daqueles quadros expressionistas.
Sua presença extravasava paz e Deus. Ou, a paz de Deus.
Perto dela, uma "cuidadora" entretida no celular. Se uma abelha pousasse na senhorinha, pouco ela veria para protegê-la.
Ela era tão magra, estava tão convalescente, que se um vento forte soprasse a levaria daquela cadeira.
Mas, sua postura era de uma altivez impactante.
Fui diminuindo os passos, unindo-me com ela em oração, quase com as palmas erguidas em ação de graças.
Chegando bem perto, ela ouviu meus passos e abriu os olhos.
Então, saudei-lhe com um boa tarde.
Ela fitou-me com olhos de ternura, de abraço de mãe, aqueles olhos de laranja mimo do céu.
Desconcertado, baixei a vista, diante de tanta luz que dela emanava e segui caminho.
Carreguei-lhe comigo até o trabalho.
Hoje, ao escrever-lhes, ela ainda está comigo.
Como deve ser preciosa a vida daquela senhora, que mesmo cadeirante, desceu os andares do seu prédio para louvar ao bom Deus, enquanto toma sol.
Será que a cuidadora percebeu que ali, pertinho dela, abria-se uma janela entre a realidade e o infinito, e Deus por ela adentrara?
Há quanto tempo não colocamos nossas palmas da mãos para cima, num rito de quem agradece?
Ela poderia estar tomando sol fazendo palavras cruzadas. Lendo bulas de remédio. Pitando. Fazendo crochê. Ouvindo música. No celular e suas viciantes redes sociais. Ou até, tentando conversar com sua distraída cuidadora, ou resmungando da doença que a imobiliza, da solidão ou dos familiares.
São algumas das maneiras de se ocupar o tempo, enquanto toma-se sol.
Contudo, no meu entender, ela escolheu a menos aparente e a mais difícil.
Ela conectou-se à rede sem fio de Deus, reforçando o sinal com um gesto de quem agradece - palmas para cima.
Como Deus deve ter ficado contente com aquele coração grato.
Que lição ela deu para os transeuntes que voltavam do almoço, ou para ele dirigiam-se e por ela passavam, entre eles, eu.
Ali, ao lado do caminho, bem na sua curva, um testemunho vivo, frágil, de rara beleza e de infinita grandeza sobre gratidão.
Por um lado, a humanidade caminha muito ansiosa, apressada, agressiva, desconfiada e amedrontada.
Por outro, orgulhosa, vaidosa, ambiciosa, individualista, consumista e preconceituosa.
No caminho do meio, ainda temos as senhorinhas que com seu exemplo de vida, nos ensinam a cultivar uma cultura de paz.
No caminho do meio, aprendemos a valorizar pequenas alegrias, a se permitir aos pequenos prazeres, a não esperar o quando para ser feliz, ou ficar ancorado no "se".
Ser feliz enquanto constrói-se o agora, e suas possibilidades.
Aprender a contabilizar e ser grato pelo que nós ainda temos, e não pelo que nos falta.
Sopra uma voz no meu coração, a vovozinha me ensina como faz ao louvar:
Faça assim, Ricardim:
"Senhor, eu sou grata por poder sair da cama numa cadeira de rodas, e ter um lugar lá embaixo onde o sol bate.
Nunca assim:
"Senhor, se eu pudesse andar seria tão grata, ou quando o sol bater no meu quarto. "
Percebem, na segunda construção, o uso dos aprisionadores condicionantes, "se" e "quando"?
Obrigado vovó por me ensinar a valorizar o tempo presente, com a graça do que se tem. De quatro rodas, e um sol a queimar nossas faces e nos fazer sentir vivos e esperançosos.
Obrigado vovozinha, por ter descido os andares e vim louvar no passeio, enquanto tomava sol.
Muito obrigado!

Cuidado com seus oráculos interiores e exteriores.


Paulinha entrou em minha sala preocupada.
"Ricardim, perdi a noite sonhando com vela, sentindo até o cheiro. Você, como psicólogo, me explique: será coisa ruim o que me acontecerá, tipo macumba?"
Soltei uma sonora gargalhada. Nunca fui muito bom em buscar relações de causa e efeito em sonhos.
E saí com um: "Paulinha, uma vela pode ser apenas uma vela."
Afinal, sonhos podem ser só sonhos.
Podendo ser apenas fantasias oníricas, como gostamos de dizer no meio psi. Sem nenhuma mensagem nele escondida. Só brincadeira de neurônios boêmios, andarilhos de madrugadas insones, vagando desconexos por avenidas neurais.
