Uma folha de papel, um lápis e a intenção de amar.




Numa noite de sexta, cheguei ao Shopping ID um pouco antes de iniciar a aula de Gestão de Pessoas, no IBMEC. 
Aproveitei uns minutos que ainda tinha e fui zanzar numa loja de material de escritório e papelaria, daquelas que têm de tudo um pouco.
Entre uma gôndola e outra, deparo-me com pranchetas de madeira, a um preço convidativo de R$ 3,00. Comprei uma delas e segui pra lecionar.

As aulas sempre começam com um grupo de alunos apresentando, de forma criativa, um de meus textos, previamente selecionado para eles, como quem prescreve colírios para a alma.

Gosto de dizer-lhes que hoje me considero muito mais um “oftalmologista” do que um professor.
Então, uma de minhas missões como educador, consiste em pingar colírios – solventes de remelas da alma, incrustadas nas meninas dos olhos do viver de meus alunos, e nas minhas.

Isso acontece quuando provoco-lhes a novos perceberes, olhares, perspectivas do sentir e outras dimensões do agir.

Mas, naquela noite, foram eles quem pingaram colírios em meus olhos. Pegaram-me de jeito.

Tudo aconteceu quando um grupo apresentou uma visão crítica e criativa do texto Fruto e Flor, disponível em:

http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/2015/11/fruto-e-flor.html

Durante a apresentação, de rara beleza, não me contive em lágrimas.

Eles criaram uma meta-leitura do texto, ao desenvolverem um vídeo com relatos de crianças sobre como faziam para consolar seus amiguinhos(as), ao perceberem que eles(as) estavam tristonho(as).

Um vídeo digno de um documentário sobre Solidariedade.

Agradeci ao bom Deus as gotas de colírios orvalhantes que dissolveram remelas de minha alma.

Depois do vídeo, o grupo nos deu uma folha em branco e pediu-nos para ir escrevendo uma carta lentamente. A ideia era que, slide a slide, fossemos dirigidos na estrutura e produção do texto.

E, não seria qualquer texto.

Pensei: ainda bem que comprei a prancheta, fica melhor para escrever a carta.

A proposta de carta tinha esse formato:

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Querido(a) / Caro / Prezado (a) (nome)

Primeiramente, gostaria que soubesse a importância que você tem em minha vida. (Escrever uma frase a respeito disso)

Estou escrevendo esta carta porque sei que atualmente você precisa de ajuda.

Ou: Sei que hoje em dia você está passando por alguns problemas. (Escreva em 3 linhas, no máximo, sobre o problema que essa pessoa está passando).

Gostaria que soubesse... (diga a essa pessoa como você se importa com ela e pelo seu problema. E, se possível, como gostaria de ajuda-la. Máximo 5 linhas)

d. (Faça uma despedida carinhosa e assine).
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A partir daí, a emoção tomou conta da turma. Cada um ia se lembrando de uma pessoa que precisava receber aquela carta de apoio, inspirados pelo bonito áudio que servia de fundo musical: o Tema de Cinema Paradiso.
Ali e acolá ouvia-se uma fungada discreta.

Engraçado como podemos ser benção para alguém, ousando encher de amor uma simples página de papel em branco.

Escrevi para um amigo que luta contra o vício de beber, no intervalo do almoço. Pedi que ele resista um dia de cada vez, e que em cada dia vencido que ele bote uma folha embaixo de minha porta. E que, no dia em que não colocar, que venha conversar comigo amistosamente, sem culpas, só para que eu possa animá-lo a tentar novamente.

Fiquei tão agradecido pelo que vivi que decidi compartilhar com vocês.

Todos temos essa prancheta e uma folha de papel em branco, que são oportunidades que a vida nos dá, agora no presente, para pitarmos uma nova história, para nós mesmos e para os outros que nos rodeiam.

Viver é precioso. E é como colorir um álbum de figuras, todos os dias.

Só que tem quer ter intencionalidade. Tem que se lembrar que se estar vivo, vez por outra.

Viver e estar presente, conectado ao que acontece e permitir-se à dor e delícia do vir-a-ser.

Quem fica sempre com uma perna presa no passado e a outra no futuro, acaba tendo que mijar no presente. Desculpem a metáfora pesada. Mas, espero que tenha entendido.

Acaba por viver como sonâmbulo, sem se dar conta do quanto podemos escrever coisas novas, ou renovar velhas coisas, com outras tintas e tons de nosso viver.

Todos os dias recebemos essa prancheta e essa folha em branco, e alguns lápis, para preencher momentos bons, belos e virtuosos em nosso viver. A dar sentido ao cotidiano.

Todos os dias recebemos a bênção de viver mais um dia. De degustar momentos, de possibilitar encontros, de refazer trajetórias, de contemplar o rotineiro, com olhos de encantamentos e de assombro.

