Cartas ao JG(*) - Três formas de encarar a vida.



Sabe meu filho, aprendi que existem três formas de percebemos as coisas que poderão nos ajudar a melhor enfrentar as adversidades.
Aproveito essa carta para ensinar-lhe o que aprendi no lombo.
Deixa eu contar uma recente história de nossas vidas para ilustrar as três formas de que falei.
Dias atrás, estávamos juntos no aeroporto, já em clima de pré-olimpíada, com reforço na segurança nos embarques, em muito provocada pelas táticas de guerrilha terrorista que assolam o mundo inteiro. Uma lástima.
Chegamos cedo para embarcar de Londrina para Congonhas, e ali de lá pegaríamos uma conexão para Brasília.
Na sala de embarque, ficamos matando o tempo olhando para as propagandas que passavam num dos telões.
Aí tua mãe viu a propaganda do Jeep, e cravou palavras em mim, resignada:
“Eu não disse que aqui era mais barato; olha lá o anúncio do Jeep Renegade por R$ 54.000.”
Me sarfei apelando para nossa falta de dinheiro para comprá-lo, até por esse “preço pechincha”.
A resignação era devida a que na noite anterior, após comermos o melhor sanduba de Londrina, o do Arnaldo, lá perto do Moringão, ao voltarmos para casa ela viu um outdoor anunciando essa Jeep e o preço pechincha.
Ela queria que eu voltasse para checar. Mas, já era tarde, tinha passado do retorno e a volta seria grande, e depois você esperava em casa o sanduba. Então, usei-lhe como argumento para não voltar e segui em frente, correndo o risco de uma tromba armada.
No saguão do aeroporto, incrédulo, esperei a propaganda voltar e a fotografei, queria mostrar em Brasília, onde o mesmo carro é vendido por uns R$ 70.000.
Curioso aproximei o zoom da máquina e vi que era mentira, uma propaganda descaradamente enganosa.
Abaixo do preço, tinha um porém, uma condição, com aquelas letrinhas pequenas que diziam: "condições para portadores de necessidades especiais".
Ahh!!!
Aí fui à revanche com dona patroa. Ela ficou indignada por a Concessionária Marajó fazer um anúncio viciado desses, “para pegar os trouxas”.
Esperando o avião, meditabundo, pensei: “é verdade, as coisas só são o que realmente dizem que são, quando vistas de perto. ”
Sabe filho, se não estivesse aproximado a lente não veria as letrinhas miúdas que na verdade revelava que o preço não era para mim, pelo menos no momento, era pra pessoas com algum tipo de deficiência.
Vão aparecer pessoas na sua vida assim, como aquele cartaz. De longe você comp4ará, mas com a convivência verás que é tudo mentira, fachada. 
Cuidado com essas pessoas cartazes enganosos, pessoas com letrinhas pequenas escondidas nelas, e só com a convivência vocêe conseguirá ler as entrelinhas delas, e poderá se surpreender.