Sonhos, podem ser mais que sonhos, podem ser expressões de soluços do inconsciente, cultivados por desejos reprimidos, traumas engolidos e fragmentos históricos de memórias, em curtos-circuitos de sinapses neurais.
Quando ficamos muito encucados, buscando a todo custo explicações para um presságio, sinal ou sonho, na verdade, estamos querendo acessar alguma chave de entendimento de nosso ser, já ali presente, só precisando de uma deixa, de um motivo, para ser girada. O motivo-mote pode ser o sonho.
Assim acontece com tudo que é pressagio.
Quantas corujas cantam noite adentro, pelo alto de nossas residências, e no outro dia nada acontece?
Mas, se um dia ouvimos a coruja piar e alguém falece, logo estabelecemos a relação perversa e de silogismo duvidoso. Do tipo: Coruja cantou, alguém morreu.
Na mesma noite em que a coruja cantou, e no outro dia alguém faleceu, uma porta também bateu; faltou água; o vento soprou diferente; o copo quebrou; o telefone chamou uma vez e desligou...
Entendem?
Ficamos procurando sinais para justificar os acontecimentos da vida. Ou, para nos fornecer alguma visão de um futuro incerto. Desde às cavernas fazemos isso.
Por isso, costumo sorrir com o pessoal que passa o dia procurando presságios, sinais ou algo do tipo. Procuram-lhes para encaixá-los no que já estão sentindo, na maioria das vezes.
E o pior, deixam-se sugestionar ou influenciarem-se por essas mandingas, superstições e coisas a que atribuem serem maus presságios.
Vou exemplificar com a vela da Paulinha.
Ela associou a vela a um defunto. Mas, em aniversários acendemos velas também. Também acendemos, redentoras velas, para suprir a falta momentânea de energia em nossos lares.
Velas também podem sinalizar momentos de alegria, esperança, solidariedade, romance, ou registrar bons momentos, espiritualmente falando: batizados, crisma, páscoa e até procissões.
Existem também as explicações por metalinguagem. Ou seja, as velas podem nos remeter à uma jangada. Lembra da música Mucuripe? “As velas de Mucuripe estão saindo para pescar...”
Ou, quando uma irmã diz a outra, "deixa de segurar a vela".
Percebem?
Tudo depende do oráculo que explicará. Temos um oráculo interno, e, às vezes, como Paulinha fez, pedimos ajuda a oráculos externos.
Cuidado com ambos, ao tentar encontrar sentido em coisas tidas como presságios, avisos ou algo do tipo.
Cuidado para não cismar com explicações negativas e elas virarem profecias auto-realizadoras em teu viver.
Hoje, Dona Estela não veio trazer meu café. E, ao chegar tive dificuldade de abrir a porta, de fechadura biométrica.
Presságios ruins? Que nada!
Dona Estela esqueceu mesmo. E, o pão com queijo que comi mais cedo ensebou meu dedo, dificultando a leitura das digitais.
Nada que o uso de um guardanapo, e o levantar da bunda da cadeira não resolvam.
Mas, seu eu estivesse com a auto-estima baixa no trabalho, e com uma visão negativa e pessimista, pronto, meu oráculo interior distorcido poderia interpretar os sinais como profecias de que realmente as coisas não estão boas para meu lado.
Entendem?
Esse nosso oráculo interior, ou alguns deles em forma de pessoas que os influenciam, precisam funcionar em nós positiva-mente.
As coisas podem ser explicadas de forma positiva, nos impulsionando à vida. Ou, de forma negativa, nos diminuído em nosso potencial de acontecer.
Logo cedo, ao sair de casa, minha esposa me pede para dar “uma dura” em meu pai, para ele "não comprar coisas no mercado".
Para vocês entenderem, ele está hospedado conosco e ontem fez uma comprinha de padaria para nossa casa.
Ela, ao ver os pães, bolachas e sucos (presságios, sinais) sentiu-se constrangida, temendo ser percebida por eles como quem não provedora, ou boa anfitriã.
Percebem que o oráculo interior dela explicou os presságios, os sinais das compras, no pólo negativo.
A vozinha interior dela, aquela que a todo momento fica nos julgando, nos dizendo que não somos bons o bastante, logo apontou que aquilo era porque ela estava relaxando nas compras e a julgou, e com severidade.
