Carta ao JG - Não banalize o desamor.



Sabe filho, é tarde demais para adormecer, sem que antes eu lhe escreva.
Escrevo sobre uma frase que escutei hoje à noite, no contexto da separação de um casal famoso da TV, após mais de duas décadas de união.
A pessoa referia-se sobre esse fato alegando estar surpresa com a repercussão do caso, "dado que separação é um fato banal na vida dos casais."
Não meu filho, nunca tenha as coisas comuns por banais.
Nunca!
A dor da separação de amantes, jamais pode ser tida como banal. Pode ser corriqueira, comum, mas nunca banal.
Também não é normal.Até porquê ninguém assume uma vida a dois com outra pessoa com prazo de validade, no rodapé da Certidão de Casamento. Ou, casa com bilhete de volta marcado, para o retorno à solteirice.
Isto sim seria normal. Caso assim fosse.
Ninguém quer isso. Refiro-me aos que se enlaçam nutridos por amores verdadeiros, autênticos, livres e pensados.
Quem casa não quer se separar, e faz promessas de amor infinito, além de cultivar sonhos comuns.
Tira fotos para book, como aqueles noivos que vimos no Nicolândia, no Parque da Cidade-DF, posando ao lado dos brinquedos.
Eternizando momentos.
Ou, como aquele casal, perto do trem fantasma que tirava fotos do bebezinho que esperavam. Lembra?
As pessoas hoje em dia estão, elas sim, banalizando o amor. O outro passou a ser descartável, e queremos que tudo gire em torno de nós mesmos.

Como amar verdadeiramente querendo apenas ser amado?

Então, a mídia vende uma imagem de que os separados, uma semana após a separação, já estão na balada, noutra "vibe".
Simplificam o processo, como se separar fosse uma festa, uma grande aventura.
Retiram qualquer aspecto de luto, de sofrer, de se reconstruir no arriscoso processo de saltar no escuro do será.
Não acredite em simplificações, nesse caso.
É mentira. Dói e deixa marcas. Mesmo que tenha sido amigável, amistoso, numa "boa", ainda assim
somos pegos desacossados sem saber o que fazer com as lembranças que ficaram misturadas em nossa história de vida.
E, para os que já não havia como sustentar a relação, em situações a dois explosivas, ou muito delicadas, ainda assim, deixam um pesar.
Um pesar do que poderia ter sido diferente, do que fugiu ao script, ao sonho, ao antes desejado. Fica um gosto de guarda-chuva na boca. Mesmo que a separação represente uma liberdade, um direito de pessoas que precisam se refazerem, tentarem novamente, ou não, uma vida mais amorosa, harmoniosa e significativa a dois.
Mesmo assim, ainda ficam cicatrizes. Nada é fácil, quando se fala em romper.
Eu me separei do primeiro casamento. Até hoje não posso comungar. Foi uma sequela que ficou, entre tantas outras.
Portanto, filho meu, se ao ler essa carta estiver casado, cuide de seu amor.

Faça comidinhas para ela. Faça que ela se alegre. Construa sua felicidade no casamento, e dia a dia.
Apenda a surpreender a rotina, com algo diferente. Aprenda a encantar o tempo, permitindo-se liberar o fluxo da ternura, da carícia essencial. A do diálogo apreciativo.
Como? Escuto-lhe perguntando-me ao longe:
Com fartas doses de perdão, de empatia e de aceitação. Com renuncias e flexibilidade.
Não existe relacionamento pronto. Não existe paraíso à vista. Depois da paixão, resta a construção do amor possível, entre perdas e ganhos, na jornada de almas que se aninham uma na outra, num regaço de afeto se constituindo em novos, sendo os mesmos.
Cultive sempre admiração por ela, pelo mundo dela, pelos seus valores, suas histórias de vida. Interesse-se por ela, genuinamente.
E, seja generoso. A sirva por inteiro. Seja servo dela. Sem ser subserviente.
A cubra noite adentro. Prepare-lhe um chá, em noites frias.
Exercitem fazer pequenas coisinhas juntos: um jardim, uma leitura, um balançar de redes, um cineminha, uma viagem, um caminhar pela praia ou campos, orar juntos, praticar esportes, cozinhar, colecionar qualquer coisas, cuidar da cria ou animais, cultivar um Hobbie.
Fazer coisinhas juntos é místico e mágico, catalisa emoções positivas que fortalecem a relação.
Não filho meu, não banalize sua existência tomando por normal o que é comum. Parece que se tornou chique, coisa da moda, separar-se.
Pode apostar, logo uma revista de grande circulação vai mostrar esse casal do início do texto, cada um com seu parceiro novo, em sorrisos de pasta de dente.

