Era uma manhã de domingo, e o dia prometia uns bons passeios na cidade de Vermilion, em Alberta no Canadá. Naquele dia, um turista resolveu visitar o museu da cidade, no qual havia um velho cofre, fechado há 40 anos.
Ocorre que o cofre pertencia a um luxuoso hotel da região, e o único funcionário que sabia o segredo de abri-lo faleceu, subitamente, sem compartilhar esta informação.
Então, o cofre, junto com o mobiliário antigo do hotel, passou a integrar o acervo do museu. E, todos que o visitavam faziam fila par tentar abri-lo. O que se tornou uma atração à parte daquele museu.
Um cofre daquele modelo possui um mecanismo que geralmente pode ter até de 2 a 6 combinações numéricas de giros à direita e à esquerda. O que, na melhor das hipóteses, fornece uma probabilidade de 1 em 8.000 tentativas.
E, aquele turista acidental foi o predestinado da vez. Ele aproximou-se do cofre, entrou na fila dos que tentavam abri-lo, e, com uma combinação surreal de tão simples: 3 – 2 – 1 (três direita, 2 esquerda, 1 direita), ouviu o estalo do mecanismo se abrindo.
Todos ficaram espantados com o feito, e o assunto virou matéria do jornal local.
Dentro do cofre, havia uma “caderneta de fiado”, com as comandas dos pedidos dos hóspedes feito ao restaurante, para anotar em seus apartamentos, e um contracheque de um dos funcionários do hotel.
A reportagem disse que não havia tesouro algum naqueles documentos, o que eu discordo.
Creio que há belas mensagens na solução deste enigma.
A primeira delas diz respeito à simplicidade, ao retorno às coisas mais puras, serenas e amorosas. Tem algo melhor que conversar na calçada? Ou receber amigos em casa? Ou caminhar pela beira mar? Ou sentir a Brisa Aracati te abraçando e arejando, numa sufocante manhã?
Tem algo melhor que ninar um filho? Ou cuidar de uma pessoa? Ou regar uma planta? Ou passear com um animal e estimação?
Tem algo melhor do que ouvir as histórias de nossos pais, repetidas mil vezes, e com a mesma intensidade amorosa que nos contam?
Tem algo melhor do que receber alta num hospital? Ou saber que o salário deu pra pagar as contas do mês?
Tem algo melhor que dormir em paz, por não ter feito ninguém infeliz no dia?
Tem algo melhor que a sensação de ter ajudado alguém?
Tem algo melhor do que se sentir amado?
Tem algo melhor do que amar?
Tem algo melhor que uma comida caseira? Ou prosear na cozinha?
Tem algo melhor que sentir que as pequenas metas que estabelecemos para nós próprios estão sendo alcançadas?
Todos estes pequenos prazeres são o 3-2-1.
O 3-2-1 é o complexo do simples. É onde mora nossos afetos positivos. O 3-2-1 é libertador. De toda aparência que precisamos usar para nos sentir aceitos. De toda arrogância de qualquer saber que precisamos destilar para nos sentir importantes. Ou de todo poder que precisamos expressar para nos sentir aquele cara.
Andamos procurando a felicidade em lugares complexos, em desejos e ambições enormes, em expectativas superdimensionadas.
Creio que a felicidade é um 3-2-1, que significa resgatar os prazeres das coisas simples, humildes, despretensiosas, como tomar banho de chuva, ou participar de um grupo de amigos que se reúnem para uma determinada causa, ou até do Terço dos Homens.
Não importa o que seja, cada vez me convenço mais que a felicidade mora ao lado, contudo nem sempre é vista, acolhida e saboreada.
Precisamos com urgência voltar a cultivar o simples. Eu falei que havia outras mensagens no cofre, não percebidas pelos matéria do jornal.
No cofre tem dois documentos que expressam a saga da humanidade. Tem um holerite, ou contracheque, e tem um bloco de pedidos de um restaurante.
Creio que aí temos a metáfora do Pão e da Beleza. O Pão do trabalho nosso de cada dia, do valor de nosso esforço, que nos permite ao final de um mês receber os proventos.
A beleza de poder usufruir dos frutos de nosso trabalho, seja numa comanda de um pedido de um prato, comido fora.
Comer fora é a expressão mais popular de lazer. Lembro das vezes que eu saia pelos bairros de Campina Grande-PB, aqueles mais populares, procurando locais que servisse uma comida a preço justo, saborosa e farta.
Os meninos faziam festa. Lembro da Pizzaria La Júlia, no bairro do St. Antônio, que servia uma pizza gigante a uns módicos 20 reais, com direito a um refri de 2 litros. E aquilo fazia a festa de minha filharada de 3 rebentos.
Lembro também de meu primeiro contracheque, do BANORTE, um Banco de Pernambuco.
Olhei fixamente para aquele papel. Tinha um monte de informações, até então desconhecidas por mim.
Ao retornar pra casa, com aquele papel no bolso, senti-me o mais importante ser do mundo. Era o meu salário, fruto de meu esforço, e que não era pouco como compensador no turno da madrugada.
Passei numa loja de eletrodomésticos, comprei uma radiola, um jogo de cadeiras de terraço, assinei umas promissórias, dando como garantia o contracheque, e segui altivo caminhando para casa.
No sábado, meus primeiros bens, adquiridos com meu próprio dinheiro, chegaram em minha casa. Casei às pressas, aos 20 anos, e quem montou meu cafofo foram meus pais, com a suada poupança que fizeram ao longo de mais de 40 anos de trabalho no Senai.
Então, ver aquela Kombi chegando com minhas cadeiras e radiola, deu-me a sensação de que eu estava progredindo. E tem coisa melhor do que esta sensação?
É pessoal, este cofre tem três mensagens para nossa vida.
O valor da simplicidade, o valor do trabalho e o valor de tudo aquilo que podemos fazer com os seus frutos, até comer fora, nem que seja uma vez por ano. Ou comprar um conjunto de cadeiras de terraço.
Nesta sociedade tão materialista, individualista e ambiciosa, que sempre quer mais e mais, parece que os encontros verdadeiros conosco mesmo, os que nos darão uma satisfação mais duradoura e melhor, habitam nas coisas cotidianas: na simplicidade dos afetos do existir, no trabalho e no poder usufruir de seus fritos – e também na simplicidade deles.
Que tal usar uma 3-2-1 e abrir teu cofre e passar a perceber o que tem dentro dele de forma mais intensa e melhor?
Podem ser teus filhos. Teus amigos. Tuas conquistas. Teu parceiro (a) afetivo. Teus pais. Tua empresa.
E tua vida...
Sim, 321 também é o número da casa de meus pais, lugar de afetos quentinhos, de presença de Deus, de simplicidade do aconchego, de quintal de encontros, de encontros fraternos e de cozinha amorosa. Lugar de amor, que acostumamos a chamar de Lar.
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