Estava zanzando, entre um esporte e outro, acompanhando a Olimpíada, ainda ressaqueado da estonteante festa de abertura da noite anterior, quando vi que havia mensagem no whatsapp. Era uma amiga minha, pedindo um help emocional.
"Amigo, diga aí qual é a crônica sua no seu blog ou o vídeo seu de psicologia positiva que se enquadra num dia em que a gente leva um esbregue no trabalho, bate o carro e a geladeira pifa. Dê aí a dica para eu ler/assistir agorinha, por favor".
Com preguiça de procurar no Bode com Farinha (meu blog), algo para prescrevê-la, resolvi escrever o que penso e sinto.
Todo mundo já teve um dia como o dela, inclusive esse que vos escreve.
Aquele dia em que tudo dá errado.
Parece que somos testados no limiar de nossa paciência.
E ficamos exaustos, emocionalmente falando, como minha amiga ficou.
A primeira coisa que devemos fazer, quando temos a auto consciência de um dia difícil, ou de uma fase desgastante que passamos, é o da hora de colocar um carvão.
Como assim, Ricardim?
Deixa eu te contar o que aconteceu comigo, sábado passado, e entenderá.
Meu filho veio cozinhar aqui em casa. Ele fez uma sequencia de camarões. Deliciosa. Mas, algo ficou errado na geladeira.
Havia um cheiro fétido de camarão. Creio que deixei a sacola aberta, na semana que sucedia a comilança, e o cheiro do camarão impregnou tudo.
Perto das 18hrs, naquele sábado, cruzei com meu filho colocando algo na geladeira. Notei que ele acomodava dentro dela umas quatro pedras de carvão.
Não de carvão ativado, de carvão comum mesmo, daqueles de churrasco.
Ele me falou que aquilo seria suficiente para recuperar o cheiro bom da geladeira.
No domingo, desconfiado, abri a porta da geladeira e ainda senti um pouco o cheiro ruim. Não havia nenhuma marca, de resto de camarão derramado, mas ainda tinha um pouco de fedor.
Hoje, ao abrir a geladeira, que grata surpresa. Cheirosa, sem fedor algum.
Quando temos um dia de fúria, com vários incidentes desagradáveis, ao longo dele, temos que achar motivos para colocar carvão em nosso ser interior.
O estrago do que ocorreu não temos como retornar. Nossa vida é como um post do whatsapp, depois que algo ocorre não temos como editá-lo. Ah! como seria diferente se fosse como os posts do Facebook, editáveis.
Mas não!
Minha amiga já não poderia retornar a fita da vida e evitar a batida do carro; evitar a bronca do chefe; ou mandar a geladeira par ao conserto, preventivamente.
A única coisa que ela pode fazer é botar carvão emocional em seu viver.
Carvão emocional são as emoções positivas.
Prescrevi-lhe que desse um abraço na sua filhota, de 1 ano. Ou que fizesse um cafuné no marido. Pode ser tomar um banho gostoso e se perceber vivo ainda.
Ou ainda, que fossem juntos ver o por do sol de algum lugar em paz.
Isso são carvões emocionais, sua influência em nossas vidas, diminui a intensidade do fedor emocional, daquelas coisas que não deram tão certo.
Pode não resolver a geladeira pifada, o carro batido, e a relação com o chefe.
Não amigos; carvão emocional, não resolve as coisas que deram errado. Mas, funciona energizando outras áreas em nossa vida, trazendo aromas de lá, que em oposição aos de fedor, acabarão por neutralizar o seu efeito danoso.
Entendem a metáfora?
Não pode é se prostrar, imobilizado pelo sofrer, aguardando ansiosamente que algo novamente de ruim aconteça.
Se acreditar nisso, que haverá uma quarta coisa fedida no dia, com certeza vai atrai-la.
Procure direitinho, no depósito de seu coração, e verás sacos de carvão prontos a serem usados por você, para aplacar o sofrer.
