Abra o cofre de teu viver ao simples! (Autor Ricardo de Faria Barros)

Era uma manhã de domingo, e o dia prometia uns bons passeios na cidade de Vermilion, em Alberta no Canadá. Naquele dia, um turista resolveu visitar o museu da cidade, no qual havia um velho cofre, fechado há 40 anos.
Ocorre que o cofre pertencia a um luxuoso hotel da região, e o único funcionário que sabia o segredo de abri-lo faleceu, subitamente, sem compartilhar esta informação.
Então, o cofre, junto com o mobiliário antigo do hotel, passou a integrar o acervo do museu. E, todos que o visitavam faziam fila par tentar abri-lo. O que se tornou uma atração à parte daquele museu.
Um cofre daquele modelo possui um mecanismo que geralmente pode ter até de 2 a 6 combinações numéricas de giros à direita e à esquerda. O que, na melhor das hipóteses, fornece uma probabilidade de 1 em 8.000 tentativas.
E, aquele turista acidental foi o predestinado da vez. Ele aproximou-se do cofre, entrou na fila dos que tentavam abri-lo, e, com uma combinação surreal de tão simples: 3 – 2 – 1 (três direita, 2 esquerda, 1 direita), ouviu o estalo do mecanismo se abrindo.
Todos ficaram espantados com o feito, e o assunto virou matéria do jornal local.
Dentro do cofre, havia uma “caderneta de fiado”, com as comandas dos pedidos dos hóspedes feito ao restaurante, para anotar em seus apartamentos, e um contracheque de um dos funcionários do hotel.

A reportagem disse que não havia tesouro algum naqueles documentos, o que eu discordo.
Creio que há belas mensagens na solução deste enigma.

A primeira delas diz respeito à simplicidade, ao retorno às coisas mais puras, serenas e amorosas. Tem algo melhor que conversar na calçada? Ou receber amigos em casa? Ou caminhar pela beira mar? Ou sentir a Brisa Aracati te abraçando e arejando, numa sufocante manhã?

Tem algo melhor que ninar um filho? Ou cuidar de uma pessoa? Ou regar uma planta? Ou passear com um animal e estimação?
Tem algo melhor do que ouvir as histórias de nossos pais, repetidas mil vezes, e com a mesma intensidade amorosa que nos contam?
Tem algo melhor do que receber alta num hospital? Ou saber que o salário deu pra pagar as contas do mês?
Tem algo melhor que dormir em paz, por não ter feito ninguém infeliz no dia?
Tem algo melhor que a sensação de ter ajudado alguém?
Tem algo melhor do que se sentir amado?
Tem algo melhor do que amar?
Tem algo melhor que uma comida caseira? Ou prosear na cozinha?
Tem algo melhor que sentir que as pequenas metas que estabelecemos para nós próprios estão sendo alcançadas?
Todos estes pequenos prazeres são o 3-2-1.
O 3-2-1 é o complexo do simples. É onde mora nossos afetos positivos. O 3-2-1 é libertador. De toda aparência que precisamos usar para nos sentir aceitos. De toda arrogância de qualquer saber que precisamos destilar para nos sentir importantes. Ou de todo poder que precisamos expressar para nos sentir aquele cara.
Andamos procurando a felicidade em lugares complexos, em desejos e ambições enormes, em expectativas superdimensionadas.
Creio que a felicidade é um 3-2-1, que significa resgatar os prazeres das coisas simples, humildes, despretensiosas, como tomar banho de chuva, ou participar de um grupo de amigos que se reúnem para uma determinada causa, ou até do Terço dos Homens.
Não importa o que seja, cada vez me convenço mais que a felicidade mora ao lado, contudo nem sempre é vista, acolhida e saboreada.
Precisamos com urgência voltar a cultivar o simples. Eu falei que havia outras mensagens no cofre, não percebidas pelos matéria do jornal.
No cofre tem dois documentos que expressam a saga da humanidade. Tem um holerite, ou contracheque, e tem um bloco de pedidos de um restaurante.

