Restaurando Sofrimentos


Quando comecei a construir minha casa, lá pelos idos de 2008, a prioridade era o pomar e jardim. Sou dos que acredita que uma bela sombra é melhor do que uma piscina. Desde então, tenho investido em árvores que de alguma forma me falam ao coração, tenho: mangueira, amora, carambola, limão, araçá, seriguela, ipê, coqueiro, bananeira, jambeiro, umbuzeiro (sobre o qual há controvérsias), jequitibá, paineira, algaroba e o flamboyant.
Poderia escrever uma crônica para cada uma delas, rememorando cenas da infância, juventude ou de Brasília.
O flamboyant fui buscar em Sobradinho, ele veio dentro de meu Pálio, coloquei-lhe na extremidade do lote, perto de uma barreira, para que suas raízes a fixassem. Ao seu lado, para fazer-lhe companhia, plantei um ipê rosa. Hoje, 8 anos depois, eles são bem amigos e abrigam, em seus troncos e copas, a casa da árvore do JG, e às vezes minha. rsrs
Minha história com o flamboyant vem do tempo que meus pais tinham casa na praia, em João Pessoa, e essa árvore ficava no portão de entrada, do lado de dentro do muro.
Seu nome é francês e significa árvore flamejante, pelo vermelho de suas flores.
Do alto de minha infância, a que ficava na casa de meus pais era vista por mim como gigantesca.
Escalá-la era um dos meus programas prediletos, junto com meus irmãos e primos. Depois, meus filhos também viveram essas experiências de Tarzan, menos o JG pois a casa foi vendida.
Considero que subir em árvore é uma das melhores coisas da infância.
Pelo que conto a vocês podem perceber o amor que tenho pelo meu flamboyant.

Recentemente, meu vizinho, de forma muito educada e gentil, pediu minha autorização para cortar galhos do meu flamboyant que se projetavam sobre seu quintal, sombreando-o mais da conta.
Ele nem precisava desse pedido, mas o fez pela arte do bem conviver.
Hoje, passando um tempo no alto da casa da árvore vi que dos troncos decepados brotara uma espécie de resina, como se fora um mel de árvore.
Algumas delas pendiam do tronco como estalactites, compondo com a luz que nelas incidia uma cena de indescritível beleza.
Não me contive e fiquei a matutar, ali pertinho dos troncos decepados, vivendo um estado de flow interior.
Quantas coisas na vida passamos que foram como aqueles troncos.
Coisas que quando as vivemos sentimos como se decepassem uma parte de nosso ser.
Como se perdêssemos um pedaço de nós mesmos.
Na hora, a aquela dor da perda era insuportável. Partiu nosso coração, deixou-nos fragmentados, com cacos emocionais caídos por todo lugar.
Contudo, tempos depois, no lugar da dor fez-se sabedoria, fez-se superação, fez-se renovo.
E, da poda, fez-se mel.
Mas, nem todos processos de perda, de luto, de dor, transformam-se em docilidade, em mel.
Alguns, nos tornam e fazem piores.
Causam marcas profundas que nos deixam ressentidos, resignados.
Nos deixam ácidos e azedos para com nós mesmos, os outros e a vida.
Assim como, nem todo tronco decepado transforma-se em mel, cobrindo a dor com a doçura do amor.
Restaurando vidas e ficando melhor ainda, após o desastre bio-psico-social pelo qual passou.
Esse tronco decepado, agora muito mais belo pela resina cor de ouro que abriga, nos ensina muito.
Creio fortemente que podemos transcender a dor, aprender com ela, e nos tornarmos melhores, mais sábios, gratos, generosos e mansos após o sofrer.
Se você que me lê já passou por alguma grande crise na sua vida, e conseguiu sobreviver a ela, saindo mais forte ainda, sabe exatamente de que nos fala o mel do tronco decepado do flamboyant,
Nos últimos meses tenho acompanhado pessoas queridas em momentos críticos de suas vidas, e tenho observado o mel se fazendo no interior dos corações delas.
Elas encaram seus momentos difíceis com a coragem de kamikazes, aquela que nos faz ousar esperançar a vida, mesmo que tudo ao nosso lado se desmorone.
Eu vejo o mel se fazendo na vida deles, nos caules decepados com tanta dor pelo qual estão passando.
Uma técnica oriental de reparação de objetos de porcelana quebrados chama-se Kintsugi. Ela os solda com ouro derretido.
Eles tornam-se mais valiosos e belos ainda, mesmo agora quebrados e soldados com o ouro.
Acho que o mel do flamboyant faz isso.
Cauteriza suas feridas, protegem-nas de ataque de fungos, pragas, insetos que queira nele abriga-se, pelas fendas abertas em seus troncos.
Precisamos de pessoas mel em nosso viver.
Pessoas que cauterizem nossa dor.
Pessoas que nos apoiem nas crises. Que nos amem como somos. Que nos protejam, tal qual um curativo, como esse curativo de resina-mel do flamboyant, até que possamos voltar a caminhar com nossos próprios pés;
Que nos escutem, apenas nos escutem, e deixem-nos apoiar a cabeça em seu colo.
E, eventualmente, façam até um cafuné em nosso espírito.
Podemos ser essas pessoas para quem sofre.
Eu e você podemos ser curativo de resina-mel na vida de quem passa por um grande aperreio.
Podemos ajudar. Há muitas pessoas sofrendo caladas, em estados de luto muito doloroso, que precisam de nosso amor.
Precisam de nosso mel.
Na minha vida essas pessoas foram fundamentais. Quando a minha ferida era tão grande que achava que nunca mais seria o mesmo, essas pessoas estavam ali ao meu lado, apenas dizendo: “você conseguirá, acredito em você !”.
Pessoas-bálsamo, pessoas-curativo que faziam o papel de não deixar que a morte vencesse a vida.
Enquanto digito escuto uma canção chamada Meu Abrigo, que diz: O Senhor é bom, meu refúgio em tempo de angústia.
Não seria verdadeiro nesse texto se não dissesse a vocês que esse mel nos meus caules decepados também foi provido por Jesus.
E de forma intensa e gratuita, sem eu merecer.
Obrigado flamboyant pelos ensinamentos. Aqueles que nos mostram que é possível transcender estados de morbidade emocional e superar-se a si mesmo.
Que nunca, mesmo após as maiores dores, nossos caules emocionais fiquem abertos, ressentidos, resmuguentos e reclamões. E, de tão azedos, percamos a fé na vida, nos homens e em nós mesmos. O brilho de viver.
Nunca!






Que, mesmo sofrendo, possamos ser docilidade para quem pousar em nosso ser.


Possamos blindar nossa dor com o mel da esperança, o mel da fé, o mel do perdão, o mel do renovo e restauração.






