Quando comecei a construir minha casa, lá pelos idos de 2008, a prioridade era o pomar e jardim. Sou dos que acredita que uma bela sombra é melhor do que uma piscina. Desde então, tenho investido em árvores que de alguma forma me falam ao coração, tenho: mangueira, amora, carambola, limão, araçá, seriguela, ipê, coqueiro, bananeira, jambeiro, umbuzeiro (sobre o qual há controvérsias), jequitibá, paineira, algaroba e o flamboyant.
Poderia escrever uma crônica para cada uma delas, rememorando cenas da infância, juventude ou de Brasília.
O flamboyant fui buscar em Sobradinho, ele veio dentro de meu Pálio, coloquei-lhe na extremidade do lote, perto de uma barreira, para que suas raízes a fixassem. Ao seu lado, para fazer-lhe companhia, plantei um ipê rosa. Hoje, 8 anos depois, eles são bem amigos e abrigam, em seus troncos e copas, a casa da árvore do JG, e às vezes minha. rsrs
Minha história com o flamboyant vem do tempo que meus pais tinham casa na praia, em João Pessoa, e essa árvore ficava no portão de entrada, do lado de dentro do muro.
Seu nome é francês e significa árvore flamejante, pelo vermelho de suas flores.
Do alto de minha infância, a que ficava na casa de meus pais era vista por mim como gigantesca.
Escalá-la era um dos meus programas prediletos, junto com meus irmãos e primos. Depois, meus filhos também viveram essas experiências de Tarzan, menos o JG pois a casa foi vendida.
Considero que subir em árvore é uma das melhores coisas da infância.
Pelo que conto a vocês podem perceber o amor que tenho pelo meu flamboyant.
Recentemente, meu vizinho, de forma muito educada e gentil, pediu minha autorização para cortar galhos do meu flamboyant que se projetavam sobre seu quintal, sombreando-o mais da conta.
Ele nem precisava desse pedido, mas o fez pela arte do bem conviver.
Hoje, passando um tempo no alto da casa da árvore vi que dos troncos decepados brotara uma espécie de resina, como se fora um mel de árvore.
Algumas delas pendiam do tronco como estalactites, compondo com a luz que nelas incidia uma cena de indescritível beleza.
Não me contive e fiquei a matutar, ali pertinho dos troncos decepados, vivendo um estado de flow interior.
Quantas coisas na vida passamos que foram como aqueles troncos.
Coisas que quando as vivemos sentimos como se decepassem uma parte de nosso ser.
Como se perdêssemos um pedaço de nós mesmos.
Na hora, a aquela dor da perda era insuportável. Partiu nosso coração, deixou-nos fragmentados, com cacos emocionais caídos por todo lugar.
Contudo, tempos depois, no lugar da dor fez-se sabedoria, fez-se superação, fez-se renovo.
E, da poda, fez-se mel.
Mas, nem todos processos de perda, de luto, de dor, transformam-se em docilidade, em mel.
Alguns, nos tornam e fazem piores.
Causam marcas profundas que nos deixam ressentidos, resignados.
Nos deixam ácidos e azedos para com nós mesmos, os outros e a vida.
Assim como, nem todo tronco decepado transforma-se em mel, cobrindo a dor com a doçura do amor.
Restaurando vidas e ficando melhor ainda, após o desastre bio-psico-social pelo qual passou.
Esse tronco decepado, agora muito mais belo pela resina cor de ouro que abriga, nos ensina muito.
Creio fortemente que podemos transcender a dor, aprender com ela, e nos tornarmos melhores, mais sábios, gratos, generosos e mansos após o sofrer.
Se você que me lê já passou por alguma grande crise na sua vida, e conseguiu sobreviver a ela, saindo mais forte ainda, sabe exatamente de que nos fala o mel do tronco decepado do flamboyant,
Nos últimos meses tenho acompanhado pessoas queridas em momentos críticos de suas vidas, e tenho observado o mel se fazendo no interior dos corações delas.
Elas encaram seus momentos difíceis com a coragem de kamikazes, aquela que nos faz ousar esperançar a vida, mesmo que tudo ao nosso lado se desmorone.
Eu vejo o mel se fazendo na vida deles, nos caules decepados com tanta dor pelo qual estão passando.
Uma técnica oriental de reparação de objetos de porcelana quebrados chama-se Kintsugi. Ela os solda com ouro derretido.
Eles tornam-se mais valiosos e belos ainda, mesmo agora quebrados e soldados com o ouro.
Acho que o mel do flamboyant faz isso.
Cauteriza suas feridas, protegem-nas de ataque de fungos, pragas, insetos que queira nele abriga-se, pelas fendas abertas em seus troncos.
Precisamos de pessoas mel em nosso viver.
Pessoas que cauterizem nossa dor.
Pessoas que nos apoiem nas crises. Que nos amem como somos. Que nos protejam, tal qual um curativo, como esse curativo de resina-mel do flamboyant, até que possamos voltar a caminhar com nossos próprios pés;
Que nos escutem, apenas nos escutem, e deixem-nos apoiar a cabeça em seu colo.
E, eventualmente, façam até um cafuné em nosso espírito.
Podemos ser essas pessoas para quem sofre.
Eu e você podemos ser curativo de resina-mel na vida de quem passa por um grande aperreio.
Podemos ajudar. Há muitas pessoas sofrendo caladas, em estados de luto muito doloroso, que precisam de nosso amor.
Precisam de nosso mel.
Na minha vida essas pessoas foram fundamentais. Quando a minha ferida era tão grande que achava que nunca mais seria o mesmo, essas pessoas estavam ali ao meu lado, apenas dizendo: “você conseguirá, acredito em você !”.
Pessoas-bálsamo, pessoas-curativo que faziam o papel de não deixar que a morte vencesse a vida.
Enquanto digito escuto uma canção chamada Meu Abrigo, que diz: O Senhor é bom, meu refúgio em tempo de angústia.
Não seria verdadeiro nesse texto se não dissesse a vocês que esse mel nos meus caules decepados também foi provido por Jesus.
E de forma intensa e gratuita, sem eu merecer.
Obrigado flamboyant pelos ensinamentos. Aqueles que nos mostram que é possível transcender estados de morbidade emocional e superar-se a si mesmo.
Que nunca, mesmo após as maiores dores, nossos caules emocionais fiquem abertos, ressentidos, resmuguentos e reclamões. E, de tão azedos, percamos a fé na vida, nos homens e em nós mesmos. O brilho de viver.
Nunca!
Que, mesmo sofrendo, possamos ser docilidade para quem pousar em nosso ser.
Possamos blindar nossa dor com o mel da esperança, o mel da fé, o mel do perdão, o mel do renovo e restauração.
Sempre!
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