Todos os dias podemos debater com essa vozinha e colocar em xeque nossa interpretação, as famosas crenças do ponto de vista psicológico, daquilo que sobre nós acontece.
Então provoquei-lhe dúvida em sua crença.
Disse-lhe que meu pai quis se sentir participante da dinâmica de nosso lar. E que, comprar o pão quentinho no final da tarde é um hábito que fazemos quando nos sentimos bem num determinado lugar.
É um mimo, um carinho, uma prova de que está se sentindo tão bem que trouxe algo para partilhar à mesa.
Percebem, amigos e amigas, como podemos remodelar nossas crenças interpretativas de algo, questionando-as com vários "será? será? será?"
Ante de criamos uma ideia, alicerçada sobre algo que nos ocorreu, e com os comportamentos dela derivados, que tal nos perguntarmos será mesmo que temos razão nessa interpretação?
Será que não existem outras possibilidades interpretativas?
Será que estamos certos mesmo? Não será nossa vozinha interior, cruel e exigente, que está nos dominando e distorcendo nosso olhar sobre nós mesmos, sobre os outros e a vida.
Questione suas interpretações negativas e pessimistas de suas vivências, de suas percepções.
Permita-se duvidar de sua segura forma de definir o acontecido. Permita-se novos olhares.
Caso contrário, passará o dia buscando justificações que justifiquem seu próprio julgar.
Dificultando a mudança e o crescimento, pela dúvida de nós mesmos, pelo nos colocar em xeque com nossas certezas sagradas.
Combater a forma como explicamos a vida de forma negativa é uma tarefa para sempre.
Finalizo com outro exemplo, para deixar mais claro para você o poder das interpretações negativas nos nossos comportamentos do viver.
Vejo muitos desabafos no Facebook do tipo: "Vou fazer uma limpeza no meu grupo de amigos, só deixando quem realmente comigo interage."
Esse é um tipo de interpretações enviesada pelo negativo. Vamos lá. Use a técnica do "Será" e duvide de você mesmo. Permita-se outras interpretações do que ocorre. Questione suas crenças sobre o acontecido, suas razões explicativas.
Siga o exemplo:
- Será que quem não me cumprimenta no aniversário, comenta, curte ou compartilha o que posto não é mais meu amigo?
- Será que ele pode está sem rede?
- Será que o micro dele pifou?
- Será que ele está de férias, ou viajando?
- Será que ele está trabalhando mais , e acessando menos o mundo digital?
- Será que ele está doente?
- Será que o estilo digital dele não é mais contemplativo?
- Será que ele não tem o estilo de voyeur digital?
- Será que ele não está dando um tempo, curando-se do vício digital?
Percebem? Será, será, será?
Paulinha retorna à sala.
Agora, não mais com a vela. Está chateada com o novo horário de trabalho fixado para ela.
"Estão querendo me prejudicar. Mudaram meu horário".
Novamente, olho para ela sorrindo, e digo-lhe: Será?

Cartas ao JG - Cuidado com Vampiros Emocionais.


Madrugada de sábado, pelas 6hrs, você entrou em nosso quarto procurando os bilhetes da rifa e ingressos da festa junina. Acordou efusivo. Era o dia de tua sonhada apresentação junina no colégio.
Zonzos e bocejantes, e sem acreditar que tu estavas acordado àquela hora, num sábado, tranquilizamos-lhe.
A festa só seria à noite.
Perto das 18hrs, posou para foto todo formoso, vestido e maquiado à caráter, como manda o figurino de festas juninas.
Tua mãe fez-lhe até bigode e barba, com lápis rímel.
Chegando ao teu colégio, corremos freneticamente para localizar o lugar da concentração de tua equipe de dança. Ufa, deu tempo. Eles estavam na arquibancada superior direita, e eram os próximos a entrarem no salão.
Você abriu um grande sorriso e disparou ao encontro deles.
Mas, não mais do que em um minuto, de teu riso fez-se o pranto.
E, tu chorava copiosamente. Sentado no degrau superior, enquanto teus amigos divertiam-se ao teu lado.
Tal jorro de lágrimas vertia de tua face, que pensei que alguém tinha pisado em tua mão, sem querer.
Antes fosse. Tua mãe chegou perto e me confidenciou que você dissera-lhe que um amigo houvera te ofendido. Pois, logo ao vê-lo chegar, disparou contra ti uma crítica ofensiva: “Como você está feio, parecendo um velho de barba”. E você – não esperando aquela provocação, desatou a chorar.