Creio que aí temos a metáfora do Pão e da Beleza. O Pão do trabalho nosso de cada dia, do valor de nosso esforço, que nos permite ao final de um mês receber os proventos.

A beleza de poder usufruir dos frutos de nosso trabalho, seja numa comanda de um pedido de um prato, comido fora.
Comer fora é a expressão mais popular de lazer. Lembro das vezes que eu saia pelos bairros de Campina Grande-PB, aqueles mais populares, procurando locais que servisse uma comida a preço justo, saborosa e farta.
Os meninos faziam festa. Lembro da Pizzaria La Júlia, no bairro do St. Antônio, que servia uma pizza gigante a uns módicos 20 reais, com direito a um refri de 2 litros. E aquilo fazia a festa de minha filharada de 3 rebentos.
Lembro também de meu primeiro contracheque, do BANORTE, um Banco de Pernambuco.
Olhei fixamente para aquele papel. Tinha um monte de informações, até então desconhecidas por mim.
Ao retornar pra casa, com aquele papel no bolso, senti-me o mais importante ser do mundo. Era o meu salário, fruto de meu esforço, e que não era pouco como compensador no turno da madrugada.
Passei numa loja de eletrodomésticos, comprei uma radiola, um jogo de cadeiras de terraço, assinei umas promissórias, dando como garantia o contracheque, e segui altivo caminhando para casa.
No sábado, meus primeiros bens, adquiridos com meu próprio dinheiro, chegaram em minha casa. Casei às pressas, aos 20 anos, e quem montou meu cafofo foram meus pais, com a suada poupança que fizeram ao longo de mais de 40 anos de trabalho no Senai.
Então, ver aquela Kombi chegando com minhas cadeiras e radiola, deu-me a sensação de que eu estava progredindo. E tem coisa melhor do que esta sensação?
É pessoal, este cofre tem três mensagens para nossa vida.

O valor da simplicidade, o valor do trabalho e o valor de tudo aquilo que podemos fazer com os seus frutos, até comer fora, nem que seja uma vez por ano. Ou comprar um conjunto de cadeiras de terraço.
Nesta sociedade tão materialista, individualista e ambiciosa, que sempre quer mais e mais, parece que os encontros verdadeiros conosco mesmo, os que nos darão uma satisfação mais duradoura e melhor, habitam nas coisas cotidianas: na simplicidade dos afetos do existir, no trabalho e no poder usufruir de seus fritos – e também na simplicidade deles.
Que tal usar uma 3-2-1 e abrir teu cofre e passar a perceber o que tem dentro dele de forma mais intensa e melhor?
Podem ser teus filhos. Teus amigos. Tuas conquistas. Teu parceiro (a) afetivo. Teus pais. Tua empresa.
E tua vida...

Sim, 321 também é o número da casa de meus pais, lugar de afetos quentinhos, de presença de Deus, de simplicidade do aconchego, de quintal de encontros, de encontros fraternos e de cozinha amorosa. Lugar de amor, que acostumamos a chamar de Lar.


Para uma vida mais feliz, precisamos diariamente tomar um AAS. (Autor Ricardo de Faria Barros)