Hoje, voltando do café, por entre as vielas de acesso ao meu prédio, flagrei sabiás e pardais tomando banho no gramado, aproveitando o vapor de água que jorrava de aspersores de jardim.

Mais à frente, vi um outro, posicionado em frente ao aspersor, que pela sua experiência deveria saber que logo-logo seria ligado, e o banho estaria garantido.

Pintei minha folha de 06/06/2016 com esses pássaros e seus banhos. Perto das 18hrs subi à laje do 5 andar e fotografei o sol indo dormir.

Também posso registrar a reação bacana e lacrimada de meu amigo, ao receber a carta da folha, a que fiz durante a aula de sexta à noite.

Mais algo para minha folha.

Mas, ainda tem tanta coisa que posso nela pintá-la, no dia de hoje que ainda resta para acabar, desde que eu esteja atento e presente à maravilha do que é estar vivo.

Posso pintar algumas cenas de perdão. Outras de amor. Outras de cuidado. Posso pintar uma ajuda a um amigo necessitado.
Posso pintar o pôr do sol, de cima da laje do 5 andar. Posso pintar a dica dos livros de história de Eduardo Bueno. Posso pintar o projeto de trabalho que avançou umas casas.

Posso pintar as conchinhas de praia, para o aniversário do JG que será do Bob-Esponja, que consegui comprar, pasmem, no Mercado Livre.

Ter a consciência de que todas as manhãs nosso bom Pai nos dá, todos os dias, desde que nascemos, uma folha em branca para colorirmos – minuto a minuto, é uma das coisas mais transformadoras para o crescimento do ser.

É a consciência da finitude do tempo, e, paradoxalmente, da arte de eternizá-lo em instantes de contemplação, de prestar atenção ao lado bom da vida.

De aprender a cultivá-los, e até provoca-los, movendo o destino favoravelmente, com o nosso agir positivo no agora.

Na próxima aula, vou dar de presente a cada aluno uma prancheta, e uma folha em branco. Talvez seja o ensinamento mais importante que deixarei com eles, o de reaprenderem a escrever suas histórias, e a registrarem seus bons momentos, prestando atenção ao que ocorre no presente de seu viver.

A consciência de cada dia de ser uma folha em branco. E da autonomia e protagonismos que só a liberdade de seres de consciência espiritual, pode motivar a nela anotarem suas bênçãos.

A mesma que nos leva a sair da posição de expectador da vida, para a de criador de possibilidades na vida. De esperar respostas, para a de oferecer alternativas.

Pois, é no dia de amanhã que o que fizemos com o de hoje, se impregnará em cada célula de nosso ser, configurando-lhe sentido.

E, será de cotidianas ações: justas, boas, mansas e gratas que essa história, quando nela nos olharmos – qual a um espelho distante, que emergirá uma vida repleta de experiências significativas, tão simples e belas, como parar para contemplar um banho de pardais e sabiás, num gramado qualquer – em meio ao burburinho da cidade grande.

Obrigado queridos alunos(as) pelo aprendizado que ora compartilho. Somos folha brancas na mão do Criador, não temos o direito de perder nossa vida em rabiscos desconexos, borrões ou papeis amassados de sonhos desistentes.

Vá logo comprar sua prancheta e todos os dias olhe para sua folha em branco, escolhendo o que de legal que registrar nela. Esteja atento. Coisas boas acontecem em todo lugar.

Esteja presente, talvez algumas delas sejam criadas pelo seu próprio agir no mundo, então faça pequenos milagres do bem, depois registro-os na sua folha.
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Deixo-vos nesse texto com um dos diálogos do vídeo caseiro:

O que você faz quando um amigo, ou amiga, está triste? (Alunos)

- Eu fico junto com ele, ofereço meu lanche e conto uma coisa alegre. ( Maria, 9 anos)

Quem sabe seja essa a fórmula secreta do sentido da vida.

Quando alguém sofrer, ofereçamos nosso ombro. ("Fico junto com ele");

Quando alguém estiver passando necessidade, sejamos doação. (“Ofereço meu lanche”)

Quando alguém estiver desamparado, projetemos nele nossa boas emoções. (“conto uma coisa alegre”).

Serão essas atitudes da Maria os lápis de cores, com os quais registraremos os melhores momentos de nosso viver, não tenho dúvida.

Obs: Se você leu até aqui é porque uma carta espera para ser escrita por você. Alguém em teu viver estará sendo tocado por teu amor, na intencionalidade do gesto que fará. Bora lá. Alguém precisa receber teu apoio. Siga a estrutura da carta, proposta pelos meus alunos. Fará bem a quem receber. Acredite.

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