Cuidado com o que em ti se enlaça. (Autor Ricardo de Faria Barros)

Arfando entre um passo e outro, já chegando na metade de minha meta de 4 km dia, sinto um aroma gostoso que se mistura ao do orvalho da manhã.
Ele vem de um Manacá de Cheiro (ou de jardim), cheio de suas florezinhas brancas e lilás.
Dirijo-me a ele, para respirar aquele perfume e me animar para terminar os quilômetros que faltam da matutina caminhada. Eis que vejo que algo ocorre com aquela arvorezinha tão bela e florida.
Sua copa está completamente tomada por uma trepadeira, chamada de Erva de Passarinho. A infestação é tão grande que mal sobram espaços para as folhas tomarem sol e as flores florescerem livremente.
Começo a tirar, manualmente, aqueles cipós que se enramam no Manacá. A tarefa é difícil, eles crescem rápido, e basta que fique um deles apenas, e novo invasor se propagará.
As raízes da de Erva de Passarinho se alimentam da seiva dos galhos e folhas, não precisando de terra para se nutrirem.
Um jardineiro do prédio passa a máquina na grama, indiferente ao sofrer do Manacá.
Estabeleço contato com ele e o mesmo me diz que só mata com veneno.
Na minha terra o nome disso é preguiça, pensei...
Retiro mais alguns raminhos invasores e sigo para os quilômetros que faltam.
E tem sido assim, nossa amizade, a minha e a daquele Manacá, e a cada manhã ela se renova.
Ele me dá o perfume de suas flores, eu paro uns minutinhos e retiro, a mão mesmo, as Erva de Passarinho mais visíveis e acessíveis.
Podemos até não vencer esta guerra contra elas, e o jardineiro estar certo, mas eu e o Manacá sabemos que as de Ervas de Passarinho não estão aumentando de tamanho, e já deixas suas folhas, galhos e flores respirarem melhor e tomarem chuva e sol nas faces.
Quanto ensinamento deste Manacá de Cheiro, sufocado pela de Erva de Passarinho, nos inspira.
Quais são as de Ervas de Passarinho que andam se fixando em nossas folhas, flores e galhos?
Roubando de nós a seiva de viver? Tirando-nos potencial de florescer, ao nos asfixiar e nos usar para seus próprios interesses.
Quais pássaros humanos pousam em nosso viver e depositam em nós coisas ruins, que poderão germinar, crescer e tirar a nossa força vital?
Então, este belo e cheiroso Manacá, na sua relação de amizade comigo, tem algo a nos ensinar.
Às vezes alguém em nossa vida, um amigo, um parente, um filho, um cônjuge, pode fazer este papel que eu tenho feito, a cada manhã.
Estas pessoas podem nos ajudar a tirar de nós as Ervas de Passarinhos que nos fazem mal.
Elas podem nos reconhecer, no lugar de nos criticarem.
Elas podem nos estimular ao nosso melhor, no lugar de dizer que de nós mesmos nunca sairá nada de bom.
Sabe gente, às vezes de tanto levar pancada da vida vamos achando que não somos amados, ficando ressentidos, ou resignados, e murchando. Aí, um belo dia, alguém de nós se aproxima e diz que nos ama, que acredita em nós, que nos protege e admira. Uauu, é como se de nós tirassem um monte de Ervas de Passarinho que se enroscaram nosso ser. E uma brisa Aracati muda nossa vida, faz-nos florir e perfumar novamente. Não é assim que funciona?
Têm pessoas que ao entrarem em nossas vidas, deixam-nas melhores até do que nós mesmos ainda acreditávamos ser.
Elas podem ver flores e perfume que ainda temos, e que por estarmos tão sufocados com os galhos invasores que sobre nós fizeram raízes, não percebemos mais.
Estas pessoas poderão nos ajudar a voltar pra casa, a nos reencontrarmos conosco mesmos. A resgatar valores esquecidos e a voltar a acreditar em nosso potencial de florescimento.
Precisamos destas pessoas para nos ajudar a tomar decisões, a enxergar o que não vemos mais, por estarmos tão envolvidos com a situação.
Precisamos de pessoas nas quais confiamos para arrancar coisas que nos oprimem, para cuidar de nós, par nos proteger, para não deixar sermos usados, assediados ou oprimidos por Ervas de Passarinho em forma de gente má e perversa.
Também temos estas pessoas, arrancadoras de Ervas de Passarinho sufocantes, dentro de nós mesmos.
Embora a voz delas nem sempre apareça, ou quando aparece, nem sempre a demos ouvidos, elas estão lá, no mais profundo de nossos pensamentos, consciência e emoções.
É quando dizemos a nós mesmos que chega de nutrir aquela mágoa antiga, aquela inveja mórbida, ou aquele ódio insano, que viraram Ervas de Passarinho e tiram nosso perfume e vigor.
É quando dizemos a nós mesmos que somos melhores do que isto tudo que está aí. Inclusive daquilo que dizem de nós.
É quando dizemos a nós mesmos que é chegada a hora de mandar partir quem já não nos faz bem, mesmo que nos dê uma falsa segurança, a do conforto de gaiolas.
É quando damos um grau na nossa autoestima e não permitimos mais que alguém a diminua. E nos aceitamos, como e quem somos, num pacote autêntico, sem precisar representar personagens para sermos aceitos.
É quando dizemos aos nossos filhos que eles precisam viver a vida deles, sem, contudo, esquecerem de nós, e nós deles.
É quando nos livramos de toda forma de amar codependente, exigente e asfixiante.
É fácil?
Não meus amigos e amigas. O Manacá nem percebe que está morrendo aos poucos. Ele não consegue se ver de onde o vi, todo enramado pela trepadeira assassina.
Também acabamos vivendo situações que vão chegando devagarinho, e nos acostumamos à pequenez delas. É aquele profissional que aceita ser tratado de forma desrespeitosa pelo seu gestor. É aquela pessoa que aceita migalhas de amor, com medo de ficar sozinha. É aquele indivíduo que acreditou que nunca seria alguém na vida, e não mais se esforça pra galgar suas melhoras.
Não é fácil crescer sem as ervas daninhas que se colam ao nosso existir e roubam-nos a força.
Mas, é possível e será uma luta até o fim.
Como disse o jogador do Flamengo, o Bruno, ao comentar uma bela e importante vitória, na qual o time perdia e faltava uns 8 minutos para encerrar a partida: “No vestiário dissemos, vamos até o fim”.
E é uma bela analogia para a luta pelo nosso crescimento existencial, ir até o fim. Sempre haverá coisas a trabalhar em nosso amadurecimento, e aprendizagem, na escola da vida.
Sempre haverá uma voz da consciência, em forma de angústia, dizendo-nos que algo não vai bem e que precisamos sobre aquilo atuar.
Sempre haverá um amigo, uma pessoa em quem confiar, que por amor chegará até nós e nos ajudará a sermos melhores, depois da passagem dela em nosso viver.
Querido Manacá, resista ao sufoco e anemia, pela seiva que lhe é roubada!
Amanhã tirarei mais invasoras de seus galhos, folhas e flores, e não estarei só. Estarei com cada um que chegou até aqui nesta minha crônica.
Agora vou ali, tirar novas Ervas de Passarinho de minha alma.
Vem comigo, pode até doer na hora, mas depois ficaremos bem melhores.

