Eu te desculpo, Daniele Hypólito!


Gosto de ver como o humano do humano salta aos olhos nos momentos limite. Ali, conhece-se verdadeiramente quem é quem.
O resto é gogó e power-point.
Hoje, dia 07/08/2016, acompanhando as Olimpíadas Rio 2016, fui premiado com cenas do humano em ação.
Numa delas, Daniele Hypólito consegue arrancar minhas lágrimas novamente. Ontem, foi seu irmão quem assim o fez.
Ela ia muito bem na prova que é craque, na Ginástica Olímpica, a da apresentação no Solo, embalada com a música de Anita, que contagiava a todos nós.
Eis que de repente, não mais que de repente, do salto esperançoso se fez a tragédia.
E que tragédia!
Daniele caiu de bunda no tablado.
Silêncio pesaroso se fez, em milhões de lares brasileiros que àquela hora acompanhavam-na, ao vivo, com sua torcida.
Numa fração de segundos que durou uma eternidade, ela olha para os lados, ergue-se e volta à sua apresentação, mordendo a língua, como se nada ocorrera.
Que força! Que altivez e dignidade. Que capacidade de superação. Qualquer um de nós ficaria ali, estatalado no chão, chorando copiosamente. Saberíamos que era o final. Ela não.
Ela seguiu o roteiro, sabia que o jogo da vida só acaba no apito final. Ergueu-se mais bela ainda, e continuou a fazer o que ensaiara por anos a fio, de forma graciosa e perfeita. Dando prosseguimento ao espetáculo.
Minutos após a apresentação, sentada, aguardando sua pontuação, as câmeras a filmam, como fazem com todo atleta, nos instantes em que esperam o resultado.
Ela olha fixamente para a câmera e pronuncia a palavra: "Desculpa".
Não sei leitura labial, mas entendi perfeitamente.
Para garantir que eu tivesse entendido, ela repete o pedido, pronunciando-a novamente.
E aí desabo num soluço incontido, desculpando-a. Ela não precisava pedir desculpas. Esse tipo de acidente é relativamente comum na Ginástica Olímpica.
Mas, seu gesto grandioso, pegou-me desprevenido. E chorei de alegria por existir pessoa tão bela.
Imagino o que se passou em sua cabeça naquela hora: o peso da idade chegando, mil horas de treinos, renúncias, noites sem dormir, dores físicas, e, 4 anos de preparação, para cair de bunda numa competição no seu país, repetindo uma cena que aconteceu com seu irmão, algumas Olimpíadas atrás.
E, diante de toda tragédia, decepção e tristeza, ela arruma um espaço no coração para aquebrantar-se diante de nós, seus fãs, para humilhar-se e pedir-nos desculpas. E, por não ter desistido com a bunda no chão, ainda conseguiu 12.000 pontos para sua equipe.
Não Dani, permita-me chamá-la assim, você não precisava pedir-nos desculpas, não há do que desculpá-la.
Esse seu gesto, de profunda empatia e humanidade, foi a sua medalha de ouro. Você já ganhou!
Como é difícil admitir uma falha e pedir desculpas. Na maioria das vezes, ficamos apenas nos justificando, ou colocando no outro a culpa.
Você foi ouro Dani.
Você pronunciou a palavra OURO: Desculpa.
Aquela que ao ser pronunciada, de forma verdadeira, dilata o coração e abre portas para recomeços. Uma palavra que sara feridas, que reconstrói trajetórias de vida, uma verdadeira enzima emocional, que cataliza os processos de convivência. Palavra que sara feridas, caso dita e sentida de forma verdadeira.
Você deu uma lição de dignidade, na derrota, à população brasileira.
Ultimamente de tão pouco humor, arrogante e cheia de agressividades.
Meu coração foi abençoado por ti, Dani.
Obrigado por existir.
Assim como meu coração foi abençoado por aquele jovem, da seleção de Vôlei, na partida contra o México que foi lá no Banco de Reservas e impôs as mãos no joelho de Lucão, um de nossos atletas que durante a partida se contundira.
Ele aproximou-se de Lucão, colocou as palmas das mãos sobre o joelho dele, e pronunciou algo.
Medalha de ouro pra você também, pelas suas mãos solidárias. Por ter esquecido um pouco de você mesmo e ter ido abençoar o outro, com o que tinha para o momento, apenas mãos em prece,
Com o coração transbordando, nesses dia de esportes e suas metáforas tão fortes sobre o ser humano, vejo uma cena que fez um contra-ponto.
Na repescagem do Judô, a judoca brasileira Erika Miranda aplica um ippon, faltando 10 segundos para terminar a luta com a romena Andreea Chitu, e ganha.
Contudo, ela não percebe que a romena está ferida. Após ser decretada vencedora, ela não olha para sua oponente que não consegue levantar-se do chão. Andreea, aparentemente, quebrou a clavícula com o impacto do ippon. Sua técnica, tenta levantá-la com muita dificuldade do solo. Nenhuma maca aparece. Ela sai do tatame como quem tem uma "asa caída", e nenhum socorro para ajudar-lhe.
Todos foram cuidar de suas vidas, após a vitória, foram comemorar! Sem importarem-se em amparar o vencido, ali estendido no chão e sem ninguém por perto para avaliar a extensão da gravidade de seu ferimento.
Não culpo a Erika. No calor de uma luta super disputada, depois que acaba, o lutador que vence quer mais é sair do ringue e comemorar. Mas, quem estava ali próximo, da organização do evento, bem que podia ter sido mais solidário.
Faltou percepção.
E é a percepção do outro o que torna grande os seres humanos.
Daniele Hipólito percebeu nossa necessidade de uma palavra sua, embora não precisasse. Ela nos foi profundamente cúmplice. Nunca esquecerei aqueles lábios pronunciando "desculpe".
O atleta de vólei percebeu a angústia de seu companheiro. e fez o que podia, colocou as mãos sobre seus joelhos e proferiu algumas palavras, tal qual prece.
E ninguém percebeu que a atleta não estava se levantando do tatame, por estar muito emocionada ou cansada, o problema era outro, ela não tinha força no ombro quebrado para erguer-se.
Perceber as necessidades dos outros nos faz humanidade. Nos torna melhores e catalisa uma chuva de emoções positivas, tão carentes nesses tempos estranhos.
Talvez, esse seja o maior legado do esporte, e não as medalhas, o de aprender a respeitar e cooperar com o outro, o de aprender a ser time, mesmo jogando - algumas vezes, sozinho!

Por falar em desculpas, os jogadores da Seleção Brasileira saíram sem falar com a impressa, ou cumprimentar a torcida, após o fiasco do empate de 0 a 0 com o Iraque, na noite de ontem 07/08.

Como percebem, atitude não é para todos! É para pessoas iluminadas, como a Hypólito.  

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