Bacana pra eles. Mas, não mostrará o processo. As noites sem dormir, os assombros na alma, as olheiras, as dores que aspirina não passa. Só vão mostrar a vida editada, para sair na Caras. E mostrarão tudo com glamour, na Ilha de Caras, como se tudo fosse um enorme folhetim midiático. E você vai pensar, porque não faço isso também?

Por que não tenho coragem? Digo-lhe, talvez a maior coragem seja a de recomeçar diariamente, uma relação que ainda tem as brasas do amor, contudo anda sem chama.
Soprar as brasas talvez seja muito mais potente, e significativo, do que desistir. Lógico, se brasas houver, e se valer a pena. Mas, crie a intencionalidade de continuar. Não deixe uma mala arrumada, no armário, pronto a partir ao menor conflito, ou maior. Desfaça as malas. Não deixe a mala pronta para partir, quando atravessar o dia com ela esteja consumindo muita energia, e o relacionamento esteja frio e turbulento. Tal qual fazer a travessia do Antártico, cruzando o Mar de Weddell. Para chegar do outro lado, na circunavegação mais perigosa da terra, tem que ser resiliente, tem que continuar, onda a onda, iceberg a iceberg, acreditando que logo ali, dobrando a curva do horizonte, uma baia protegida estará esperando vocês. Que é só uma fase.
Cuidado quando seus filhos estiverem pelos 8 anos. Ela vai estar bem cansada, novos desafios aparecerão na escola, no trabalho, alguns projetos comuns vão ficando longe de serem realizados, bate frustrações. Divida com ela as responsabilidades da educação da cria.

Não terceirize seu papel de pai, ou abdique dele.

Nessa etapa ela já não estará como a conheceu, nem você. Os compromissos vão ficando maiores, a rotina da sobrevivência mais desafiadora. No trabalho será exigido mais, do casal.

O tempo com os filhos, com o patrão, com as coisas da casa vai desafiando o tempo entre vocês dois.
Tenha calma e paciência, mudaram as estações em novos papeis. Você não é mais aquele garotão. Agora têm responsabilidades, mas, logo logo a faina ficará mais leve.
Não se percam um do outro no Mar de Weddell dos casais, uma verdadeira jornada épica - da travessia a dois do Antártico dos corações que a luta pela manutenção do lar, e a cria das crias, acaba produzindo. Cuidado para esfriarem-se a si mesmos.
Vai passar, essa fase de esfriamento, fruto do estresse e cansaço da lida. Muito diálogo, calma e consideração pelo estado emocional, e mundo do outro, ajudarão. Calma.
Caso não consiga, vencer a travessia, não se culpe ou puna. Refaça sua vida. E a ajude, no que couber, a refazer a dela.
Só peço que tente. Que não desista dela, e do projeto de vida de vocês, sem antes tentar mais uma, duas, três, quatro... n vezes.
Não acredite em alguns amigos, que nas crises recomendarão, sem a menor desfaçatez, que você se separe.

Ou que ainda botarão mais lenha na fogueira.
Faça sua própria história. Cuidado para não pensar e agir como se ela fosse descartável. Não é, embora muitos vão te aconselhar como se fosse.
As crises vão tornar tua história a dois mais bela. Lembre-se da aliança que celebrou com ela e Deus. Lute para que essa aliança seja um energético, e não um fardo.
Não meu filho, uma separação de amantes nunca será banal. Sempre uma estrela se apagará.
Mesmo que tempos depois outra volte a acender, pois o amor se recicla e pode nos surpreender na próxima esquina.
É preciso que se eduque para o relacionamento a dois. Para a arte da convivência. Não queira continuar solteiro, a dois, entende? Exercite a cumplicidade, companheirismo e ofertas generosas de perdão e amor, sem esperar recebê-las para poder retribuir.
Não seja comerciante de afetos, de ternuras arrependidas por não serem expressas. Não barganhe amor. Apenas ame, e de montão!

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