Sequestradores Digitais da Atenção (SDA), por Ricardo de Faria Barros


Na caminhada matinal, uma babá se distrai ao celular, enquanto gêmeas, de uns 4 anos, brincavam sozinhas no cercadinho da quadra de esportes.
Mais à frente, a situação se repetiu: seja com um gari, que entre uma vassourada e outra acessava suas Redes Sociais, e até com uma passeadora de cachorros, que languidamente parou o serviço, sentou-se num banco, e foi acessar o celular.
Os Sequestradores Digitais da Atenção (SDA) são um fenômeno mundial e seus impactos comprometem à produtividade, os estudos e até o desenvolvimento da socialização e empatia.
Cada vez mais sofisticadas, as Redes Sociais operam na mesma perspectiva das drogas e podem viciar.
A pessoa sente uma ansiedade enorme de checar as curtidas, de ver o que ocorre na vida dos outros, ou até mesmo de expor seu dia a dia, nutrindo as expectativas de seus seguidores, e recebendo reforços positivos às postagens.
Facebook, Instagram, WhatsApp podem ser classificados como líderes no negócio dos SDA, e correndo ao lado temos os GAMES.
Enquanto digito esta crônica, escrita na mesa de um dos bares mais famosos de Brasília, o Libanus, que já tem 30 anos de casa. Percebo que à minha frente quatro pessoas acessam suas redes sociais. É uma sexta-feira, perto do meio dia.
Nenhuma delas está prestando atenção ao redor. Nem fizeram algo que era tão comum em bares, que era cumprimentar as mesas vizinhas, socializar.
Está cada uma delas em seu mundo virtual, enquanto o mundo real ocorre ao lado.
Role a tela do Facebook e você terá diversão para umas horas. Role a tela do Instagram, idem. Tente ler, e responder, as mensagens de seus contatos do Whats e terá mais uns bons minutos de entretenimento.
E a vida vai se tornando algo digital.
Os SDA sabotam a percepção do que ocorre ao nosso redor. Um pássaro que gorjeia, que pelo canto deve ser um João de Barro. Um caminhão de cerveja que tomba na rotatória, derrubando uns 4 engradados no chão. Crianças que tentam tirar uma bola que ficou em cima do toldo do Libanus. Um pai que volta com os filhos da escola, trazendo-os na cadeirinha da bike, cena mágica.
Nada disto foi percebido pelo pessoal da foto.
Quantos livros estamos deixando de ler para acessar o Instagram? Quantos filmes? Quantos diálogos? Quantas caminhadas, aventuras e experiências presenciais?
Quanta vida lá fora, no mundo não digital, estamos deixando de viver, por termos deixado nos seduzir por migalhas digitais de afeto? Nos tornando escravos de curtidas, checagem de postagens, e presença online no ZAP.
A coisa anda tão séria, que uma pessoa manda uma mensagem urgente pra você no ZAP e é como exigisse que você a respondesse logo, e na mesma velocidade, como se tivesse o dever de estar conectado com ele. Ninguém telefona mais pra ninguém, perceberam?
Vivo isto em casa. Meu JG, dez anos, está acessando demais os games de celular.
Tenho me esforçado para incluir outras áreas de prazer na vida dele, mas é uma luta desigual.
Os games são produzidos para gerar dependência. São troféus recebidos, são fases conquistadas, bônus, vidas, disputas, moedas virtuais e até pessoas que jogam junto, on-line, e que reforçam a dependência.
Outro dia o chamei para ver um dos lançamentos de filmes de Natal da NETFLIX, chamado KLAUS, e foi difícil mantê-lo atento.
A ansiedade que a consulta às redes sociais e games provoca, gerando hormônios da oxitocina e dopaminas, acaba por provocar um estado de completa apatia, a tudo que não opere na mesma velocidade, e na pegada das “rodadas de tela”.
E estamos adoecendo de atenção sequestrada digital. Perdemos o interesse em nos conectar em tudo que não seja digital.
E a vida vai passando, e sem replay, e nós vamos ficando com sequelas na cervical e dedos das mãos, de tanto reclinar o pescoço para tela e de tanto digitar.
Mas, a maior sequela não será esta. Será a de uma vida que passa ao largo, sem ser percebida, como o canto de um pássaro, a música que toca, a brisa que alisa a pele, o trovão que ecoa ao longe, o burburinho de um bar, ou a fisionomia sorridente de um garçom que te atende. E, sem falar na comida que comeu, que de tão ligado nas Redes Sociais, amanhã nem lembrará o que foi.
Como podemos nos ajudar?
Primeiro, partindo de uma autoconsciência da qualidade do investimento do capital tempo em nossas vidas.
Depois, tomando medidas preventivas ao vício digital, como as sugestões abaixo:

a. Retirar todas as notificações automáticas de mensagens, inclusive dos Games.

b. Criar rotinas, mais espaçadas de tempo, para checar o que ocorre no mundo virtual.

c. Ressignificar outros prazeres para distrair, ou ocupar o tempo.

d. Reaprender a fazer conexões reais: com o porteiro do prédio, com o vizinho, com os amigos, com a família, deixando de lado nestes momentos a ansiedade de teclar.
Estando inteiro e presente ao encontro.

e. Experimentar ligar para as pessoas ao invés de mandar mensagem. 
Tire um dia para isto. Escute a voz dela, perceba que em uma mensagem de texto você não sente a sua a voz, e melhor ainda é se puder visitá-la.
O texto não tem tonalidade, gesto, expressão... e não se sabe a ênfase de uma frase.  Só a voz acalma e liberta. Como é bom ouvir a voz de minha Brisa Aracati...

Uso as próprias redes sociais, com um sorriso maroto no rosto, para divulgar este texto. Sabotando-as, ao desafiá-las para que não dominem o nosso viver, ao criarem um mundo Matrix para habitarmos, repletos de youtubers, curtidas, seguidores, Zaps, Instas e Faces, carentes de um clique sequer.

Nas promessas para o ano novo, inclua um detox digital. E verás o quanto de coisas bacanas ocorrem, no mundo real, enquanto tu estavas fixado na rolagem das telas de um celular de última geração.

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