Essa foi a primeira constatação. A primeira das três sacadas sobre a perspectiva das coisas: olhe de perto a situação. Cuidado com o calor da emoção, têm situações que pedem frieza, análise apurada e muita capacidade de perceber os detalhes, para só depois agir.
A segunda sacada ainda vem do aeroporto, das salas de embarque. Chegamos cedo para a conexão em Congonhas.
E, para matar o tempo, ficamos vendo os aviões pousarem ou taxiarem na pista.
Notei uma coisa que nunca tinha parado para ver, ou pensar nela, na parte de cima de um avião não é lisinho. Tem uns três calos, tipo uns montinhos.
Pelo menos nos que vi aproximando-se do finger. Aí pensei comigo: “ué, não é lisinho como barriga de mulher grávida.”
E, ali tive a segunda sacada que agora te ensino, algumas coisas precisam ser vistas de cima, para que a compreendamos de uma melhor maneira.
Se eu não estivesse naquela posição privilegiada, não teria visto o que vi, e ainda juraria de pé junto que acima de um avião é tudo lisinho.
Coisa que precisamos transcender para entendê-las. Olhá-las duma prumada mais alta. Ou seja, percebê-las do alto de nós mesmos.
Ficam as dicas meu filho, têm coisas que para serem melhor percebidas precisam ser vistas de perto. No caso do anúncio do Jeep.
Outras, de uma perspectiva superior. No caso da parte de cima de uma visão.
Durante tua vida lembre-se dessas dicas diante de situações problemáticas.
Em alguns problemas que enfrentará analise-os de perto, desça aos detalhes, e tenha cuidado com as letrinhas miúdas.
Entende a metáfora?
Tem coisa que aparentemente é legal e fácil de enfrentar, mas que esconde sutilezas que só no enfrentamento das situações se farão presentes e poderão te atrapalhar. Só as vendo de perto. Considere isso.
Cuidado com os anúncios de almoços grátis na vida. Na vida, não tem almoço grátis.
Tudo é conquistado com dificuldade, disciplina, superação de si mesmo e coragem.
Talvez aí esteja um dos hormônios do bem viver.
Têm coisas que você não poderá compreendê-las, em todas sua magnitude e complexidade, sem uma visão elevada.
Coisas para as quais o conhecimento delas fugirá do domínio da lógica racional, de uma planilha de Excel, ou um modelo cartesiano explicativo.
São as coisas do reino do amor, do perdão, da esperança, do otimismo, da gratidão e generosidade.
Esse tipo de família das “coisas” pede um olhar elevado sobre elas, um olhar e agir espiritual.
Então, amado filho, desenvolva essas duas visões que em muito te ajudarão.
A visão minuciosa de uma situação, analisando-a mais de perto.
E a visão elevada de uma situação, analisando-a na perspectiva espiritual, a dos valores.
A terceira das dicas eu retiro de uma foto que fiz de você, quando visitou-me no trabalho, à caminho do dentista.
Nela, você está escondido embaixo de minha mesa. Brincando de caverna.
Olhando a foto percebo que fios passam abaixo da tampa de minha mesa.
Nunca tinha visto esses fios, mas eles estavam ali, e antes que eu chegasse ao setor já estavam.
Só consegui vê-los ao ajoelhar-me para tirar a foto de ti.
Haverá situações que exigirão de ti uma postura de humildade, de trainee da vida, para melhor aceitá-las. Um começar de novo, um bater a poeira e voltar à cena, mesmo que em farrapos.
Exigirão desapego, renúncia, sapos engolidos. E muita tolerância e flexibilidade de pensamento.
Situações para as quais não estava preparado e que acabarão acontecendo.
Essa é uma postura sábia de aquebrantar-se, de humildade diante dos aperreios da vida, e nos calafrios que se tem quando se mira um amanhã incerto.
Contida nessa última cena, a que me abaixei para melhor te ver, estão os joelhos no chão.
Muitas coisas precisam ser vistas pelo prisma da oração, da misericórdia, da compaixão e mística de si mesmo, dos outros e da vida.
Mais muita mesmo!
Acredite em mim, os joelhos no chão abrem em nós uma visão interior poderosa, uma visão de serviço, uma cultura de paz e respeito.
Os joelhos no chão ajudam-nos a compreender o incompreensível.
A consolar o que sem colo está.
A continuar, mesmo quando todos ao nosso redor já desistiram.
A ouvir o inaudível. Aquele que brota das palavras não ditas.
A tocar no que não tem forma. Aquilo que se faz presente, mesmo na ausência.
A curar o coração gangrenado. Daquilo que parecia sem jeito ser.
A abençoar quem com nós cruzar o caminho. Mesmo que estejamos com pressa e aflitos.
Os joelhos no chão abrem janelas na alma. Então, filho meu, o tema dessa carta é a visão.
Resumo as três dicas:
1. Esforce-se para ver as coisas de perto, interesse-se por elas. Não fique na arquibancada, vendo de longe o jogo de tua vida. E cuidado com as propagandas enganosas: de você mesmo, dos outros e da vida. Chegue mais perto para ver melhor e poder decidir.
2. De vez enquanto suba na mesa para ver os problemas de uma prumada superior. Transcenda seu mundinho, voe, libere e expanda sua consciência, elevando seu espírito até o reino dos valores. Os valores ajudam-nos a ver coisas que ninguém está vendo, ou agir de forma pela qual ninguém age. Ajudam-nos a perseverar e a discernir. São nosso GPS interior.
3. Por último, tem fiações que suportam a energia de estruturas que só são vistas se ajoelhando, se humilhando, se aquebrantando de toda vaidade, orgulho besta, amor próprio ferido e auto-estima violentada. Situações que exigem a perspectiva interior, a simplicidade e uma postura orante diante delas, para serem melhor compreendidas e acolhidas. Situações de luto, de desapego, de rupturas, de recomeços, de profunda angustia e decepção com a frustração de expectativas. Para elas, foque nos fios que estão conduzindo sua energia emocional, que não serão vistos e compreendidos - em sua esplendorosa e mística razão de ser, e de agir sobre nós, os outros e a realidade, caso não nos coloquemos humildemente de joelhos e a Ele apelemos.
Diante de situações limites que viverá use uma das três alternativas: e conseguirá atravessá-las a bom termo.
Quando postei esse texto no Facebook um amigo, o Claudio, lembrou o que falou Saramago, que tem tudo a ver com o texto e com ele encerro essa reflexão: "Saramago conta da vez em que conheceu a coxia de um teatro. Visto da plateia, luxo, dourados e veludo, lindo. Da coxia madeira, cordas e teias de aranha. "Para se conhecer há que se dar a volta". A citação é de cabeça, mas a ideia é bem esta. Alguns passos de afastamento, um novo ponto de observação, tudo contribui para a melhor compreensão."

(*) JG = João Gabriel, 7 anos, meu quarto filho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores