Acenda a lamparina




Nesse final de semana envolvi-me na preparação da estrutura, em meu lar, para ver o jogo de vólei, de forma confortável. Uma crise renal, seguida de uma tosse resistente, tinham tirado meu juízo e me cansado muito. Além de uma maratona de aulas, das 9hrs às 17hrs, no sábado.
Então, logo cedo no domingo, comecei a pensar numa logística bem confortável. Um velho colchão no chão, cerveja gelada e perto. Mas a TV insistia em só pegar um canal digital.
Perto das 12hrs, tive um insight, uma sacada, e se eu virasse um pouco o receptor? Esse que você ver na foto – numa prosaica gambiarra que fiz.
A dúvida me açoitava, afinal esse recurso funciona em sinais analógicos de TV.
Mesmo assim, contrariando a posição da antena de meu vizinho, a qual eu tinha tomado como referência, virei a minha antena no sentido oposto, uns 45 graus.
Chegando na sala, a alegria foi incontida. Agora sim, eu tinha 5 canais digitais e poderia zapear por eles, sempre que o Galvão falasse demais.
Uma mexida de 45 graus e fez-se a luz!
Abri uma Proibida (cerveja), para celebrar meu feito, o que me orgulhara bastante.
E, sozinho, eu e Balu apenas, deitei-me no colchão para torcer pelo vólei. É que o JG se divertia com seu Xbox e dona patroa foi fazer unhas.
Engraçado como quando estamos sós prestamos atenção a coisas que enquanto não nos permitimos ao silêncio não vemos.
Vi a boniteza dos pés da mesa. Essa da outra foto que ilustra essa crônica. Fiquei uns minutos contemplando-a, solenemente, imaginando o artista que a tinha concebido, naqueles toques góticos, quase uma catedral.
Só consegui perceber aquela belezura, por estar rente ao chão, deitado sobre um colchão. Só percebi por estar em silêncio interior e aberto a tudo que no aqui e agora preenchiam meu momento: o rabo de Balu balançando, como quem me perguntava: “Será que o Brasil ganhará?”
O som das espumas de cerveja explodindo na atmosfera do copo. A delícia que é poder mudar de canal, dando ao controle remoto um estado de quase divindade, e aqueles castelos góticos em forma de madeira, que suportam o peso da mesa, lugares nem sempre trabalhados nas mesas em que já me sentei.
Aliás, foi a primeira vez que vi essa arte em pés de mesa.
Fiquei matutando sobre a beleza das coisas que para serem vistas precisamos mudar de ângulo, ou de posição, precisamos acender uma luz em nosso interior, para iluminar a nós mesmos. Como diz a canção de Fagner:
“Beleza só se tem quando se acende a lamparina
Iluminando a alma se entende a própria sina
E quando se vê o arame que amarra toda gente
Pendendo das estacas sob um sol indiferente...”
Iluminar a própria sina é preciso. E, para fazer isso, quantas das vezes temos que mudar a posição de nossa antena interior?
Temos que nos sintonizar noutras estações, nos dar direito a alterar canais. Imagine a pobreza de minha televisão que só pegava um canal digital.
Essa televisão que só pega um canal somos nós quando ficamos insistindo numa única trajetória, numa única narração de nós mesmos, dos outros e da realidade.
Geralmente uma narração reclamona, rabugenta e pessimista.
O outro trecho da canção, o que fala “do arame que amarra toda a gente” remete aos pés de minha mesa.
Quantas das vezes precisamos nos quebrantar para ver algo que esteve sempre ali e nunca vimos, nunca demos valor. Precisamos mudar de posição, sair da soberba, do orgulho insano, de toda falsa aparência e nos permitir sermos a nós mesmos.
Precisamos olhar para o sempre visto de um jeito diferente, de uma prumada nunca ousada olhar, para encantar nossa existência e voltar a nos surpreender com a maravilha de viver.
Têm belezas interiores que só são vistas com olhos mansos e humildes. Elas vão além das aparências, muitas das vezes estão encobertas por toalhas, por véus, que precisam de espaço em corações amorosos, para serem revelados.
Mudar o ângulo da gambiarra da antena digital;
Deitar-se rente ao chão e contemplar os vales de uma mesa;
E ouvir a música Beleza de Fagner.
Deram-se ensinamentos precisos que resumos por agora:
Não adianta querer ser de amor, de mansidão, de generosidade, de ética e paz; quando nossa antena só sintoniza e amplifica narrações de ódio, briga, egoísmo, não-ética e guerra. Não adianta comprar uma outra antena, se os canais que têm audiência em nosso coração são os das emoções negativas. Quem consome intriga, inveja, violência e maldade acaba tornando-se como tal.
E, muitas das vezes só vemos a tampa de uma realidade. Como quem só ver o tampo da mesa. Achando que ela é uniforme, monolítica, sem nenhuma formosura, quando não coberto por uma bela toalha.
Esquecemos de nos curvar, ajoelhar e perceber o insondável, o não dito, o belo do simples. As catedrais que existem no interior das pessoas.
De uma posição de poder, daquelas de quem olha do alto para baixo, daquela de quem se acha, de quem arrota grandeza, de quem se sente e se porta como se fosse o centro do universo, como deitar-se no chão ver a beleza não aparente das coisas?
A beleza interior das pessoas, muitas das vezes esquecida e encoberta no subsolo de almas sofridas. Indo além das aparências e permitindo-se que elas a ti, e a mim, se revelem por inteiro.

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