A partir daí, convencê-lo a não desistir e abandonar a dança, foi uma tarefa hercúlea.
Mais refeito do baque emocional, você entrou no salão.
Contudo, estava triste. Eu senti muito ao fitá-lo, pelas lentes de minha teleobjetiva, e ver seus olhinhos murchos, sem vida. Tal qual esses, registrados minutos antes da apresentação.
Você dançava, mas ali não estava você. Aquela crítica, em forma de xingamento, tirou tua graça. E ficara remoendo em tua cabeça, em torvelinhos, entre uma coreografia e outra.
Roubando-lhe vida.
Não sei quando lerá essa carta, só sei que pessoas como aquele sem noção, aquele vampiro emocional, vão continuar habitando nos lugares em que convive.
Não será possível mudá-los. Não mudamos ninguém. Sinto muito. Vampiros emocionais estão se propagando na velocidade da luz. Pessoas secas de amor, ressentidas e más.
Pessoas que não perderão a oportunidade de tentar te diminuir, de levantar calúnias, fofocas e maledicências estarão também perto de ti, seja em que ano leia essa carta. Infelizmente.
A única coisa que podemos fazer, quanto a isso, é mudarmos a nós mesmos. Se você não criar resistências, casca grossa, não sobreviverá. Infelizmente, volto a dizer.
A melhor casca grossa que desenvolvi, quando lido com pessoas dizendo que “estou muito feio”, é gostar de mim mesmo como sou, sem precisar sentir-me aceito por quem quer que seja.
Não gosto de meu barrigão de chope, mas não deixo ninguém me diminuir por tê-lo.
Nem deixo de caminhar na praia. Quando escuto um cabra dizer assim: “Ricardim, tu tá grávido é?”.
Digo-lhe: “E num é que estou. E de 6 meses. É menina, vai se chamar Stela Artois.”
Aí a pessoa fica sem jeito, esperando que eu fosse ficar incomodado. E a brincadeira perde a graça.
Se o cara nota que você se incomoda com algo, aí não soltará de seu pé. É só não se levar tão a sério, ou levar a sério o que o outro de nós fala.
Não podemos ser hipersensíveis nessa vida. Ser muito “não me toque”.
Aprenda a lição, para que não perca as danças de salão por ter se magoado com o outro.
Mais cedo ou mais tarde, e com alguma frequência, o outro vai te magoar, assim como você a ele.
Um dia li que relacionamentos são como construções, que vez por outra um tijolo cai lá de cima e espatifa tudo, machucando os pedreiros.
Aí tem que fazer curativos, cuidar, recuperar o estrago, passar a vassoura e continuar a obra.
Relacionamentos são assim, como obras em construção que exigem perdão e compaixão para vingarem.
Então, querido filho, quando alguém disser algo que te faça infeliz, cuidado para não amplificar isso com as lentes da emoção, potencializando a força do mal, satisfazendo teu agressor.
O agressor se alimenta do medo, ódio, ou tristeza que percebe estampados no rosto de sua vítima.
Desconsidere, aquilo que o outro disser de ti e que não seja verdade, e objeto de mudança.
Se dê valor. Não fique esperando, para ser feliz, que alguém diga que seu bigode e barba de caipiras estão bacanas.
Não espere demais dos outros. Crie um paraíso dentro de si, alimente-se dele.
Tem gente que se perde querendo agradar a todo mundo. Querendo ser o centro das atenções, objeto de admiração e exaltação.
Vaidade boba. Barganha de afetos doentia.
Ninguém é centro da atenção de nada. Ninguém perceberá se tua unha está grande, entrando num bar lotado. Se for o caso, bote a mão na calça, e divirta-se.
Seja autêntico com você e o espelho. Você é o que você é. Pare de se idealizar, ou de querer ser algo para atender a alguém, sem consistência.
De tanto querer ser o que o outro acha que devamos ser, podemos desaprender a ser nós mesmos.
Se garanta e pronto.
Outro dia, num almoço entre amigos, todos cinquentões, um deles quis tirar onda comigo.
Disse que leu sobre uma tal escala de avaliação do nível da masculinidade. Considerando o menor número (0) uma maior alta tendência feminina, o maior (10) a masculina.
Ele, morrendo de rir, entre uma garfada e outra, me deu nota 5.
Fiquei no centro da escala. E, com “viés de baixa”, segundo ele. rsrs
Agradeci a nota sorrindo. Afinal, tirar um 5 nessa escala, e após os 50, ainda é um notão.