Um de meus principais carvões é a oração. A oração tira o fedor emocional de um dia ruim. A oração contemplativa, meditativa e de agradecimento.
Muitas das vezes, quando oro, deixo-me elevar pelas notas de uma canção, repetidas vezes colocadas para tocar.
Mentalizo que sou o baterista da banda que aquela música, e o acompanho durante toda a evolução, relaxando pela concentração ativa.
Outro de meus carvões são os filhos, são meus álbuns de fotos, é quando arrumo meu escritório, quando fotografo, quando escrevo.
Algumas pessoas pensam que o pensamento positivo resolve os problemas da vida, como se eles fossem mágicos e uma droga milagrosa.
Nada disso. Não resolvem nada.
Como assim, Ricardim?
Deixa eu te explicar com minha amiga. De que adianta ela olhar para a geladeira e ter um pensamento positivo?
Ou olhar para amassado do carro?
Não funcionará, isto é alienação. Olhar para a geladeira pifada, em pleno sábado e com criança pequena em casa, despertará nela pensamentos negativos, e justos.
Eles são legítimos.
O que recomendo, e que funciona comigo, é não se deixar tolher por eles, mergulhando-os no redemoinho de nosso coração, como aquela sujeiras sobre a água ficam quando tiramos o sifão da pia.
O que recomendo é procurar os carvões e ativá-los, para que eles neutralizem os odores fétidos.
A causa do mal cheiro ele não elimina. No caso, resto de líquido de camarão que derramou na minha geladeira.
Ele apenas me dá tempo, e melhores condições, para que hoje eu possa tirar: gaveta a gaveta, e fazer a limpeza definitiva.
É isso que os carvões emocionais nos dão: tempo. Tempo de recomeçar, tempo de renascer. Tempo de esperança.
Eles são como curativos. Protegem a chaga de nosso sofrer, para que mais coisas tocando nelas não agravem a situação do ferimento.
Se você também está passando por aflições e preocupações, oriundas de dias ruins, descubra o que ainda está legal em teu viver, descubra fontes de prazer, fontes de satisfação, e tragá-lhes ao seu viver. Concentre-se neles. Declare que eles existem. Perceba eles.
Perceba que o carro recebeu um amassão, mas que ainda está funcionando. Que a geladeira pifou, mas que pertinho vende gelo que poderá usar para conservar alimentos por uns dias, enquanto chega o reparo, ou procure ajuda na geladeira do vizinho.
Perceba que o chefe deu uma bronca, mas que tantos dariam a vida para nesse dia terem um chefe, para chamar de seu, mesmo que bronquento.
Isso não é alienação. Isso é colocar as coisas numa prumada positiva, para relativizá-las dentro de um contexto maior, e ao fazer isso o efeito do sofrer, o cheiro ruim, diminui pela força da esperança dos dias melhores.
Quem aprende a valorizar seus carvões, e a tê-los sempre por perto, terá capacidades para lidar com o sofrer, enquanto ganha força para enfrentá-lo melhor.
Quem aprende a relativizar a dor, colocando-a numa perspectiva diferente: ou seja, não é só comigo, não pessoal, não permanente e não geral; verá que o mostro do dia ruim perderá um pouco de sua intensidade, confrontado com uma visão lógica de contabilização dos ganhos que restaram, e não das perdas que causaram.
Entendem, amigos?
A psicologia positiva é uma psicologia da razão. Do autoconhecimento e ampliação da visão do bom, do belo e do virtuoso, que muitas das vezes acontece nas extremidades de nossa visão, lá onde a vista alcança os 180 graus, e de tão aperriados, estressados e nervosos não vemos mais.
Enquanto escrevo recebo um novo post de minha amiga. Eu tinha respondido aquele, do início do texto, com a teoria do carvão. "Amigo, vamos todos comer um carvão. Pegamos nossa filhota, e vamos ver o pôr do sol por aí".
Pronto, entendeu o conceito do carvão. E comendo é melhor ainda. rsrs
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