A Escalada da Intolerância Digital


Caro Márcio, coloquei na foto que ilustra esse meu texto, o teu comentário numa revista de grande circulação, em sua versão digital, numa reportagem que versava sobre as agressões preconceituosas que nossa atleta de natação, Joanna Maranhão, sofreu.

Nossa nadadora, Joanna Maranhão, não está com mi-mi-mi. 

Você acha mi-mi-mi que ela defenda a sua honra e dignidade, atacadas de forma violenta e covarde em sua página do Facebook?

Por que alguns brasileiros acreditam que essas coisas são só brincadeiras, que devemos deixar pra lá, que "faz parte de nossa cultura". Que são mi-mi-mi. De qual perspectiva falam, de qual posicionamento?

Veja o que dona Terezinha disse sobre os ataques à sua filha::
“Este é um país de psicopatas, país de doidos, que confundem religião, política e esporte. Minha filha não dormiu direito, ficou abalada, mesmo sendo forte. Foram ofensas pessoais que mexeram com ela.”

Que outros sigam seu caminho Joanna, e empurrem processos nos idiotas da aldeia, expressão criada pelo filósofo Umberto Eco, que tece um ácido diagnóstico sobre a grosseria on-line: "As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis. Antes, eles falavam apenas em um bar, sem prejudicar a coletividade."

Agora,qualquer um projeta sua opinião maliciosa pela autovia digital, e depois que nela ingressa - a opinião do mal, perde-se o controle sobre seu uso, propagação e danos que causará.

O senso de impunidade preserva essas pessoas, quando se escondem atrás de fakes. Mas, o que mais me chama atenção, são para as pessoas reais: com Certidão de Nascimento, RG e CPF, com o mesmo senso de impunidade, pelas merdas que publicam ou comentam.

A nossa Ouro no Judô, Rafaela, passou por isso em 2012 e ninguém apareceu para processar as pessoas. Para ajudá-la.
E, ela era muito pobre, não tinha estrutura intelectual e financeira para bancar sua defesa. E, todos acharam que ia passar.

É assim que muito de nós diz quando o outro é xingado, acharcado, e sofre bullying: " Vai passar, depois ninguém mais comenta isso, é besteira de menino(a) criado por vó".

Então, caro Márcio, sua receita não funcionará para ela. Não adianta dizer-lhe para não dar importância e ir treinar.

Por não darmos importância, e não irmos treinar, é que em nosso Brasil, vem passando uma propaganda da Sadia que sacaneia com quem tem o nome Luís Augusto e fica por isso mesmo.

E alguns, não chamados de Luís Augusto, ainda sacam de nossa cultura para justificar a propaganda: "é deboche e ginga de nosso jeito de ser, o brasileiro é assim mesmo, tira onda com tudo".

Só não perguntaram a uma criança, de nome Luís Augusto, o que ela anda ouvindo na hora do recreio, com as associações de seu nome a um presunto que ninguém quer.

Quanto de bullying deverá está rolando? Mas, para nós, os não Luís Augusto, isso é besteira. Frescura e fricote.

Ou dizemos, "é apenas uma sacada de marketing, uma brincadeira cultural".

Quanto a mim, pau na Sadia! .

Sim Márcio, quanto à sua dica dela ir treinar, ela não precisará mais de treino para as Olimpíadas de 2020.

Não sei se você sabe, ela declarou sua aposentadoria das raias, e vai fundar uma ONG que defenderá e apoiará crianças vítimas de abuso sexual.

Será que alguém que se escondia na barra da saia da mãe, e quando pequena sofreu abuso, teria uma atitude tão corajosa e digna de expor seu próprio drama e de fazer com ele algo cidadão?

Palmas pra ti Joanna. Ouro pra ti.

Isso é postura de quem é corajoso, forte, resiliente. E ela o é.

Sim Márcio, para uma vítima de abuso sexual na adolescência, como a Joanna, sabe o que postaram na página dela do Facebook: "Você devia ser estuprada".

Tu ainda acha mi-mi-mi, Márcio?

Nosso país sofre de um problema crônico de educação, e não seria diferente no mundo virtual. Nele, à sensação de segurança mistura-se uma falsa ideia sobre a liberdade de expressão para disseminar comentários maldosos.

Precisamos sair em defesa das Rafaelas, Joanas e dos Luís Augustos, sob pena de estamos alimentando, mesmo sem nada fazer, o ódio, a intolerância e o autoritarismo.

E outros entrarem nessa mesma lista de vítimas do desrespeito e intolerância.

Precisamos educar nossas crianças e jovens para lidar com esses terroristas digitais, esses Black-Blocs da convivência humana, para que eles não venham a ter sua auto-estima violentada, com graves sequelas emocionais.

Qual o impacto no meu filho, filho de paraibano, quando postarem na página dele que "Só sendo Paraíba mesmo, para fazer isso".

Talvez tenhamos que começar dialogando com eles, na hora em que escutamos pela TV, no fatídico jogo Brasil e Iraque, parte de nossa torcida gritar sandices atrás do goleiro deles, coisas como: "Bicha, bicha, bicha."

Ah Ricardim, mas isso aí já é besteira. Mi-mi-mi de Geração Mertiolate que não arde.

Pra você que pensa assim, pergunto-lhe, E se fosse contigo, com teu filho, com teus amados?

Será que tua reação seria tão debochada, tranquila e favorável, e sem nenhuma empatia, se - em não sendo bicha (opção legítima) te colocassem esse rótulo?

Será?

Afinal, como dizia na minha terra: "Pimenta no nu do outro é refresco.

Joanna, pau no lombo nos idiotas da aldeia!

E, conte comigo para ajudá-la em sua ONG.

Amigos, convoco-lhes para darmos um basta.

Tirar o palanque desses idiotas, denunciando-os à justiça.
Não curtindo, nem compartilhando, nem debatendo com eles.

É isso que eles querem, palco. Querem Letícias Letícia Sabatellas para xingarem e gozarem seu minuto de fama.

Não se importado- com o dano emocional que estão causando, alguns deles irreversíveis, na autoestima.

Chega de acharmos que "somos assim mesmo".

Não somos. Eu não sou, você não é!

Já passou da hora da escalada da intolerância, seja de que fonte vier: política, religiosa, de raça, de gênero, de cultura e região, entre outras, ser barrada.
E isso também depende de mim e de você. E não é mi-mi-mi!
É cidadania.

Deixo-vos com um trecho, do excelente artigo: A Era da Grosseria On-line, de Bruno Ferrari e Gabriela Varella:

"Parece um duelo do Velho Oeste. No lugar da arma, é o dedo no mouse ou na tela do celular. Navegamos pelas redes sociais como se estivéssemos num filme de bangue-bangue. Aguardamos o adversário chegar armado para nos surpreender. Ao sinal de ameaça, “pá!”, ou melhor, “clique!”. Assim, compartilhamos textos esdrúxulos sem ler porque o título é provocativo. Distribuímos fotomontagens malfeitas achando que são imagens reais. Assinamos petições on-line sem saber do que se trata. “É golpe militar? Achei que fosse impeachment.” Quem veste camisa da Seleção Brasileira e vai para a rua é “coxinha”. Quem bate panela em discurso de político é “reaça”. E quem não bate? “Petralha”. Queremos protestar contra os religiosos intolerantes. O que fazemos? Enchemos uma rede social voltada ao público evangélico de filmes pornôs. Destruímos relacionamentos que levaram anos para ser construídos só por causa de um “curtir” ou de um “compartilhar”. E talvez não estejamos nos dando conta disso."

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