Para um coração enlutado que me lê.


No vale de lágrima em que se meteu, só caminhe.
Dia após dia, só caminhe.
Mire a luz e caminhe.
Não se assuste com os répteis, com a chuva, lama, vento, trovões e raios.
Não tema o escuro dos dias.
Só caminhe em direção àquela luz, vinda das montanhas distantes.
A esperança de outros dias está lá, acredite e caminhe.
Haverá dias melhores, dias piores, dias que vai querer parar, ou voltar para o terreno encharcado e fétido de teu coração.
Aceite esse dias. Não se puna, nem se cobre demais por perder as forças, momentaneamente para caminhar.
Descanse, sentada na lama, e chore as mil lágrimas.
Não se olhe no espelho, nesses dias, pois estará descabelada e feia, e não se reconhecerá.
Evite o espelho.
Mas, digo-lhe, levante-se e caminhe mais um passo em direção à luz.
Num dia qualquer, após modorrenta jornada, ao dobrar aquela curva enlameada, sentirás fome e vontade de colher frutas à beiraria da estrada.
Fazia tempo em que não sentia fome, nem prazer algum.
Após a curva, o choro começou a rarear, no lugar dele uma saudade presente e amiga se fez morada.
Tu procurará num canto qualquer de tua bolsa em farrapos um pente e lentamente vai desembaraçar teu cabelo.
De cima daquela pedra, mirarás o horizonte, e se penteará, fitando-lhe novamente no espelho de água, não mais tanto enlameada.
Se verás.
Não como era,
Agora tem cicatrizes profundas, abertas nos sulcos de teu coração.
São tuas cicatrizes, apenas.
São marcas quem em ti se fizeram da dor que viveu.
Mas são tua, és tu agora.
Lentamente tu vai se erguer dessa pedra em que se sentou e voltou a se ver.
Vai sentir uma vontade tremenda de viver, de ser, de se refazer.
Muitos ainda precisam de ti, esperam por ti, dependem de ti.
Sentirá um ímpeto enorme de continuar caminhando em direção á luz. Quase correrá.
Caminhe.
Só caminhe.
Não apresse o passo e perdoe aos que não te compreendem na tua dor, querendo carburetizá-la. Eles não fazem por mal. Só não sabem como lidar contigo, ou tirá-la do vale de lágrimas.
Caminhe, não corra.
Só caminhe, alguns dias hesitadamente. Noutros, muito lentamente. Noutros, angustiadamente. Noutros, depressivamente.
Mas, caminhe!
Não queira ser o que não está sentindo. Não banque a forte.
Não queria ser aparência.
Nesse caminhar, a dor é tua e de mais ninguém.
Um belo dia, ao acordar, verás que não pisarás mais na lama de teu luto, na lama em que se tornou teu ser, após tanta dor que de ti se apropriou.
Levante-se continue a caminhar.
E, lembre-se sempre, nessa caminhada você não estará só.
Milhares de caminheiros enlutados caminham contigo.
Outros, juntam-se a ti te apoiando, te seguindo, dando-lhe força para, passo a passo, avançar. Porém, respeitam teu próprio ritmo.
Entre eles, eu caminho contigo.
Sei que tua dor é descomunal, inexplicável, que não se pode medir em força e abrangência.
Eu sinto.
Mas, acredite em mim, caminhe!
Não se envergonhe de aparentar estar frágil. Não se envergonhe de ser vista descabelada, chorosa e feia.
Te amamos assim, e no vale de lágrimas não há espelhos.
Bora, levante-se e venha mais um passo.
Chega, apoie-se no meu ombro, bora caminhar mais um pouquinho até aquela pedra ali.
Veja como a luz que vem das montanhas está aumentando.
Não desista de si mesma, bora, caminhe mais um pouco.
Tem muita gente naquela montanha de luz, gente que já fez essa caminhada, esperando e torcendo por ti.
Acredite!

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