Cuidado com seus oráculos interiores e exteriores.


Paulinha entrou em minha sala preocupada.
"Ricardim, perdi a noite sonhando com vela, sentindo até o cheiro. Você, como psicólogo, me explique: será coisa ruim o que me acontecerá, tipo macumba?"
Soltei uma sonora gargalhada. Nunca fui muito bom em buscar relações de causa e efeito em sonhos.
E saí com um: "Paulinha, uma vela pode ser apenas uma vela."
Afinal, sonhos podem ser só sonhos.
Podendo ser apenas fantasias oníricas, como gostamos de dizer no meio psi. Sem nenhuma mensagem nele escondida. Só brincadeira de neurônios boêmios, andarilhos de madrugadas insones, vagando desconexos por avenidas neurais.
Sonhos, podem ser mais que sonhos, podem ser expressões de soluços do inconsciente, cultivados por desejos reprimidos, traumas engolidos e fragmentos históricos de memórias, em curtos-circuitos de sinapses neurais.
Quando ficamos muito encucados, buscando a todo custo explicações para um presságio, sinal ou sonho, na verdade, estamos querendo acessar alguma chave de entendimento de nosso ser, já ali presente, só precisando de uma deixa, de um motivo, para ser girada. O motivo-mote pode ser o sonho.
Assim acontece com tudo que é pressagio.
Quantas corujas cantam noite adentro, pelo alto de nossas residências, e no outro dia nada acontece?
Mas, se um dia ouvimos a coruja piar e alguém falece, logo estabelecemos a relação perversa e de silogismo duvidoso. Do tipo: Coruja cantou, alguém morreu.
Na mesma noite em que a coruja cantou, e no outro dia alguém faleceu, uma porta também bateu; faltou água; o vento soprou diferente; o copo quebrou; o telefone chamou uma vez e desligou...
Entendem?
Ficamos procurando sinais para justificar os acontecimentos da vida. Ou, para nos fornecer alguma visão de um futuro incerto. Desde às cavernas fazemos isso.
Por isso, costumo sorrir com o pessoal que passa o dia procurando presságios, sinais ou algo do tipo. Procuram-lhes para encaixá-los no que já estão sentindo, na maioria das vezes.
E o pior, deixam-se sugestionar ou influenciarem-se por essas mandingas, superstições e coisas a que atribuem serem maus presságios.
Vou exemplificar com a vela da Paulinha.
Ela associou a vela a um defunto. Mas, em aniversários acendemos velas também. Também acendemos, redentoras velas, para suprir a falta momentânea de energia em nossos lares.
Velas também podem sinalizar momentos de alegria, esperança, solidariedade, romance, ou registrar bons momentos, espiritualmente falando: batizados, crisma, páscoa e até procissões.
Existem também as explicações por metalinguagem. Ou seja, as velas podem nos remeter à uma jangada. Lembra da música Mucuripe? “As velas de Mucuripe estão saindo para pescar...”
Ou, quando uma irmã diz a outra, "deixa de segurar a vela".
Percebem?
Tudo depende do oráculo que explicará. Temos um oráculo interno, e, às vezes, como Paulinha fez, pedimos ajuda a oráculos externos.
Cuidado com ambos, ao tentar encontrar sentido em coisas tidas como presságios, avisos ou algo do tipo.
Cuidado para não cismar com explicações negativas e elas virarem profecias auto-realizadoras em teu viver.
Hoje, Dona Estela não veio trazer meu café. E, ao chegar tive dificuldade de abrir a porta, de fechadura biométrica.
Presságios ruins? Que nada!
Dona Estela esqueceu mesmo. E, o pão com queijo que comi mais cedo ensebou meu dedo, dificultando a leitura das digitais.
Nada que o uso de um guardanapo, e o levantar da bunda da cadeira não resolvam.
Mas, seu eu estivesse com a auto-estima baixa no trabalho, e com uma visão negativa e pessimista, pronto, meu oráculo interior distorcido poderia interpretar os sinais como profecias de que realmente as coisas não estão boas para meu lado.