Na noite anterior, eu e o JG (João Gabriel) fizemos os preparativos para uma viagem até Goiânia-GO. Eu iria palestrar no Hospital das Clínicas da UFC, e aproveitaria para passear com o JG que está de férias.
Malas arrumadas, check-list feito, material da palestra conferido, power-point na nuvem e no pendrive. Agora era a hora de dormir.
No outro dia, acionamos o WAZE e o JG assumiu a navegação.
Pegamos a BR 060, com trânsito intenso de ambos os lados, contudo no sentido de Brasília a intensidade era dobrada.
Aos poucos, conseguimos atravessar os trechos mais lentos e galgamos os piores 20 km do trajeto, agora restavam 180.
Mentalmente começo a conferir o check-list.
Escovas, pente, desodorante? Ok. Material palestra, cartões e livros? OK.
Paletó? Xiiii, esqueci!
Esqueci a mala do paletó, e na que levava, só havia bermudas e camisetas. Pegamos o primeiro retorno, e voltamos, agora enfrentando um verdadeiro caos que é a chegada da BR 060 para Brasília.
JG mangava e sorria de meu esquecimento. Eu, nem tempo pra ficar bravo tinha. Dado a atenção que precisava focar no trânsito.
Chegamos em Goiânia esbaforidos de calor, já pelo meio dia e tanto. Ao entrar na cidade nos perdemos, mesmo com o WAZE, e o JG morria de rir com a voz dizendo: “Recalculando Rota”.
Finalmente chegamos ao Hotel, que fica na movimentada Avenida Anhanguera. Desfizemos as tralhas, pedimos um UBER, melhor assim, e nos dirigimos para um clube antigo da cidade, que tem um monte de atrações e piscinas, o Jaó. Eu tinha tempo, a palestra seria no dia seguinte.
Chegamos no JAÓ e fomos barrados na entrada. Ocorre que eles não têm mais o serviço de day-use. Aquele que pagamos uma taxa pra usufruir determinado local, por um dia. A informação que acessei num site de turismo estava desatualizada.
Eu e o JG nos entreolhamos, suados e decepcionados. Então, da portaria mesmo, decidimos ir almoçar numa das maravilhosas churrascarias de Goiânia. Chamamos o Uber e quando ele perguntou pra onde, botamos o nome Churrascaria, aparecendo as mais próximas primeiro. Escolhemos uma com nome estiloso, a La Pampas.
Após dois cancelamentos, finalmente o terceiro Uber aceitou a corrida e nos resgatou, uma meia hora depois. Esperada na calçada e no mormaço.
Silenciosos, cansados e com fome esperávamos ansiosos desembarcar na La Pampas.
E isto ocorreu. Só que ao nos dirigirmos à porta de entrada, percebemos que a mesma estava fechada. E, pela poeira e papeis jogados por baixo da porta, já fazia uns meses.
Seguimos para o hotel, e já era perto das 15 horas. Perguntamos à atendente se tinha almoço, e ela nos falou que como hotel era pequeno, o serviço de restaurante já estava fechado, só estando disponíveis o de lanches rápidos.
Aí, olhei para JG e apontei para a pequena piscina, de águas azuis convidativas, e sem pestanejar mergulhamos nela. Primeiro iriamos matar o calor e o suor, depois ver o que iriamos afina comer.
Nem 5 minutos se passaram, e eis que nuvens carregadas se aproximam, trovões espocam ao longe. Aí começa a pingar e saímos de dentro d´agua, por precaução. JG gargalhando dizia: “Que dia, heim pai!”
Eu respondia, pelo menos estamos no hotel. Poderíamos ter pago caro no JAÓ e estarmos agora tendo que sair das piscinas.
Nos enxugamos, e quando preparávamos para ir ao quarto, uma senhora se aproxima. Ela pergunta se queremos almoçar. Alegres, respondemos que sim.