Sempre!

Cuidado com o lixo que vai se prendendo a você.



Sábado, pelas 17hrs, vinha voltando da Nissan, onde fui trocar o carro, após bem vividos 100.000 KM e 4 anos, quando vi esse carro da foto à minha frente. Bem na minha frente vi quando ele passou por cima de um saco de lixo, e o saco grudou no catalisador do escape, e lá se foi ele levando o saco consigo.
Memórias antigas vieram em minha mente, cenas que vivi tal qual a dele.
Então, acelerei e emparelhei com ele, e relatei-lhe o fato.
Ele parou para retirar o saco, coisa que não fiz em 2012, quando voltava da mesma Nissan, após comprar um carro lá.
Um saco, preso no escapamento, vai derreter e a borracha fedida vai entrar por todos os poros do carro.
Foi assim que comigo aconteceu, e agora, quase revivo a mesma cena, só que na pele do outro.
Tive dó dele e precisava ajudá-lo. Quando ele percebesse que estava carregando os saco de lixo consigo, talvez já fosse tarde, já tivesse tudo derretido e o prejuízo seria grande para recuperar o catalisador, peça muita cara no escapamento.
Engraçado foi a repetição da cena, quatro anos depois e nas mesmas condições.
Então voltei pra casa matutando sobre coisas que se grudam em nós e que fedem nosso existir.
Temos muitos sacos de lixo que se prendem ao nosso viver, ao longo de nossa jornada, e que temos que agir logo para eliminá-los.
Temos que parar nosso carro interior, e remover aquilo que em nós grudou e nos faz mal.
Mas, fazer isso exige coragem, desapego e um profundo sentido de respeito a si mesmo, também chamado de autoestima.
Se deixarmos essas coisas - tipo saco de lixo, irem fazendo morada em nós, sem delas nos desvencilharmos, a cada dia que passa o estrago será maior.
E o pior, quando o escapamento esquenta, aquele plástico começará novamente a derreter e lançar os gases tóxicos, que tiram qualquer perfume de dentro do carro, inclusive aquele de carro novo.
Entende a metáfora?
Precisamos exercitar o autoconhecimento e sacar aquilo que andamos carregando conosco, mas que não nos pertence, não nos faz bem.
Pode ser algum tipo de hábito, algum comportamento destrutivo, algo que aprendemos sobre nós mesmos e que nos faz mal.
Pode ser aquela vozinha interior que diz que não somos bom o suficiente, bonitos ou bacanas.
Pode ser aquele mala que nos suga e nos oprime, mas que dele não conseguimos nos livrar.
Aquele mala tóxico, que tira a graça de nosso viver com tanta humilhação ou dominação que faz exerce sobre nós mesmos.
Ter a coragem de parar no acostamento da vida, e meter a mão no escapamento para retirar o saco de lixo, é um aprendizado muito importante em nosso viver.
O saco de lixo que se prende no escapamento de nosso viver assume várias formas: Hábitos nocivos, atitudes mesquinhas, mágoas encardidas, perdões esquecidos, culpas históricas, arrependimentos fantasmas, pessoas vampiros e posturas para-raios de infelicidade.
Saber de onde vem o fedor de plástico queimado em nosso viver é o primeiro passo para o enfrentamento dele e sua retirada.
Mas, exige, volto a dizer, um profundo sentimento de amor próprio e coragem de mudar.
Coragem de parar no acostamento da vida e agir, no lugar de ficar apenas reclamando numa posição de vítima. Pense nisso!
Agora vou ali, ousar tirar mais uns plásticos de lixo de meu viver.

Cartas ao JG(*) - Três formas de encarar a vida.



Sabe meu filho, aprendi que existem três formas de percebemos as coisas que poderão nos ajudar a melhor enfrentar as adversidades.
Aproveito essa carta para ensinar-lhe o que aprendi no lombo.
Deixa eu contar uma recente história de nossas vidas para ilustrar as três formas de que falei.
Dias atrás, estávamos juntos no aeroporto, já em clima de pré-olimpíada, com reforço na segurança nos embarques, em muito provocada pelas táticas de guerrilha terrorista que assolam o mundo inteiro. Uma lástima.
Chegamos cedo para embarcar de Londrina para Congonhas, e ali de lá pegaríamos uma conexão para Brasília.
Na sala de embarque, ficamos matando o tempo olhando para as propagandas que passavam num dos telões.
Aí tua mãe viu a propaganda do Jeep, e cravou palavras em mim, resignada:
“Eu não disse que aqui era mais barato; olha lá o anúncio do Jeep Renegade por R$ 54.000.”
Me sarfei apelando para nossa falta de dinheiro para comprá-lo, até por esse “preço pechincha”.
A resignação era devida a que na noite anterior, após comermos o melhor sanduba de Londrina, o do Arnaldo, lá perto do Moringão, ao voltarmos para casa ela viu um outdoor anunciando essa Jeep e o preço pechincha.
Ela queria que eu voltasse para checar. Mas, já era tarde, tinha passado do retorno e a volta seria grande, e depois você esperava em casa o sanduba. Então, usei-lhe como argumento para não voltar e segui em frente, correndo o risco de uma tromba armada.
No saguão do aeroporto, incrédulo, esperei a propaganda voltar e a fotografei, queria mostrar em Brasília, onde o mesmo carro é vendido por uns R$ 70.000.
Curioso aproximei o zoom da máquina e vi que era mentira, uma propaganda descaradamente enganosa.
Abaixo do preço, tinha um porém, uma condição, com aquelas letrinhas pequenas que diziam: "condições para portadores de necessidades especiais".
Ahh!!!
Aí fui à revanche com dona patroa. Ela ficou indignada por a Concessionária Marajó fazer um anúncio viciado desses, “para pegar os trouxas”.
Esperando o avião, meditabundo, pensei: “é verdade, as coisas só são o que realmente dizem que são, quando vistas de perto. ”
Sabe filho, se não estivesse aproximado a lente não veria as letrinhas miúdas que na verdade revelava que o preço não era para mim, pelo menos no momento, era pra pessoas com algum tipo de deficiência.
Vão aparecer pessoas na sua vida assim, como aquele cartaz. De longe você comp4ará, mas com a convivência verás que é tudo mentira, fachada. 
Cuidado com essas pessoas cartazes enganosos, pessoas com letrinhas pequenas escondidas nelas, e só com a convivência vocêe conseguirá ler as entrelinhas delas, e poderá se surpreender.

