Atitudes Pipoca



Estava no segundo dia do curso, perto da hora do primeiro intervalo, e eis que adentra a sala o César, trazendo consigo refrigerantes, pão de queijo, umas broas de milho e uma bacia de pipoca.
César já tinha me ajudado bastante no dia anterior, a montar a sala, testar equipamentos e fazer as “horas prévias” do curso.
Um verdadeiro anjo da guarda.
Mas, o que me comoveu mesmo, foi a pipoca. A pipoca foi a cereja do bolo.
Não é comum servir pipoca em coffee-breaks. César fez, portanto, o incomum, surpreendendo-me com sua capacidade de servir e encantar.
Aquilo deu um novo ânimo à dinâmica do curso.
Nunca vi alguém comer pipoca em enterro. Pipoca é algo que nos fala de alegria, de afeto, de paz, de coisas boas – do tipo cinema do lado de quem se gosta.
A pipoca surpreende. De um milho tensionado pela energia de óleo, em aquecimento, explode algo inusitado, impensável, metamorfoseado e totalmente diferente da sua essência, forma, cor, textura e sabor anteriores.
Gosto de pipocas, mas querido leitor, é só uma metáfora. O texto não é sobre pipocas.
É sobre pessoas-pipoca. Pessoas que surpreendem, explodindo coisas boas ao seu redor, e alterando a ordem das coisas, e para melhor.
Influenciando no permanente do cotidiano rotineiro, colocando seu traço, deixando seu legado.
Pessoas que amadurecem, na caçarola da vida, tornando-se melhores.
Como o César que deixou seu legado naquele curso.
Gosto de observar atitudes-pipoca. Daquelas que dão água na boca de provar, ver ou até fazer.
Atitudes que irrompem do mesmo lugar na qual nada acontece, e, como num passe de mágica, elas fazem o novo, de coisas velhas e nem mais percebidas.
Atitude-pipoca. Daquelas que nos surpreendem, e para melhor.
Creio que os cursos de administração, liderança e até em processos seletivos deveriam valorizar mais as posturas profissionais do tipo pipoca. Formar com mais ênfase profissional para a cultura do serviço, do tipo surpreenda-me!
Sorvo meu cafezinho, enquanto escrevo esse texto mentalmente. Sinto falta da Ju, que era quem me atendia. Ju deu à luz e está de licença.
Sinto falta de sua postura, ou atitude, pipoca.
Sinto falta de sua atenção, acolhimento de mim mesmo, do fino trato com o qual trazia o café, nunca molhando o pires, ou aquele quando ela me perguntava se eu queria algo mais.
Essa outra que me atende é um robô tirador de pedidos. Eu não existo para ela.
Para ser um funcionário pipoca não precisa ser extrovertido. Não precisa ser carismático. Não precisa ser descumprir a norma, ou vender o que não está à venda.
Só precisa sentir o trabalho, degustar o dia com tesão. Prestar atenção em tudo que ocorre, nas beiradas da vida. Sentir o que se faz. E como o que se faz pode ser melhor, na perspectiva dos clientes, deixando seu legado a cada atendimento.
Já passei uma temporada em hospital, e, com poucos dias, já reconhecia funcionários-pipoca, e funcionários-milho.
Os primeiros despertaram potenciais adormecidos e transformaram-se em algo melhor.
Os segundos, são só um monte de milho num saco. Perderam sua identidade. Sua vocação de ser mais, de transformar-se em algo bom, belo e virtuoso, algo do tipo "comer pipoca".
Viraram autômatos dos processos que conduzem. Perderam-se da magia e estão aprisionados nas celas da rotina e nas grades da indiferença.
Você já percebeu como uma pipoca é diferente da outra?
E como um punhado de milho é parecido?
Será que estamos produzindo em nossas famílias, escolas, igrejas e mundo do trabalho pessoas do tipo milho, e aos milhares?
Pessoas que perderam o encanto de servir, de sentir o viver, de transformar realidades e deixar sua marca por onde passam, independente da atividade que produzem.
O que a Ju e o César têm em comum são suas atitudes incomuns. Pessoas comuns, com comportamentos incomuns, desafiando a rotina dos dias e a natureza das coisas.
São daqueles profissionais que você pede a eles que tire xerox de um documento corporativo de 50 páginas, e eles o trazem encadernado, ou numa pasta.
Entendem?
Profissionais assim fazem a diferença em todos os setores das vidas em que atuam, pois não se colocam como vítima das circunstâncias, mais como protagonista de sua história e fazer.
Tem um monte de gente nas organizações do trabalho que perdeu o encanto do que faz e para quem faz.
Já fui atendido por zumbis, pessoas que entre me atenderem e teclarem no WhatsApp tentam fazer os dois.
E sobra para o cliente, pois a disputa é desleal.
Já vi gente que passa o dia falando mal de seu trabalho, olhando-o numa perspectiva de torpor, peso e enfado.
Desaprendeu a extrair dele o sentido.
Essa mesma pessoa, se o César tivesse pedido para ajudar-lhe a fazer as pipocas ela o diria: “não sou pago para fazer e servir pipocas”.
Gente que passa o dia no trabalho contando as horas para ir embora. Perderam a capacidade de sentir. E ficam buscando o sentido do trabalho.
Como achá-lo, se não se sente mais a vida, enquanto se trabalha?
Creio que precisamos em todas as instituições educar nossa sociedade para o sentir, o degustar a vida e o servir.
E isso fará toda a diferença na percepção do bem-estar e qualidade de vida.
Afinal, nossas crenças atuam sobre nosso fazer. E, acabamos sendo o que pensamos ser. Simples e complexo assim.

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