Ela disse que é a cozinheira e que soube de nossa fome. Que poderia fazer uns bifes com arroz e uma salada para nós, e em menos de 30 minutos. Topamos na hora. E ficamos emocionados com o gesto dela. E, foi o melhor bife com arroz que comi na vida. E o JG idem. Aliás, nunca vi o JG com tanto apetite, nestes dez anos que já fez. Vagando em mil pensamentos, processando o dia, saquei que na vida, para ser mais feliz, muitas das vezes, é preciso aceitar, acolher e seguir caminho, sempre que algo não ocorre conforme planejamos.
Fiquei com aquilo matutando por muito tempo. Aceitar. Acolher. Seguir. Lembrei que as iniciais destes verbos formam o acrônimo do AAS, santo remédio infantil. Um AAS curava tudo. Chamávamos, à época, de Melhoral infantil.
Acho que ela está muito certa. Precisamos de um AAS diário para ter uma vida de mais harmonia, bem-estar, paz e felicidade. Vejamos mais um pouco do que se constitui este AAS existencial:
A de Aceitar. E este é o primeiro Portal da transformação do ser, em sua jornada de crescimento. Aceitar nosso corpo. Aceitar que não ganhamos todas. Aceitar que as pessoas nem sempre são o que esperávamos que fossem. Aceitar nossa família. Aceitar que os filhos não nossos bens. Aceitar nosso trabalho. Aceitar uma doença crônica que nos sobreveio. Aceitar que amores se vão. Aceitar nossa posição social. Aceitar que dias ruins ocorrem. Aceitar que não temos controle sobre tudo. E que algo, mais cedo ou mais tarde, poderá sair diferente do que esperávamos.
A de Acolher. E este é o segundo Portal, que se só se chega a ele após atravessar o do Aceitar. Acolher a dias cinzentos. Acolher momentos de luto. Acolher partidas e despedidas. Acolher o que pensa diferente. Acolher o outro em sua essência, para além das aparências. Acolher aquilo que em nosso colo cai, sobre e o que nada podemos fazer, nada podemos mudar, a não ser a nós mesmos, diante daquilo que nos ocorreu. Acolher é uma postura contemplativa diante da vida. Não é de acomodação, nem alienação. É de gratidão. Gratidão por dias bons, por dias ruins. Gratidão, apenas por viver. Quem acolhe se abre à gratidão.
S de Seguir. E aqui temos o terceiro Portal, que na verdade é um caminho. Que só se chega até ele depois dos anteriores: Aceitar e Acolher. Seguir caminho. Refazer-se juntando os mil cacos. Fazer germinar novos sonhos, semeados em terreno irrigado com as mil lágrimas choradas. Seguir é fechar as janelas de mágoa, culpa, ressentimento e sofrer e não olhar ais para trás. Perder o vício de ficar sempre olhando pelo retrovisor da vida, lamentando-se do que deixou pra trás, do que perdeu, do que não viveu. Seguir é postura dos sobreviventes. Dos fortes e corajosos. É preciso muita força de espírito, muito ânimo, para ousar seguir um novo caminho. Mas, seguir preciso. Não é possível crescer ficando na posição de vítima, desilusão ou decepção com o viver. É preciso fornecer respostas à vida, no lugar de ficar apenas esperando respostas dela, e a isto chamamos de seguir o caminho.
Aceitar, Acolher e Seguir, são nosso Melhoral existencial. Uma vida mais feliz e prazerosa passa por estes verbos de posturas ativas tão sábias. Aprendendo eficazmente, e com inteligência emocional positiva, a lidar melhor com situações adversas, a enfrentar momentos tensos e a se relacionar com as quebras de expectativas, imprevistos e fatalidades, como um paletó esquecido, um clube para nós fechado, uma churrascaria falida e trovejadas que nos expulsam da piscina.