Entendem?
Esse nosso oráculo interior, ou alguns deles em forma de pessoas que os influenciam, precisam funcionar em nós positiva-mente.
As coisas podem ser explicadas de forma positiva, nos impulsionando à vida. Ou, de forma negativa, nos diminuído em nosso potencial de acontecer.
Logo cedo, ao sair de casa, minha esposa me pede para dar “uma dura” em meu pai, para ele "não comprar coisas no mercado".
Para vocês entenderem, ele está hospedado conosco e ontem fez uma comprinha de padaria para nossa casa.
Ela, ao ver os pães, bolachas e sucos (presságios, sinais) sentiu-se constrangida, temendo ser percebida por eles como quem não provedora, ou boa anfitriã.
Percebem que o oráculo interior dela explicou os presságios, os sinais das compras, no pólo negativo.
A vozinha interior dela, aquela que a todo momento fica nos julgando, nos dizendo que não somos bons o bastante, logo apontou que aquilo era porque ela estava relaxando nas compras e a julgou, e com severidade.
Todos os dias podemos debater com essa vozinha e colocar em xeque nossa interpretação, as famosas crenças do ponto de vista psicológico, daquilo que sobre nós acontece.
Então provoquei-lhe dúvida em sua crença.
Disse-lhe que meu pai quis se sentir participante da dinâmica de nosso lar. E que, comprar o pão quentinho no final da tarde é um hábito que fazemos quando nos sentimos bem num determinado lugar.
É um mimo, um carinho, uma prova de que está se sentindo tão bem que trouxe algo para partilhar à mesa.
Percebem, amigos e amigas, como podemos remodelar nossas crenças interpretativas de algo, questionando-as com vários "será? será? será?"
Ante de criamos uma ideia, alicerçada sobre algo que nos ocorreu, e com os comportamentos dela derivados, que tal nos perguntarmos será mesmo que temos razão nessa interpretação?
Será que não existem outras possibilidades interpretativas?
Será que estamos certos mesmo? Não será nossa vozinha interior, cruel e exigente, que está nos dominando e distorcendo nosso olhar sobre nós mesmos, sobre os outros e a vida.
Questione suas interpretações negativas e pessimistas de suas vivências, de suas percepções.
Permita-se duvidar de sua segura forma de definir o acontecido. Permita-se novos olhares.
Caso contrário, passará o dia buscando justificações que justifiquem seu próprio julgar.
Dificultando a mudança e o crescimento, pela dúvida de nós mesmos, pelo nos colocar em xeque com nossas certezas sagradas.
Combater a forma como explicamos a vida de forma negativa é uma tarefa para sempre.
Finalizo com outro exemplo, para deixar mais claro para você o poder das interpretações negativas nos nossos comportamentos do viver.
Vejo muitos desabafos no Facebook do tipo: "Vou fazer uma limpeza no meu grupo de amigos, só deixando quem realmente comigo interage."
Esse é um tipo de interpretações enviesada pelo negativo. Vamos lá. Use a técnica do "Será" e duvide de você mesmo. Permita-se outras interpretações do que ocorre. Questione suas crenças sobre o acontecido, suas razões explicativas.
Siga o exemplo:
- Será que quem não me cumprimenta no aniversário, comenta, curte ou compartilha o que posto não é mais meu amigo?
- Será que ele pode está sem rede?
- Será que o micro dele pifou?
- Será que ele está de férias, ou viajando?
- Será que ele está trabalhando mais , e acessando menos o mundo digital?
- Será que ele está doente?
- Será que o estilo digital dele não é mais contemplativo?
- Será que ele não tem o estilo de voyeur digital?
- Será que ele não está dando um tempo, curando-se do vício digital?
Percebem? Será, será, será?
Paulinha retorna à sala.
Agora, não mais com a vela. Está chateada com o novo horário de trabalho fixado para ela.
"Estão querendo me prejudicar. Mudaram meu horário".
Novamente, olho para ela sorrindo, e digo-lhe: Será?

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