E, ter os outros 5 de porção feminina foi um elogio e tanto, afinal é a minha melhor parte.
Entendeu como papai funciona? Não tenho nenhum temor em vir a ser objeto de gracejos sobre minha sexualidade.
Não estou disputando nenhum troféu de macho. E, e nem ando precisando manter imagem dessa natureza.
Então, não nos levemos tão a sério, e brinquemos também!
Percebe que dessa maneira tiramos a força?
Isso valerá para um bocado de coisas em teu viver. Onde você põe o foco, crescerá.
Se aprender a relativizar, a relaxar, a não querer defender uma imagem tua como se fosse sagrada, tu irá fluir melhor nos relacionamentos.
Tu foi quem perdeu parte da festa, e teus amigos nem aí, e se divertindo.
Assim é a vida. Cada vez que deixamos de aproveitar algo bom, por nos sentirmos ofendidos, machucados, tristes, será um algo a menos de bom aproveitado.
E, confesso-lhe, os “algo-bons” na vida não são tão frequentes.
Então, desapegue de tudo que projetarem em ti de mal.
Cultive sua auto-estima. Aprenda a gostar de você como é. Com sua altura, sotaque, cor da pele, profissão, cultura, credo e opção sexual e política.
Aprenda a repor o sangue extraído de ti por vampiros emocionais.
Goste-se. Como amar o próximo se não ama a si mesmo?
Afinal, não espere muito das pessoas, que elas venham até ti enxugar-lhe as lágrimas, ali na arquibancada da vida.
No limite, o enxugar, será entre você e Deus, só vocês.
Levante-se desse excesso de sentimentalismo, sensibilidade e chiliques de não-me-toques.
Pois, se não for você mesmo quem se der valor, indo dançar, e ainda sorridente, o amanhã já será Natal... e o São João já será passado.
Pense nisso, senão eles - os que te chamarão de feio, vencerão.

Eu Te Agradeço!


Sabes Senhor, eu tenho pedidos a Ti, sim. Mas, nessa manhã, não quis Lhe importunar, e, entre os motivos pra pedir, e os pra agradecer, aproveitei o momento para o segundo.
Tua rezadeiras foram pegas de surpresa, com um perfil de cliente diferente.
Mas, não fiz para me amostrar. Nem para tripudiar nos corações clementes que a Ti imploram.
Não Senhor, longe de mim.
Apenas, ando escolhendo agradecer, olhar para o que tenho e não para o que me faz falta, e colocar isso nas minhas preces.
Saí de Tua tenda e fui ao trabalho. Chegando lá, tinha em cima de minha mesa três romãs, colhidas e a mim doadas por dona Estela, nossa copeira. Era meu primeiro dia de umas micro-férias, e fui ao trabalho pegar uns documentos pessoais que esquecera.
Era ou não era, Senhor, para as romãs serem minhas? Agradeço.
Depois, fui passear com meus pais. Um tempos atrás pensaria que "gastar" 5 dias de férias para passear com meus pais era algo impensável, não cabia em minha agenda.
Agora, Senhor, é ou não é para agradecer?
Curti cada momento. Cada briga entre os dois, do tipo:
- A Torre digital deveria abrir durante a semana. (Papai)
- Não deveria. Os profissionais ficam cansados. (Mamãe)
E começa nova briga rsrs
E amanhã tem mais, e o fato de poder ter mais é ou não é motivo de ser grato?
Meio da tarde, papai tentava consertar o enésimo relógio de casa, e mamãe tentava arrumar a bagunça da área da churrasqueira. Fitava-lhes de relance, agradecendo aquelas cenas.
Fim de tarde meu filho Rodrigo revela que sua esposa fora demitida. A empresa quebrou e deu aviso prévio a todos. Ela foi pega de surpresa e o jovem casal atravessava sua primeira crise.
Mas, poder ser pai e sogro nessa hora, e acalmar corações aflitos é ou não é para agradecer, Senhor?
Estar em condições de ajudá-los a atravessar esse vale de lágrimas é ou não para agradecer, Senhor?
Quantos filhos não ligam mais para seus pais durante as crises que atravessam! E, quantos pais, embora queiram, não podem ajudar.
Final de tarde abro meu email. Sou convidado para disciplina nova. Senhor, deixa eu Te explicar, disciplinas novas não brotam em pós-graduações. A rotatividade é mínima. O plantel é montado e fica o mesmo, por décadas. É ou não para agradecer, após dez anos com duas disciplinas, ser convidado para uma terceira? Logo quando precisarei ajudar mais a meu filho, que enfrentará uma redução de renda familiar, não planejada.