Na foto, o JG pulando na piscina, antes do temporal chegar.

Cuidado com o que em ti se enlaça. (Autor Ricardo de Faria Barros)

Arfando entre um passo e outro, já chegando na metade de minha meta de 4 km dia, sinto um aroma gostoso que se mistura ao do orvalho da manhã.
Ele vem de um Manacá de Cheiro (ou de jardim), cheio de suas florezinhas brancas e lilás.
Dirijo-me a ele, para respirar aquele perfume e me animar para terminar os quilômetros que faltam da matutina caminhada. Eis que vejo que algo ocorre com aquela arvorezinha tão bela e florida.
Sua copa está completamente tomada por uma trepadeira, chamada de Erva de Passarinho. A infestação é tão grande que mal sobram espaços para as folhas tomarem sol e as flores florescerem livremente.
Começo a tirar, manualmente, aqueles cipós que se enramam no Manacá. A tarefa é difícil, eles crescem rápido, e basta que fique um deles apenas, e novo invasor se propagará.
As raízes da de Erva de Passarinho se alimentam da seiva dos galhos e folhas, não precisando de terra para se nutrirem.
Um jardineiro do prédio passa a máquina na grama, indiferente ao sofrer do Manacá.
Estabeleço contato com ele e o mesmo me diz que só mata com veneno.
Na minha terra o nome disso é preguiça, pensei...
Retiro mais alguns raminhos invasores e sigo para os quilômetros que faltam.
E tem sido assim, nossa amizade, a minha e a daquele Manacá, e a cada manhã ela se renova.
Ele me dá o perfume de suas flores, eu paro uns minutinhos e retiro, a mão mesmo, as Erva de Passarinho mais visíveis e acessíveis.
Podemos até não vencer esta guerra contra elas, e o jardineiro estar certo, mas eu e o Manacá sabemos que as de Ervas de Passarinho não estão aumentando de tamanho, e já deixas suas folhas, galhos e flores respirarem melhor e tomarem chuva e sol nas faces.
Quanto ensinamento deste Manacá de Cheiro, sufocado pela de Erva de Passarinho, nos inspira.
Quais são as de Ervas de Passarinho que andam se fixando em nossas folhas, flores e galhos?
Roubando de nós a seiva de viver? Tirando-nos potencial de florescer, ao nos asfixiar e nos usar para seus próprios interesses.
Quais pássaros humanos pousam em nosso viver e depositam em nós coisas ruins, que poderão germinar, crescer e tirar a nossa força vital?
Então, este belo e cheiroso Manacá, na sua relação de amizade comigo, tem algo a nos ensinar.
Às vezes alguém em nossa vida, um amigo, um parente, um filho, um cônjuge, pode fazer este papel que eu tenho feito, a cada manhã.
Estas pessoas podem nos ajudar a tirar de nós as Ervas de Passarinhos que nos fazem mal.
Elas podem nos reconhecer, no lugar de nos criticarem.
Elas podem nos estimular ao nosso melhor, no lugar de dizer que de nós mesmos nunca sairá nada de bom.
Sabe gente, às vezes de tanto levar pancada da vida vamos achando que não somos amados, ficando ressentidos, ou resignados, e murchando. Aí, um belo dia, alguém de nós se aproxima e diz que nos ama, que acredita em nós, que nos protege e admira. Uauu, é como se de nós tirassem um monte de Ervas de Passarinho que se enroscaram nosso ser. E uma brisa Aracati muda nossa vida, faz-nos florir e perfumar novamente. Não é assim que funciona?
Têm pessoas que ao entrarem em nossas vidas, deixam-nas melhores até do que nós mesmos ainda acreditávamos ser.
Elas podem ver flores e perfume que ainda temos, e que por estarmos tão sufocados com os galhos invasores que sobre nós fizeram raízes, não percebemos mais.