Essa foi a primeira constatação. A primeira das três sacadas sobre a perspectiva das coisas: olhe de perto a situação. Cuidado com o calor da emoção, têm situações que pedem frieza, análise apurada e muita capacidade de perceber os detalhes, para só depois agir.
A segunda sacada ainda vem do aeroporto, das salas de embarque. Chegamos cedo para a conexão em Congonhas.
E, para matar o tempo, ficamos vendo os aviões pousarem ou taxiarem na pista.
Notei uma coisa que nunca tinha parado para ver, ou pensar nela, na parte de cima de um avião não é lisinho. Tem uns três calos, tipo uns montinhos.
Pelo menos nos que vi aproximando-se do finger. Aí pensei comigo: “ué, não é lisinho como barriga de mulher grávida.”
E, ali tive a segunda sacada que agora te ensino, algumas coisas precisam ser vistas de cima, para que a compreendamos de uma melhor maneira.
Se eu não estivesse naquela posição privilegiada, não teria visto o que vi, e ainda juraria de pé junto que acima de um avião é tudo lisinho.
Coisa que precisamos transcender para entendê-las. Olhá-las duma prumada mais alta. Ou seja, percebê-las do alto de nós mesmos.
Ficam as dicas meu filho, têm coisas que para serem melhor percebidas precisam ser vistas de perto. No caso do anúncio do Jeep.
Outras, de uma perspectiva superior. No caso da parte de cima de uma visão.
Durante tua vida lembre-se dessas dicas diante de situações problemáticas.
Em alguns problemas que enfrentará analise-os de perto, desça aos detalhes, e tenha cuidado com as letrinhas miúdas.
Entende a metáfora?
Tem coisa que aparentemente é legal e fácil de enfrentar, mas que esconde sutilezas que só no enfrentamento das situações se farão presentes e poderão te atrapalhar. Só as vendo de perto. Considere isso.
Cuidado com os anúncios de almoços grátis na vida. Na vida, não tem almoço grátis.
Tudo é conquistado com dificuldade, disciplina, superação de si mesmo e coragem.
Talvez aí esteja um dos hormônios do bem viver.
Têm coisas que você não poderá compreendê-las, em todas sua magnitude e complexidade, sem uma visão elevada.
Coisas para as quais o conhecimento delas fugirá do domínio da lógica racional, de uma planilha de Excel, ou um modelo cartesiano explicativo.
São as coisas do reino do amor, do perdão, da esperança, do otimismo, da gratidão e generosidade.
Esse tipo de família das “coisas” pede um olhar elevado sobre elas, um olhar e agir espiritual.
Então, amado filho, desenvolva essas duas visões que em muito te ajudarão.
A visão minuciosa de uma situação, analisando-a mais de perto.
E a visão elevada de uma situação, analisando-a na perspectiva espiritual, a dos valores.
A terceira das dicas eu retiro de uma foto que fiz de você, quando visitou-me no trabalho, à caminho do dentista.
Nela, você está escondido embaixo de minha mesa. Brincando de caverna.
Olhando a foto percebo que fios passam abaixo da tampa de minha mesa.
Nunca tinha visto esses fios, mas eles estavam ali, e antes que eu chegasse ao setor já estavam.
Só consegui vê-los ao ajoelhar-me para tirar a foto de ti.
Haverá situações que exigirão de ti uma postura de humildade, de trainee da vida, para melhor aceitá-las. Um começar de novo, um bater a poeira e voltar à cena, mesmo que em farrapos.
Exigirão desapego, renúncia, sapos engolidos. E muita tolerância e flexibilidade de pensamento.
Situações para as quais não estava preparado e que acabarão acontecendo.
Essa é uma postura sábia de aquebrantar-se, de humildade diante dos aperreios da vida, e nos calafrios que se tem quando se mira um amanhã incerto.
Contida nessa última cena, a que me abaixei para melhor te ver, estão os joelhos no chão.
Muitas coisas precisam ser vistas pelo prisma da oração, da misericórdia, da compaixão e mística de si mesmo, dos outros e da vida.
Mais muita mesmo!
Acredite em mim, os joelhos no chão abrem em nós uma visão interior poderosa, uma visão de serviço, uma cultura de paz e respeito.
Os joelhos no chão ajudam-nos a compreender o incompreensível.
A consolar o que sem colo está.
A continuar, mesmo quando todos ao nosso redor já desistiram.
A ouvir o inaudível. Aquele que brota das palavras não ditas.
A tocar no que não tem forma. Aquilo que se faz presente, mesmo na ausência.
A curar o coração gangrenado. Daquilo que parecia sem jeito ser.
A abençoar quem com nós cruzar o caminho. Mesmo que estejamos com pressa e aflitos.
Os joelhos no chão abrem janelas na alma. Então, filho meu, o tema dessa carta é a visão.
Resumo as três dicas:
1. Esforce-se para ver as coisas de perto, interesse-se por elas. Não fique na arquibancada, vendo de longe o jogo de tua vida. E cuidado com as propagandas enganosas: de você mesmo, dos outros e da vida. Chegue mais perto para ver melhor e poder decidir.
2. De vez enquanto suba na mesa para ver os problemas de uma prumada superior. Transcenda seu mundinho, voe, libere e expanda sua consciência, elevando seu espírito até o reino dos valores. Os valores ajudam-nos a ver coisas que ninguém está vendo, ou agir de forma pela qual ninguém age. Ajudam-nos a perseverar e a discernir. São nosso GPS interior.
3. Por último, tem fiações que suportam a energia de estruturas que só são vistas se ajoelhando, se humilhando, se aquebrantando de toda vaidade, orgulho besta, amor próprio ferido e auto-estima violentada. Situações que exigem a perspectiva interior, a simplicidade e uma postura orante diante delas, para serem melhor compreendidas e acolhidas. Situações de luto, de desapego, de rupturas, de recomeços, de profunda angustia e decepção com a frustração de expectativas. Para elas, foque nos fios que estão conduzindo sua energia emocional, que não serão vistos e compreendidos - em sua esplendorosa e mística razão de ser, e de agir sobre nós, os outros e a realidade, caso não nos coloquemos humildemente de joelhos e a Ele apelemos.
Diante de situações limites que viverá use uma das três alternativas: e conseguirá atravessá-las a bom termo.
Quando postei esse texto no Facebook um amigo, o Claudio, lembrou o que falou Saramago, que tem tudo a ver com o texto e com ele encerro essa reflexão: "Saramago conta da vez em que conheceu a coxia de um teatro. Visto da plateia, luxo, dourados e veludo, lindo. Da coxia madeira, cordas e teias de aranha. "Para se conhecer há que se dar a volta". A citação é de cabeça, mas a ideia é bem esta. Alguns passos de afastamento, um novo ponto de observação, tudo contribui para a melhor compreensão."

(*) JG = João Gabriel, 7 anos, meu quarto filho.