3 comentários:

  1. Esta crônica se encaixa perfeitamente nas situações que estou vivenciando. Eu preciso aprender a arrancar as Ervas de Passarinho que danificam o meu ser. Parabéns pelo blog, Ricardo. Sempre o acompanho.

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  2. Querido Ricardo, amigo valoroso! Estava aqui regendo minhas plantas e percebi um "matinho", bem bonitinho, crescendo agarrado ao tronco e raiz de um pé de hibisco amarelo. O matinho, tão miudinho, de folhinhas longas e fininhas, ostentava um caule mais longo com pequenas flores brancas, e tudo isso tremulava flexível ao vento suave daquela tarde. O matinho se balançava tanto, grudado ao hibisco estático, que parecia acenar para mim. Me aproximei e fixei bem a vista naquela coisinha. E ali de pertinho reparei na beleza da frágil flor. Seis pétalas branquinhas, coroadas por pistilos verde-amarelos. Tão miúdas me aproximei mais. Tanto balançava aquela haste que a segurei para poder fixar meu olhar. Mais bonitas as percebi. É tão miúdas. Me aproximei mais enquanto comentava com meu neto: que matinho bonitinho... e que perfume ela então exalou... compreendi que não era um matinho ou erva daninha. O final da tarde se aproximava, e o perfume que ela delicadamente exalava era de jasmim. Nos dias subsequentes passei a observa-la. Quando a florzinha murchou restaram as sementes na haste. Recolhi as sementes, as espalhei em outros vasos, como provavelmente os passarinhos ja tinham feito. Germinaram mas parecia terem perdido o perfume. Não! Elas possuem um perfume que se conhece somente ao final da tarde, enquanto sopra vento da vida e antes que finalmente escureça. Grande abraço.

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