Estas pessoas poderão nos ajudar a voltar pra casa, a nos reencontrarmos conosco mesmos. A resgatar valores esquecidos e a voltar a acreditar em nosso potencial de florescimento.
Precisamos destas pessoas para nos ajudar a tomar decisões, a enxergar o que não vemos mais, por estarmos tão envolvidos com a situação.
Precisamos de pessoas nas quais confiamos para arrancar coisas que nos oprimem, para cuidar de nós, par nos proteger, para não deixar sermos usados, assediados ou oprimidos por Ervas de Passarinho em forma de gente má e perversa.
Também temos estas pessoas, arrancadoras de Ervas de Passarinho sufocantes, dentro de nós mesmos.
Embora a voz delas nem sempre apareça, ou quando aparece, nem sempre a demos ouvidos, elas estão lá, no mais profundo de nossos pensamentos, consciência e emoções.
É quando dizemos a nós mesmos que chega de nutrir aquela mágoa antiga, aquela inveja mórbida, ou aquele ódio insano, que viraram Ervas de Passarinho e tiram nosso perfume e vigor.
É quando dizemos a nós mesmos que somos melhores do que isto tudo que está aí. Inclusive daquilo que dizem de nós.
É quando dizemos a nós mesmos que é chegada a hora de mandar partir quem já não nos faz bem, mesmo que nos dê uma falsa segurança, a do conforto de gaiolas.
É quando damos um grau na nossa autoestima e não permitimos mais que alguém a diminua. E nos aceitamos, como e quem somos, num pacote autêntico, sem precisar representar personagens para sermos aceitos.
É quando dizemos aos nossos filhos que eles precisam viver a vida deles, sem, contudo, esquecerem de nós, e nós deles.
É quando nos livramos de toda forma de amar codependente, exigente e asfixiante.
É fácil?
Não meus amigos e amigas. O Manacá nem percebe que está morrendo aos poucos. Ele não consegue se ver de onde o vi, todo enramado pela trepadeira assassina.
Também acabamos vivendo situações que vão chegando devagarinho, e nos acostumamos à pequenez delas. É aquele profissional que aceita ser tratado de forma desrespeitosa pelo seu gestor. É aquela pessoa que aceita migalhas de amor, com medo de ficar sozinha. É aquele indivíduo que acreditou que nunca seria alguém na vida, e não mais se esforça pra galgar suas melhoras.
Não é fácil crescer sem as ervas daninhas que se colam ao nosso existir e roubam-nos a força.
Mas, é possível e será uma luta até o fim.
Como disse o jogador do Flamengo, o Bruno, ao comentar uma bela e importante vitória, na qual o time perdia e faltava uns 8 minutos para encerrar a partida: “No vestiário dissemos, vamos até o fim”.
E é uma bela analogia para a luta pelo nosso crescimento existencial, ir até o fim. Sempre haverá coisas a trabalhar em nosso amadurecimento, e aprendizagem, na escola da vida.
Sempre haverá uma voz da consciência, em forma de angústia, dizendo-nos que algo não vai bem e que precisamos sobre aquilo atuar.
Sempre haverá um amigo, uma pessoa em quem confiar, que por amor chegará até nós e nos ajudará a sermos melhores, depois da passagem dela em nosso viver.
Querido Manacá, resista ao sufoco e anemia, pela seiva que lhe é roubada!
Amanhã tirarei mais invasoras de seus galhos, folhas e flores, e não estarei só. Estarei com cada um que chegou até aqui nesta minha crônica.
Agora vou ali, tirar novas Ervas de Passarinho de minha alma.
Vem comigo, pode até doer na hora, mas depois ficaremos bem melhores.