Cuide da sua mudinha de felicidade


Aprumei-me entre as cadeiras apertadas das mesas individuais, da varanda da Padaria Savassi, nas quais tomo meu café matinal.
Aí escuto uma voz feminina, vindo da mesa de trás, fazendo seu pedido.
“Tem pão francês integral?”
- Sim
“Coloque só o queijo de minas na chapa, mas o pão não. E quero leite desnatado e café descafeinado, pode ser?”
- Pode
Pensei com meus botões: se fosse casado com essa estava lascado. rsrs
Eis que ela continua. “E coloque na minha conta um misto quente para esse rapaz da mesa de trás”.
Eita!
Não resisti, e como quem não queria nada querendo, virei-me para ver a cena.
Ela aparentava uns 20 e poucos, e o rapaz estava com expressão de quem tem fome. Daquelas em que os olhos ficam vazios.
Engoli em seco minha crítica ácida, ao mundo diferente dela, dos descafeinizados, desnatados e integrais, e passei a admirá-la.
Que gesto lindo!
Na saída, passei pela garçonete e pedi que ela transferisse o débito do Misto para minha conta. E que dissesse à cliente que já estava paga. Eu queria participar daquilo também, e me redimir por tê-la julgado.
Passei a segunda com vários sorrisos nos lábios, e um coração transbordante de gratidão. Meus pais chegaram em paz, de volta ao seu lar, em Campina Grande-PB.
A festinha do JG e do Tiago foi muito legal.
E o curso que ministrei em Goiânia deu certo, em sua proposta pedagógica e na avaliação dos resultados.
À noite, dirigi-me para a faculdade. Como só as Pós-graduações estão funcionando, as cantinas fecham, não há mercado que justifique sua abertura.
Contudo, estava com fome e procurei um pé sujo de calçada.
Estavam todos fechados, à exceção de um deles, para o qual me dirigi.
Pedi um estrogonofe de frango, e o dono foi aquecê-lo. Acho que fui o primeiro cliente daquele prato.
Durante aqueles longos minutos em que esperei, presenciei duas jovenzinhas vindo em direção à barraca.
Creio que tinham uns 12 anos. Elas perguntaram ao dono o havia para comprar, e ele anunciou solenemente: hambúrgueres, caldos, estrogonofe e lasanha. Elas se entreolharam e perguntaram se não tinha pastel ou coxinha. Não tinha.
Então, uma delas, a mais alta, tomada de coragem perguntou-lhe quanto era o caldo. Ele respondeu-lhe: R$ 5,00.
Elas, de maneira bem tímida, abriram as mãozinhas e contaram as moedas e uma nota de dois reais.
Fecharam as mãozinhas, baixaram a vista, e quando se preparavam para ir embora eu as abordei, e com tato.
Perguntei-lhes se a mãe delas estudava na faculdade. Elas disseram que sim. E que estavam aguardando-lhe fazer uma prova.
Disse-lhes que eu era professor, e que os caldos já estavam pagos. Que para mim era grátis. (tirando onda, eu botei na minha conta, disfarçadamente, num sinal para o dono)
E que elas poderiam comer à vontade, inclusive as torradas. Foi uma felicidade só.
Ouvi um: “Deus lhe pague”. E soltei um: “Quando vocês estiverem na faculdade paguem um caldo para o professor, e estará tudo quites”. Elas sorriram, incrédulas com o gesto.
Voltei para a sala de aula feliz. Daquela felicidade boba, tipo a que sentimos quando ajudamos alguém, sem querer nada em troca.
Poderiam ser meus filhos, com fome, esperando pelos seus pais. Não fiz nada demais. Só retribui o que recebi da jovem do café descafeinizado da padaria. Só dei sequência à corrente de gratidão.
As aulas foram maravilhosas. Cada grupo conduziu uma reflexão, a primeira delas sobre a importância para a qualidade da vida da percepção do bom, belo e virtuoso, e por isso ser grato. Foram tantos depoimentos que eu babava. Teve até o jogo da Adedonha, senti-me criança e ri bastante, e uma dinâmica bem legal para se colocar no lugar do problema do outro, vendo-o de uma outras perspectiva e forma mais positiva de enfrentamento. Foi uma overdose de auto-ajuda coletiva, e das boas.
Na segunda aula, outro grupo refletiu sobre a diferença entre a vocação de um poste de fiação elétrica e uma árvore. Um não cresce mais, e condena sua existência a ligar e desligar, apenas.
Condena-se à rotina das coisas.
Já a árvore, abriga pássaros, insetos, dá sombra, fruto, flor, e segura a terra durante as enchentes, e nunca para de se desenvolver. Não envelhece, renovando-se a cada estação do ano, e que assim devem ser as pessoas. Uauu!!!
Recebemos cada um de nós, do grupo que se apresentava, uma pequena muda da Árvore da Felicidade, aí a alegria foi completa.
O grupo concluiu: Felicidade se semeia, se trata, se espera, se ara, se aduba, se apara e se cultiva. Nunca li tratado sobre a felicidade mais preciso. Falaram tudo.
Era para a aula terminar 21h30min e, pela minha experiência, pelas 22hrs estaria passando pela Av. do Sol voltando para casa. Mas, a aula estendeu-se até as 22h30min, e quase fomos expulsos pela segurança.
Voltando para casa, testemunho bombeiros e policias na Av do Sol, estava um verdadeiro caos.
Soube que às 22hrs houvera tido um grave acidente nela, com colisão frontal e vítimas presas nas ferragens. E os bombeiros ainda trabalhavam para resgatá-las quando passei por lá.
Poderia ter sido meu carro, dado que a colisão foi frontal, com engavetamentos posteriores.
Não sabemos as conexões que a vida vai nos fazendo, os livramentos que vamos sendo poupados, não sabemos a força de nossa voz e gestos, nos ecos e moldagem do infinito.
Não sabemos.
Cheguei em casa morto de cansado, mas muito feliz e com minha mudinha intacta.
JG (7 anos) tossia muito, ele dormia no nosso quarto.
Preparei-lhe uma dose de xarope de tosse seca. Resgatei-lhe da rede. Dei o remédio, e o levei para a sala, deitei-lhe sobre meu peito, numa posição mais vertical, para diminuir o desconforto do liquido que irrita a garganta e faz tossir, e esperei uma meia hora fazer efeito. Perto da meia noite, ele parou de tossir e cochilou no meu peito.
Deitei-lhe em sua cama e agradeci ao bom Deus o momento de intimidade e cuidado que pude ter, a partir daquele acesso de tosse.
Antes de dormir, fui olhar minha mudinha da Árvore da Felicidade e a toquei-lhe suavemente. Ela me sorriu.
Talvez a felicidade seja feita de breves instantes, que estar presente nos possibilita enxergá-los.
O instante quando recebemos a ligação de nossos pais, o de um cafezinho matinal, o de cuidar de um filho, de jogar Adedonha, de contemplar a comunhão de saberes, com olhos de lua cheia, de se doar, de servir, de receber ajuda, da percepção de ter tido um livramento, de sentir-se inspirado por exemplos e de alegrar-se com as coisas simples da vida, como comer um estrogonofe de beira de calçada. Ou, de acariciar frágeis folhinhas de uma muda de Árvore da Felicidade, desejando-lhe bobamente boa noite.