É ou não é para agradecer?
Tomo banho e vou para o carro, seguir para o turno da noite, hoje dou aulas. Tem água e tá boa, e tenho tesão por lecionar, é ou não é motivo para agradecer, Senhor?
Vejo que vem chegando Cristina e JG do trabalho e aula, respectivamente.
Cristina me pergunta se eu lembrei de comprar o pão. Eu lembrei. É ou não é para agradecer Senhor? Lembrar dos mandados da mulher.
JG quer ir comigo para a faculdade. É ou não é motivo para agradecer Senhor?
Sigo pra aula da segunda. O céu está pintado de rosa, vejo um bando de pássaros voltando pra casa, em V. Uma paz invade meu ser. Agradeço.
Entro em rua errada, tome engarrafamento, saí com 90 minutos de antecedência, agradeço.
Ainda dá tempo de comer um sanduba, eu agradeço. E tava bom.
Turma chegou em massa, participação massa. Eu agradeço.
Volto da aula agora, é meia noite. A aula foi maravilhosa. Era aula-magna, na qual autorizo meus alunos a chamarem convidados. Um dos convidados, sensibiliza-se com a proposta da psicologia positiva, narrada na palestra Florescer. E me diz que tem uma agenda de programação cultural em Brasília e que vai divulgar meus livros e blog.
É, ou não é, para agradecer, Senhor? Escuto a calma em meu lar.
Hoje conseguirei dormir, minha dor de pedras nos rins cessou, e a afta melhorou quando engulo. É ou não é para agradecer?
Escuto a sinfonia do silêncio. Dormem papai, mamãe, Cristina, JG e Balu, é ou não é para agradecer Senhor?

Enquanto observo.




Sabe papai, aqueles teus olhos tristes no domingo, enquanto almoçávamos, não me saem da cabeça e quis conversar contigo.
Nem de JG tu me chamou. Ouvi um "João Gabriel, deixe de ser bicho do mato."
Papai, vou fazer sete anos e ainda não me sinto muito à vontade de me aproximar de outras crianças e com elas brincar. Você vê e fica bravo, e me chama de tímido seletivo. Não sei bem o que é isso.
Sei que tu quando pegas em minha mão e me leva para conhecê-las quer me ajudar. Fico com mais medo ainda.
Domingo passado vi que escolheu uma mesa próximo do parquinho. Vi você me olhando, torcendo para que eu saísse do banco e me aproximasse dos meninos, e eu só fiquei ali penando.
Vou, ou não vou? E se eu não souber o que eles estão brincando? E se não for aceito? E se eles não quiserem brincar comigo?
Essa cena da foto foi na mesa, enquanto tu desistia de mim e seguia para outra, mais bem longe do parquinho, e próxima do grupo que tocava.
Tu deve ter pensando: "Por que vou abrir mão da música, que toca perto daquelas mesas dali, se nas daqui, próximo ao parquinho, o meu filho não aproveita e vai brincar nele?". Pensou ou não pensou?
Eu fico pensando essas coisas, quando o grupo é estranho. E vejo você aflito. Querendo me ajudar, integrando-me às outras crianças.
Mas, talvez papai, eu seja assim mesmo, um pouco tímido nos primeiros contatos, depois me solto.
Se eu for assim você ainda irá gostar de mim?
Se eu não for como seus outros filhos, que chegam logo e vão fazendo amizade, ainda assim você não ficará bravo comigo?
Sabe papai têm horas que gosto de brincar sozinho mesmo, de correr, subir em árvore, de sair com um pedaço de pau batendo no chão.
Mas, estou crescendo. Peço que não me apresse.
Sei de teu amor, cuidado e proteção. Sei que queres agilizar as coisas. Mas, só fico mais atrapalhado e me sentindo mais estranho ainda com teu agir.
Sou assim, vou devagarinho. Tateando o ambiente, fico olhando pelos cantos, querendo entrar nos grupos.
Depois, me solto. Tenho amigos, não se preocupe. E sei brincar com eles.
Só não me apresse a ser o que acha que devo ser. Tenho meu ritmo, e posso até não vir a ser o que quer que eu seja, mesmo assim gostaria de ser amado, sem causar em você estranheza.