Sequestradores Digitais da Atenção (SDA), por Ricardo de Faria Barros


Na caminhada matinal, uma babá se distrai ao celular, enquanto gêmeas, de uns 4 anos, brincavam sozinhas no cercadinho da quadra de esportes.
Mais à frente, a situação se repetiu: seja com um gari, que entre uma vassourada e outra acessava suas Redes Sociais, e até com uma passeadora de cachorros, que languidamente parou o serviço, sentou-se num banco, e foi acessar o celular.
Os Sequestradores Digitais da Atenção (SDA) são um fenômeno mundial e seus impactos comprometem à produtividade, os estudos e até o desenvolvimento da socialização e empatia.
Cada vez mais sofisticadas, as Redes Sociais operam na mesma perspectiva das drogas e podem viciar.
A pessoa sente uma ansiedade enorme de checar as curtidas, de ver o que ocorre na vida dos outros, ou até mesmo de expor seu dia a dia, nutrindo as expectativas de seus seguidores, e recebendo reforços positivos às postagens.
Facebook, Instagram, WhatsApp podem ser classificados como líderes no negócio dos SDA, e correndo ao lado temos os GAMES.
Enquanto digito esta crônica, escrita na mesa de um dos bares mais famosos de Brasília, o Libanus, que já tem 30 anos de casa. Percebo que à minha frente quatro pessoas acessam suas redes sociais. É uma sexta-feira, perto do meio dia.
Nenhuma delas está prestando atenção ao redor. Nem fizeram algo que era tão comum em bares, que era cumprimentar as mesas vizinhas, socializar.
Está cada uma delas em seu mundo virtual, enquanto o mundo real ocorre ao lado.
Role a tela do Facebook e você terá diversão para umas horas. Role a tela do Instagram, idem. Tente ler, e responder, as mensagens de seus contatos do Whats e terá mais uns bons minutos de entretenimento.
E a vida vai se tornando algo digital.
Os SDA sabotam a percepção do que ocorre ao nosso redor. Um pássaro que gorjeia, que pelo canto deve ser um João de Barro. Um caminhão de cerveja que tomba na rotatória, derrubando uns 4 engradados no chão. Crianças que tentam tirar uma bola que ficou em cima do toldo do Libanus. Um pai que volta com os filhos da escola, trazendo-os na cadeirinha da bike, cena mágica.
Nada disto foi percebido pelo pessoal da foto.
Quantos livros estamos deixando de ler para acessar o Instagram? Quantos filmes? Quantos diálogos? Quantas caminhadas, aventuras e experiências presenciais?
Quanta vida lá fora, no mundo não digital, estamos deixando de viver, por termos deixado nos seduzir por migalhas digitais de afeto? Nos tornando escravos de curtidas, checagem de postagens, e presença online no ZAP.
A coisa anda tão séria, que uma pessoa manda uma mensagem urgente pra você no ZAP e é como exigisse que você a respondesse logo, e na mesma velocidade, como se tivesse o dever de estar conectado com ele. Ninguém telefona mais pra ninguém, perceberam?
Vivo isto em casa. Meu JG, dez anos, está acessando demais os games de celular.
Tenho me esforçado para incluir outras áreas de prazer na vida dele, mas é uma luta desigual.
Os games são produzidos para gerar dependência. São troféus recebidos, são fases conquistadas, bônus, vidas, disputas, moedas virtuais e até pessoas que jogam junto, on-line, e que reforçam a dependência.
Outro dia o chamei para ver um dos lançamentos de filmes de Natal da NETFLIX, chamado KLAUS, e foi difícil mantê-lo atento.
A ansiedade que a consulta às redes sociais e games provoca, gerando hormônios da oxitocina e dopaminas, acaba por provocar um estado de completa apatia, a tudo que não opere na mesma velocidade, e na pegada das “rodadas de tela”.
E estamos adoecendo de atenção sequestrada digital. Perdemos o interesse em nos conectar em tudo que não seja digital.
E a vida vai passando, e sem replay, e nós vamos ficando com sequelas na cervical e dedos das mãos, de tanto reclinar o pescoço para tela e de tanto digitar.
Mas, a maior sequela não será esta. Será a de uma vida que passa ao largo, sem ser percebida, como o canto de um pássaro, a música que toca, a brisa que alisa a pele, o trovão que ecoa ao longe, o burburinho de um bar, ou a fisionomia sorridente de um garçom que te atende. E, sem falar na comida que comeu, que de tão ligado nas Redes Sociais, amanhã nem lembrará o que foi.
Como podemos nos ajudar?
Primeiro, partindo de uma autoconsciência da qualidade do investimento do capital tempo em nossas vidas.
Depois, tomando medidas preventivas ao vício digital, como as sugestões abaixo:

a. Retirar todas as notificações automáticas de mensagens, inclusive dos Games.

b. Criar rotinas, mais espaçadas de tempo, para checar o que ocorre no mundo virtual.

c. Ressignificar outros prazeres para distrair, ou ocupar o tempo.

d. Reaprender a fazer conexões reais: com o porteiro do prédio, com o vizinho, com os amigos, com a família, deixando de lado nestes momentos a ansiedade de teclar.
Estando inteiro e presente ao encontro.

e. Experimentar ligar para as pessoas ao invés de mandar mensagem. 
Tire um dia para isto. Escute a voz dela, perceba que em uma mensagem de texto você não sente a sua a voz, e melhor ainda é se puder visitá-la.
O texto não tem tonalidade, gesto, expressão... e não se sabe a ênfase de uma frase.  Só a voz acalma e liberta. Como é bom ouvir a voz de minha Brisa Aracati...

Uso as próprias redes sociais, com um sorriso maroto no rosto, para divulgar este texto. Sabotando-as, ao desafiá-las para que não dominem o nosso viver, ao criarem um mundo Matrix para habitarmos, repletos de youtubers, curtidas, seguidores, Zaps, Instas e Faces, carentes de um clique sequer.

Nas promessas para o ano novo, inclua um detox digital. E verás o quanto de coisas bacanas ocorrem, no mundo real, enquanto tu estavas fixado na rolagem das telas de um celular de última geração.

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