Para um coração enlutado que me lê.


No vale de lágrima em que se meteu, só caminhe.
Dia após dia, só caminhe.
Mire a luz e caminhe.
Não se assuste com os répteis, com a chuva, lama, vento, trovões e raios.
Não tema o escuro dos dias.
Só caminhe em direção àquela luz, vinda das montanhas distantes.
A esperança de outros dias está lá, acredite e caminhe.
Haverá dias melhores, dias piores, dias que vai querer parar, ou voltar para o terreno encharcado e fétido de teu coração.
Aceite esse dias. Não se puna, nem se cobre demais por perder as forças, momentaneamente para caminhar.
Descanse, sentada na lama, e chore as mil lágrimas.
Não se olhe no espelho, nesses dias, pois estará descabelada e feia, e não se reconhecerá.
Evite o espelho.
Mas, digo-lhe, levante-se e caminhe mais um passo em direção à luz.
Num dia qualquer, após modorrenta jornada, ao dobrar aquela curva enlameada, sentirás fome e vontade de colher frutas à beiraria da estrada.
Fazia tempo em que não sentia fome, nem prazer algum.
Após a curva, o choro começou a rarear, no lugar dele uma saudade presente e amiga se fez morada.
Tu procurará num canto qualquer de tua bolsa em farrapos um pente e lentamente vai desembaraçar teu cabelo.
De cima daquela pedra, mirarás o horizonte, e se penteará, fitando-lhe novamente no espelho de água, não mais tanto enlameada.
Se verás.
Não como era,
Agora tem cicatrizes profundas, abertas nos sulcos de teu coração.
São tuas cicatrizes, apenas.
São marcas quem em ti se fizeram da dor que viveu.
Mas são tua, és tu agora.
Lentamente tu vai se erguer dessa pedra em que se sentou e voltou a se ver.
Vai sentir uma vontade tremenda de viver, de ser, de se refazer.
Muitos ainda precisam de ti, esperam por ti, dependem de ti.
Sentirá um ímpeto enorme de continuar caminhando em direção á luz. Quase correrá.
Caminhe.
Só caminhe.
Não apresse o passo e perdoe aos que não te compreendem na tua dor, querendo carburetizá-la. Eles não fazem por mal. Só não sabem como lidar contigo, ou tirá-la do vale de lágrimas.
Caminhe, não corra.
Só caminhe, alguns dias hesitadamente. Noutros, muito lentamente. Noutros, angustiadamente. Noutros, depressivamente.
Mas, caminhe!
Não queira ser o que não está sentindo. Não banque a forte.
Não queria ser aparência.
Nesse caminhar, a dor é tua e de mais ninguém.
Um belo dia, ao acordar, verás que não pisarás mais na lama de teu luto, na lama em que se tornou teu ser, após tanta dor que de ti se apropriou.
Levante-se continue a caminhar.
E, lembre-se sempre, nessa caminhada você não estará só.
Milhares de caminheiros enlutados caminham contigo.
Outros, juntam-se a ti te apoiando, te seguindo, dando-lhe força para, passo a passo, avançar. Porém, respeitam teu próprio ritmo.
Entre eles, eu caminho contigo.
Sei que tua dor é descomunal, inexplicável, que não se pode medir em força e abrangência.
Eu sinto.
Mas, acredite em mim, caminhe!
Não se envergonhe de aparentar estar frágil. Não se envergonhe de ser vista descabelada, chorosa e feia.
Te amamos assim, e no vale de lágrimas não há espelhos.
Bora, levante-se e venha mais um passo.
Chega, apoie-se no meu ombro, bora caminhar mais um pouquinho até aquela pedra ali.
Veja como a luz que vem das montanhas está aumentando.
Não desista de si mesma, bora, caminhe mais um pouco.
Tem muita gente naquela montanha de luz, gente que já fez essa caminhada, esperando e torcendo por ti.
Acredite!

Somos o que respiramos e expiramos.

Hoje acordei para fotografar orquídeas e vi que soprava vapor, 8 graus em Londrina. Soprar vapor é uma boa metáfora, embora fria, do estar vivo. Você solta o ar pela boca e aquela fumacinha lhe diz: olá, bom dia! 

Nossas emoções, também são assim, vem de dentro. E, nem sempre a vemos agir sobre o ambiente ao nosso redor. E sempre age, em nós e nos outros, que compartilham do ambiente de nosso hálito emocional. Hoje escolhi soltar fumacinhas de ternura, gratidão e paz. Espero que algum delas chegue em teu coração e te faça bem.

Podemos não ter controle sobre as emoções que respiramos, mas temos sobre as que decidimos 

Instantes



Um artista de rua faz malabarismo com tochas, equilibrando-se na vida. 
Um trabalhador carrega o pescado até a banca, cheirando o trabalho ao sorrir. 
Um quadro, rememora o sacrifício do Cordeiro, por nós imolado. 
Uma vó brinca com seu neto, fecundando eternidades. 

E assim a vida vai se tecendo: na arte, no trabalho, na espiritualidade e no aconchego da família. Fio a fio, trama a trama, o novelo de lã vai se desfazendo e compondo infinita possibilidades. Têm vezes que o fio acaba, num dos novelos, mais logo o outro chega e supre-lhe a perda. E as cores vão se misturando, num arranjo multicolorido de experiências, dando sentido à nossa existência. Estruturando o pano de nossa jornada, vamos nos percebendo como um nós. Partes de tudo em nós se molda e nos molda, constituindo-nos como pessoa única. Olhamo-nos no espelho e nos assombramos com a beleza dos outros em nós. Tingidos em mil tons no pano de nosso acontecer e dão vida e sabor ao nosso envelhecer. Quando o trabalho nos negar as cores, que nos redima a arte. Quando a arte for calada, e os fios de aço imperem, que nos salve o Redentor. Quando a espiritualidade adormecer, e não mais encontrar razões para ajoelhar, que na família ela se reencontre. E, quando a família dilacerar sentimentos, que nos valha o trabalho, a fé e a arte.