Não quero estragar mais seus almoços. Portanto, fique comigo na mesa, enquanto de lá eu olho as crianças brincarem.
Não me apresse. Eu posso não ser ainda o que espera de mim, em termos de desenvolvimento infantil, mas estou crescendo. Cada dia descubro coisas novas.
E eu voarei. Confie e deixe de aperreio. Essa sua ansiedade de eu me enturmar só agrava as coisas.
Penso que pais precisam respeitas as diferenças de personalidade entre seus filhos, eles não são iguais. Não é papai?
Faça como fez hoje coma vovó. Que anda se perdendo quando está passeando. Ela se esquece os caminhos de já onde veio, por não fixar mais e não lembrar por onde já passou.
Lembra o que fez hoje? Lembra que foi seguindo-a de longe, pois ela insistia em querer andar na Feira dos Importados sozinha, dizendo-lhe que você a apressava nas compras?
Lembra?
Siga-me de longe papai. Eu vou desenvolver, me ajustar e adaptar ao crescer. Não me sufoque.
Faça como fez com a vovó. Melhor ainda, lembra que você mudou a estratégia e deixou de segui-la, simplesmente ensinando-lhe como chegar sozinha onde você estaria?
- "Quando quiser me achar mamãe, pergunte como faz pra chegar no Portão 4, ao lado no Restaurante Oriental."
Lembra que ela chegou lá?
Só me ensine os caminhos papai, mas confie que vou me esforçar para trilhar por eles. Me espere lá na frente que chego, mas quero chegar por meus próprios pés, pleo meu próprio caminhar, não me carregue nos braços sempre, fará mal ao meu desenvolver. Faça como fez com a vovó, que ao lhe encontrar ficou toda orgulhosa.
Só me eduque para os objetivos da vida, mas deixe que eu mesmo faça minhas próprias rotas até eles. Como com a vovó.
Não te decepcionarei, poderei ser diferente do que planejou, mas, ainda assim, terás orgulho do que vim a me tornar ser.
E, valorize aquilo que sou e o que vou me tornando ao longo da rota. Não queira imprimir você em mim. Mesmo que por amor.
Aí, não serei eu no futuro quem caminhará sozinho, precisarei sempre de você - abrindo veredas, ou levando-me até os novos amigos, e me tornarei inseguro ao caminhar.
Desculpe pelo almoço que ficou bravo. No próximo, juntos poderemos brincar na mesa, enquanto encontro meu ritmo de me aproximar dos outros ao lado. Não apresse meu rio do desenvolver. Acredite papai, mesmo que fique bravo comigo, ele está fazendo seu papel e vai correndo e crescendo dia a dia.
Pode não ser no teu ritmo, mas é no ritmo que dou conta. Então, relaxe e curta a travessia comigo.

Aromatizador


Gosto de aprender com a história, e o que aprendo compartilho. Esse aprender foi extraído do livro: O Poder do Hábito, de Charles Duhigg. Trata-se da história de uma descoberta que creio todos temos em casa, pelo menos um exemplar dela. 
É a molécula química chamada hidroxipropil-beta-ciclodextrina, ou, para os íntimos: HPBCD.
Era idos de 1993 e um químico da Procter & Gamble fazia experiências com a HPBCD. Passou o dia mexendo nela.
E de todas as formas. Em spray, dissolvida em água, como solvente, misturada a outros produtos. Ele estudava seu poder de limpeza.
Esse químico fumava bastante, e naquela tarde fumou mais ainda.
Era rotina, quando ele chegava em casa, vindo direto do laboratório, a sua esposa colocar imediatamente suas roupas para serem lavadas, tal o odor de cigarro nelas impregnado.
Naquela noite ela perguntou-lhe, com uma certa desconfiança, onde ele trabalhou o dia todo, já que não havia cheiro algum de nicotina.
Ele respondeu-lhe como cientista, "trabalhei no laboratório", processando mil equações na sua cabeça sobre o que tinha ocorrido com o fétido cheiro de cigarro expelido.
Pensou, será?
No outro dia, mal dormindo na noite anterior, correu de volta ao laboratório e testou sua última fórmula, aquela em spray, nas suas roupas, já bastante fumadas desde que ele acordou.
Bingo. Não havia mal cheiro algum. A HPBCD se plugava nas moléculas de cheiro ruim e anulava seus efeitos.
Após vários testes com outros odores vomitantes, e comprovando que não ficava cheiro ruim sequer, a P&G investiu pesado na multiplicação daquela molécula comercialmente, e, três anos depois, lançou com estardalhaço um novo produto de limpeza de ambientes, investido perto de 300 milhões - da produção à comercialização, inclusive marketing.