Festar é preciso

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Outro dia via o Globo Rural, cedinho pelo domingo, gosto de ver as coisas da roça e curto o programa. No daquele dia, de 26/06/2016, um dos destaques era a festa de São João que um empresário agrícola deu para os funcionários de sua fazenda.
Festão para São Pedro nenhum botar defeito.
Numa das cenas, o repórter passa a entrevistar os peões, tratoristas, pessoal dos viveiros e quem lida com a criação.
Todos expressavam muita alegria, até que um deles, o Diogo Santos, definiu numa frase lapidar o momento que vivia:
“É hora de festar. É hora de compartilhar felicidades...”
Juro pessoal, não editei a frase. A frase que o Diogo falou foi exatamente essa.
Diogo nos deu uma aula sobre a arte de bem viver, do alto de sua simplicidade de peão de “bate-volta”. Aquele que leva e traz o gado para o confinamento.
Suas palavras ensinam muito, ditas com tanta ênfase aos 4min50seg do vídeo aqui disponível:
Creio que andamos perdendo a capacidade de “festar” a vida.
Nossa sociedade anda muito mau humorada. Pode até saber fazer festa, ou participar de festas, mas desaprendeu a festar.
Depois, explico-lhe o que quis dizer.
Andamos craques em procurar razões para ser infeliz, e vamos perdendo o encanto de uma vida simples, virtuosa e em paz. Imagine a pessoa que passa o dia consumindo intrigas, mágoas, reclamações e rabugices, como o “festar” vai fazer morada no coração dela?
Festar e compartilhar felicidade é uma questão de saúde emocional. Não que devamos nos alienar, fechar os olhos para as críticas e dificuldades. Nada disso. Mas temos que ter cuidado para não ficarmos envenenados, ou contaminados, pelo apenas ruim, negativo e por aquilo que nos apequena.
Amanhã estou pensando em festar o nada. Você sabe festar o nada? Festar o nada é quando nos lembramos que estamos vivos, e escolhemos uma hora para comemorar o fato.
Festar o nada é quando nos lembramos de gostar de nós mesmos, e conosco vamos compartilhar felicidades, abrindo o baú de bons momentos vividos, alguns deles encardidos em velhas fotografias.
Festar o nada é lembrar do que ainda temos, e anda passando despercebido, escondido nos subterrâneos da indiferença.
Festar o nada é escolher um momento para brindar o que nos sobra, deixando de lado, mesmo que um momento, as preocupações com o que nos falta.
Festar o nada é parar para celebrar o caminho, mais que a chegada. Festar o nada é agradecer estar vivo.
Amanhã tem festa do nada lá em casa. Uma festa que farei para mim e para quem quiser aparecer. Traga cerveja gelada, caso vá, e uns ovos cozidos e amendoins.
Eu tenho uns camarões, tipo lagostins, guardados no freezer, e vou fazê-los para minha família. Não darei aula, e aproveitarei a folga para festar. Nada de tablet, celular ou TV. Vou desconectar-me.
Só o prazer de cozinhar uns camarões no alho e óleo, daqueles de preguiçoso mesmo.
Na vitrola, Geraldo Azevedo. E vou ver fotos antigas, degustar conservas emocionais.
Vou fazer a barba e ficar bonito para esperar mim mesmo. Acho que vou inaugurar a panela nova que comprei em Londrina. Já não tenho tanta vontade de guardar coisas novas, para um uso num futuro qualquer, que nunca que chega.
Uma amiga postou que foi professora destaque do Centro de Ensino no qual leciona, ela compartilhou felicidade. Fiquei feliz. Tem gente tão pobre de espírito, daquelas que colecionam razões para ser infeliz, que fica incomodada com postagens de realizações, conquistas e passeios dos outros. Eu não.
Eu acho que elas estão fazendo o que o Diogo nos ensinou, estão compartilhando alegrias.
Hoje degustei felicidades compartilhadas. Um amigo postou que foi aprovado na bolsa de pós-graduação, ele estava feliz, e eu com ele.
Um outro amigo compartilhou um vídeo no qual um patinho que seguia sua mãe pata, caiu num bueiro de esgoto, daqueles com grades na abertura.
Pessoas perceberam o drama e pararam tudo para resgatar o patinho, erguendo a grade. Fiquei feliz, ao ver a bela cena solidária.
Sim Diogo, você está certo, precisamos arranjar mais motivos e tempo para festar a vida e compartilhar felicidade, degustar felicidades.
Arranjar motivos, sabe como é? Olhar as beiradas da vida, tirando o foco somente no que angustia, preocupa ou aflige.
Hoje, após o almoço, fui tomar um café com o Pauletta, no Marzuk.
Comprei por lá um quibe para o JG, um ninho de nozes para dona patroa, e uma kafta de carneiro para mim, agora, perto das 21hrs vou festar com carneiro.
Não precisa de muito para re-aprender a festar.
A atitude de festar pede simplicidade, humildade e gratidão. Pede paz interior e o cultivo de um jardim de espiritual. Pede perdões. Mil perdões.
Tem também que saber se desconectar do que não interessa, e conectar-se ao que realmente importa.
Você pode festar a vida fazendo um arroz com ovo, dançando sozinho, cantando no chuveiro, revendo lembranças dos passeios que fez.
Você pode festar a vida orando ao Deus que tudo cuida, ligando para um amigo, ou surpreendendo com alguma atitude, na relação a dois, já “monotizada”.
Você pode festar a vida permitindo-se ir a um parque, ao cinema. Permitindo-se ao nada do tudo que acontece ao teu redor.
Paulo estava certo quando escreveu aos Filipenses apelando para que “tudo o que for verdadeiro, tudo o que for honesto, tudo o que for justo, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, nisso pensai.” Fl 4,8
Para Paulo, essa era a receita do festar e do compartilhar felicidades. Ele marcou um bingo, ao sacar que o festar e a felicidade habitam nossos pensamentos, caso sigam sua receita (justiça, pureza, amabilidade, honra, verdade e louvor).
Mas, para que esses pensamentos habitem nosso ser, temos que eliminar outros, não tão edificantes. Para ter essa postura temos que ter cuidado com o que ingerimos e o que expelimos de emoções, sentimentos e verbalizações diante da vida, do outro e de nós mesmos.
Têm tristezas, lutos, decepções e melancolias que precisamos ousar botá-los momentaneamente numa gaveta, segrega-los num canto de nosso coração, para que outros humores possam em nós agir. Para dar uma chance ao bem-estar. Saber apreciar um bom vinho, num copo de extrato de tomate.
Mas, pra fazer isso tem que ter coragem de sair da posição de dor, de vítima das circunstâncias, e permitir-se – mesmo que por um breve momento, encapsular o triste, para que ele não saia contaminando tudo em nosso viver.
Agora vou ali pré-festar amanhã, comendo aquela kafta de carneiro, acompanhada de uma latinha.
O pré-festar é tão bom quanto o festar, aprendi isso festando. É a festa do caminho.
Compartilhemos felicidades, não temamos ser mal compreendidos, vítimas de inveja ou de falsas interpretações. Sejamos autênticos, sem ostentação, sem esnobismo.
Quem faz isso – critica a alegria do outro, fará de todo maneira, com qualquer tipo de post.
Não tem jeito, então não limite sua expressão feliz ao que o outro pode pensar, ou achar.
Se ele for mal, você pode postar até desgraça que ele vai achar que é pouca.
Vai criticar. Simples assim.
Portanto, festeje sua vida sem escrúpulos, ou medo do que vão achar, e aprenda a compartilhar felicidades.
Os de bem vão se deliciar com tuas vitórias e alegrias.

Sobre a intolerância social, pretensamente culta.



O dia amanheceu lindo em SP. Logo depois do café, saímos em direção ao bairro do Bom Retiro. Minha esposa queria fazer compras na José Paulino, e eu iria aproveitar um vale-manhã para conhecer a Estação e o Parque da Luz, enquanto ela zanzava pelas inúmeras lojas.
Marcamos de nos encontrar às 11hrs, na esquina, e então parti com o JG (meu filho de 7 anos) em busca de aventuras.
A Estação estava fechada para visitas, em reformas, por causa de um incêndio que ocorreu em parte de suas instalações.
Seguimos para o Parque da Luz, que fica na rua ao lado.
Lá ficamos deslumbrados.
JG corria por entre Figueiras centenárias, tentando inclusive subir em algumas delas. Noutro lugar, uma cascata dava um tom de roça, no centro da cidade grande.
A luz se fazia até que fechou o tempo. Um guarda municipal da Prefeitura de São Paulo abordou-me com cara de poucos amigos.
Perguntou-me qual motivo das fotos, e, onde eu as usaria?
Atônito com a pergunta, recuperei a calma – item de primeira necessidade em intervenções policiais, e afirmei que eram para registro pessoal.
Não satisfeito, ele pediu meu nome completo e RG.
Forneci e ele “me liberou”, sem explicar-me o motivo do pedido, nem ousei perguntá-lo, temo mais polícia do que os zumbis que dormem nas ruas de SP.
Senti-me como um meliante.
Continuei conhecendo o Parque, e lá vem ele novamente. Pergunta-me se tenho email.
Disse-lhe que sim, e forneci-lhe.
“Solto”, novamente parto com o JG, não precisa nem dizer que já tinha perdido a graça do passeio. É muito ruim se sentir vítima de ordem e poder, sem nexo, de qualquer que seja a Instituição que dela emane.
Pedi para o JG ficar entre 3 Figueiras, para um bom registro e com a luz apropriada. E lá vem o guarda novamente. Fala que estou pisando na grama, e que não é permitido.
Sem graça, fiz mais algumas fotos e saí daquele lugar.
No outro dia, fui pra Londrina. Na casa de dona Zilda, percebi que o galinheiro que tinha no fundo do quintal continuava sem galinhas. Perguntei-lhe do galo que ali morava. Ela revelou-me que o vizinho implicou com seu “cacarejar”, no raiar da madrugada, e de tanto importuná-la sobre o galo que cantava cedo, ela resolveu fazer canja dele. Não queria confusão com o vizinho.
Tomando uma geladinha, por sinal acompanhada de uma feijoada divina, leio as postagens do meu WhatsApp. Vejo que tá rolando um debate na comunidade de meu condomínio. A razão foi um post de um dos condôminos reclamando que no sábado, pelas 22h30min, algumas crianças tinham descido a calçada da rua de skate e enlouquecendo os cachorros que destrambelharam a latir.
Ela alegou que a paz foi violada, na lei do silêncio, e todos os demais entraram no mesmo tom, apoiando-a, alguns inclusive sugerindo que a família dos meninos fosse denunciada para que eles pagassem multa e aprendessem.
Não adiantou algum dos condôminos alegar que é período de férias escolares. Aí foi que abriga pegou fogo.
No aeroporto, preparando-me para voltar pra Brasília, após umas micro-férias, acesso o Facebook e vejo um post de um amigo. Ele relata que preparou, para cada passageiro do voo que faria com sua esposa e filhota de 9 meses, um chocolate e um bilhete.
Os dizeres do bilhete, que acompanhava o chocolate, pediam que as pessoas tivessem paciência, caso sua filha chorasse com dor de ouvido, e que era a primeira vez deles viajando com ela, para a casa da vovó.
Que tipo de sociedade é esta que estamos criando, sem empatia alguma?
Cada um que quer ter mais direito que o outro.
Direito ao não ouvir o cantar do galo do vizinho.
Direito a importunar um pai que tira fotos com o filho, em nome de sei l´[a que imbecil de ordem.
Direito à xingar a família de crianças que se divertem num condomínio fechado e horizontal, em tempo de férias.
Direito à ficar aborrecido com um jovem casal que transporta sua filha no avião e ela chora com dor de ouvido.
Uma sociedade birrenta, que todo mundo se acha superior ao outro e extremamente individualista, sem falar no narcisismo digital.
Com pouco espaço para empatia, tolerância, flexibilidade e aceitação de situações que a vida coletiva acaba por produzir.
É o tal do politicamente correto, que vai produzir uma geração de gente que quer cada vez mais seu direito, mesmo sendo egoísta, se colocado numa prumada maior, o da perspectiva do outro.
Um direito excludente, que tira o outro da jogada.
Daqui a pouco teremos gente protestando por estarmos respirando do mesmo ar dele, ou por expirarmos o ar perto de seu metro quadrado de limite social.
Todo mundo cheio de direitos. De razões. De orgulho e prepotência social. Gente besta demais.
Gente sem paciência, sem misericórdia, gente sabida demais!
Que me dá nojo.
Agora quando é nos olhos deles, aí sim, eles querem um tratamento diferenciado, excepcional, querem e exigem compreensão.
Pouco a pouco, essa loucura social vai tirando de nós o prazer de estar juntos. Tudo vai ficando excessivamente sem cheiro, cor, toque de gente.
Artificializamos a vida. E perdemos autenticidade, identidade. Vamos ficando iguais. Daqui a pouco falar alto em barzinho vai ser motivo de multa.
Tudo asséptico, incolor e insosso.
E aí a vida perderá sua maior beleza, a da desordem organizada, que dá sentido ao aglomerado de gente que se chama de comunidade.

Abaixo a denúncia na ouvidoria da Prefeitura de SP.