Deu-lhe o nome de Febreze.
O foco da propaganda era pessoas que criavam gatos, cachorros, fumantes, esportistas e chuleizentos de toda categoria.
O lema era: Febreze tira o cheiro ruim de eu lar.
Não precisa nem dizer que foi o maior fiasco comercial da P&G.
Não precisa nem dizer que foi o maior fiasco comercial d depois esquecia de aspergir o produto, pois quem cria cheiro ruim em casa acaba por se acostumar com ele. E não se motivava a tirá-lo, já é de casa.
Em 1998 a P&B chamou alguns especialistas em comportamento humano e marketing para identificar o porque da resistência, ou do "abandono do tratamento" pelos que ainda compravam.
E aí ela descobriu uma coisa linda, que o ser humano não se mobiliza pelo ruim.
Ninguém quer assumir que a casa fede.
Mas, se alguém nos diz que aquele produto "é como uma brisa de ar fresco, eliminando odores desagradáveis e deixando no ambiente uma fragrância de frescor e limpeza", opa, aí a coisa muda de figura.
O foco das campanhas de relançamento do produto em 1998, saiu de: "tirar o odor ruim", para, "purificar seu ar, após a limpeza".
Limpeza era uma coisa que todo mundo fazia, então logo criou-se um novo hábito: após a vassoura, esfregão e rodo, algumas baforadas de "bom-ar" para fechar o processo com chave de ouro.
E aí o produto deu um resultado positivo, ao final de dois anos de relançamento, de um bilhão de dólares.
O produto era o mesmo: a mesma hidroxipropil-beta-ciclodextrina.
Só mudou a forma de posicionar seus resultados. Para além de retirar o odor fedorento, ele foi posicionado como purificador de ambientes. Quem não quer um ar mais fresco e de qualidade?
A primeira abordagem enfatizou o negativo: eliminador de mau cheiro.
Na segunda, enfatizou-se o positivo: renovador de bom ar.
Uauuu!!!
Vejo líderes religiosos, e seus agentes cartoriais pregando a fé como a primeira abordagem. Pelo dogma, pelos ritos mofados, com forte ênfase no pecado, no capeta, no que não pode, num Deus tirano e castigador. Amedrontando todos. Igrejas vazias.
Vejo outros líderes religiosos pregando a fé como a segunda abordagem. Pelo o amor de Deus, pela sua misericórdia, perdão, graça e mística da caminhada. Igrejas cheias.
Vejo gerentes falando do trabalho para suas equipes como a primeira abordagem do Febreze, destacando os aspectos negativos. Se não cumprir a meta; olha a avaliação; se não fizer isso, ou aquilo... Equipes mornas, no piloto automático, com medo e desconfiança.
Vejo gerentes falando do trabalho para suas equipes como a segunda abordagem do Febreze. Destacando o sentido dele para a qualidade dos negócios, para a sociedade e competitividade empresarial. Equipes motivadas, comprometidas e inovadoras.
Penso que esse ensinamento vale para todo tipo de relação: afetivas, profissionais, religiosas, educacionais...
Sempre podemos trocar o "tira o mau cheiro"; pelo: "purifica o ambiente".
Educar pela força do amor, educar pelos valores, educar pelo bom exemplo.
Na primeira abordagem os resultados são sofriveis.
Na segunda, os resultados crescem exponencialmente, dia após dia. São consistentes.
Quanto ensinamento na molécula de HPBCD.
Quando focamos no que sobra, a falta vai perdendo espaço e diminuindo. O bom ar suscita mudanças, cultiva novos tempos e libera renovações. Sejamos um bom ar para os que conosco cruzarem o caminho. Nunca, apenas, um desorizador de ambientes. É muito pouco.
O que o amor nos faz, quando nos toca, é muito mais que isso: tirar nosso mau cheiro emocional.
Na verdade, isso é dos menos importantes dos seus efeitos.
Os de mais relevância são os de passarmos a ser aromatizadores emocionais de ambientes e pessoas, o de nos mobilizar ao resgate de um estilo de vida com maior bem-estar, o de restaurar nossos espaços de qualidade da vida, e o de renovar sonhos, tais quais aqueles que temos quando sentimos na face o frescor de manhãs primaveris. O amor é nosso bom ar, nossa HPBCD.

Crônicas Anteriores