 14042530
Dados da Solicitação
Assunto:Parques Municipais / Denúncia
Especificação:Segurança em Parques Municipais
Observação:Fazia turismo no Parque da Luz, quando fui intimidado e constrangido, na presença de meu filho de 7 anos, por um guarda municipal. Ele queria saber para que uso eu faria das fotos que estava fazendo, depois pediu-me nome e RG, depois, não satisfeito, pediu-me meu email. Depois, passou a seguir-nos de longe, intervindo ainda quando eu tirava foto dele, perto de umas 3 figueiras, por estar com os pés na grama. Ele estava só, é negro, baixinho e meio forte. Se é proibido tirar fotos no Parque da Luz tem que ter uma placa com essa informação. Não pode constranger um turista, se eu não fosse calmo e psicólogo aquilo poderia ter evoluído mal. Moro em Brasilia e posso falar pelo celular 61993112906. Escrevi no meu blog sobre o ocorrido em: http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/2016/07/sobre-intolerancia-social-pretensamente.html Coloquei o endereço do hotel Normandie onde fiquei hospedado no ap. 907.

Data da Ocorrência:=20/07/2016
Hora da Ocorrência:=09:00
Descrição do Local da Ocorrência:=Parque da Luz

Atitudes Pipoca



Estava no segundo dia do curso, perto da hora do primeiro intervalo, e eis que adentra a sala o César, trazendo consigo refrigerantes, pão de queijo, umas broas de milho e uma bacia de pipoca.
César já tinha me ajudado bastante no dia anterior, a montar a sala, testar equipamentos e fazer as “horas prévias” do curso.
Um verdadeiro anjo da guarda.
Mas, o que me comoveu mesmo, foi a pipoca. A pipoca foi a cereja do bolo.
Não é comum servir pipoca em coffee-breaks. César fez, portanto, o incomum, surpreendendo-me com sua capacidade de servir e encantar.
Aquilo deu um novo ânimo à dinâmica do curso.
Nunca vi alguém comer pipoca em enterro. Pipoca é algo que nos fala de alegria, de afeto, de paz, de coisas boas – do tipo cinema do lado de quem se gosta.
A pipoca surpreende. De um milho tensionado pela energia de óleo, em aquecimento, explode algo inusitado, impensável, metamorfoseado e totalmente diferente da sua essência, forma, cor, textura e sabor anteriores.
Gosto de pipocas, mas querido leitor, é só uma metáfora. O texto não é sobre pipocas.
É sobre pessoas-pipoca. Pessoas que surpreendem, explodindo coisas boas ao seu redor, e alterando a ordem das coisas, e para melhor.
Influenciando no permanente do cotidiano rotineiro, colocando seu traço, deixando seu legado.
Pessoas que amadurecem, na caçarola da vida, tornando-se melhores.
Como o César que deixou seu legado naquele curso.
Gosto de observar atitudes-pipoca. Daquelas que dão água na boca de provar, ver ou até fazer.
Atitudes que irrompem do mesmo lugar na qual nada acontece, e, como num passe de mágica, elas fazem o novo, de coisas velhas e nem mais percebidas.
Atitude-pipoca. Daquelas que nos surpreendem, e para melhor.
Creio que os cursos de administração, liderança e até em processos seletivos deveriam valorizar mais as posturas profissionais do tipo pipoca. Formar com mais ênfase profissional para a cultura do serviço, do tipo surpreenda-me!
Sorvo meu cafezinho, enquanto escrevo esse texto mentalmente. Sinto falta da Ju, que era quem me atendia. Ju deu à luz e está de licença.
Sinto falta de sua postura, ou atitude, pipoca.
Sinto falta de sua atenção, acolhimento de mim mesmo, do fino trato com o qual trazia o café, nunca molhando o pires, ou aquele quando ela me perguntava se eu queria algo mais.
Essa outra que me atende é um robô tirador de pedidos. Eu não existo para ela.
Para ser um funcionário pipoca não precisa ser extrovertido. Não precisa ser carismático. Não precisa ser descumprir a norma, ou vender o que não está à venda.
Só precisa sentir o trabalho, degustar o dia com tesão. Prestar atenção em tudo que ocorre, nas beiradas da vida. Sentir o que se faz. E como o que se faz pode ser melhor, na perspectiva dos clientes, deixando seu legado a cada atendimento.
Já passei uma temporada em hospital, e, com poucos dias, já reconhecia funcionários-pipoca, e funcionários-milho.
Os primeiros despertaram potenciais adormecidos e transformaram-se em algo melhor.
Os segundos, são só um monte de milho num saco. Perderam sua identidade. Sua vocação de ser mais, de transformar-se em algo bom, belo e virtuoso, algo do tipo "comer pipoca".
Viraram autômatos dos processos que conduzem. Perderam-se da magia e estão aprisionados nas celas da rotina e nas grades da indiferença.
Você já percebeu como uma pipoca é diferente da outra?
E como um punhado de milho é parecido?
Será que estamos produzindo em nossas famílias, escolas, igrejas e mundo do trabalho pessoas do tipo milho, e aos milhares?
Pessoas que perderam o encanto de servir, de sentir o viver, de transformar realidades e deixar sua marca por onde passam, independente da atividade que produzem.
O que a Ju e o César têm em comum são suas atitudes incomuns. Pessoas comuns, com comportamentos incomuns, desafiando a rotina dos dias e a natureza das coisas.
São daqueles profissionais que você pede a eles que tire xerox de um documento corporativo de 50 páginas, e eles o trazem encadernado, ou numa pasta.
Entendem?
Profissionais assim fazem a diferença em todos os setores das vidas em que atuam, pois não se colocam como vítima das circunstâncias, mais como protagonista de sua história e fazer.
Tem um monte de gente nas organizações do trabalho que perdeu o encanto do que faz e para quem faz.
Já fui atendido por zumbis, pessoas que entre me atenderem e teclarem no WhatsApp tentam fazer os dois.
E sobra para o cliente, pois a disputa é desleal.
Já vi gente que passa o dia falando mal de seu trabalho, olhando-o numa perspectiva de torpor, peso e enfado.
Desaprendeu a extrair dele o sentido.
Essa mesma pessoa, se o César tivesse pedido para ajudar-lhe a fazer as pipocas ela o diria: “não sou pago para fazer e servir pipocas”.
Gente que passa o dia no trabalho contando as horas para ir embora. Perderam a capacidade de sentir. E ficam buscando o sentido do trabalho.
Como achá-lo, se não se sente mais a vida, enquanto se trabalha?
Creio que precisamos em todas as instituições educar nossa sociedade para o sentir, o degustar a vida e o servir.
E isso fará toda a diferença na percepção do bem-estar e qualidade de vida.
Afinal, nossas crenças atuam sobre nosso fazer. E, acabamos sendo o que pensamos ser. Simples e complexo assim.

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