Em tudo dai graças.


Vinha voltando do almoço, por costumeiro caminho, no qual já me são familiar até as pedras à sua margem. De longe, notei algo de novo na área.
Uma senhorinha tomava banho de sol, sentada numa cadeira de rodas.
Comecei a avistá-la uns 10 metros antes.
E, a cada metro em que me aproximava, mais ficava petrificado com a beleza do que via.
Com as palmas abertas, olhos fechados, ela estava em conexão com as coisas do alto.
Estava religando-se à essência das coisas.
Parecia um daqueles quadros expressionistas.
Sua presença extravasava paz e Deus. Ou, a paz de Deus.
Perto dela, uma "cuidadora" entretida no celular. Se uma abelha pousasse na senhorinha, pouco ela veria para protegê-la.
Ela era tão magra, estava tão convalescente, que se um vento forte soprasse a levaria daquela cadeira.
Mas, sua postura era de uma altivez impactante.
Fui diminuindo os passos, unindo-me com ela em oração, quase com as palmas erguidas em ação de graças.
Chegando bem perto, ela ouviu meus passos e abriu os olhos.
Então, saudei-lhe com um boa tarde.
Ela fitou-me com olhos de ternura, de abraço de mãe, aqueles olhos de laranja mimo do céu.
Desconcertado, baixei a vista, diante de tanta luz que dela emanava e segui caminho.
Carreguei-lhe comigo até o trabalho.
Hoje, ao escrever-lhes, ela ainda está comigo.
Como deve ser preciosa a vida daquela senhora, que mesmo cadeirante, desceu os andares do seu prédio para louvar ao bom Deus, enquanto toma sol.
Será que a cuidadora percebeu que ali, pertinho dela, abria-se uma janela entre a realidade e o infinito, e Deus por ela adentrara?
Há quanto tempo não colocamos nossas palmas da mãos para cima, num rito de quem agradece?
Ela poderia estar tomando sol fazendo palavras cruzadas. Lendo bulas de remédio. Pitando. Fazendo crochê. Ouvindo música. No celular e suas viciantes redes sociais. Ou até, tentando conversar com sua distraída cuidadora, ou resmungando da doença que a imobiliza, da solidão ou dos familiares.
São algumas das maneiras de se ocupar o tempo, enquanto toma-se sol.
Contudo, no meu entender, ela escolheu a menos aparente e a mais difícil.
Ela conectou-se à rede sem fio de Deus, reforçando o sinal com um gesto de quem agradece - palmas para cima.
Como Deus deve ter ficado contente com aquele coração grato.
Que lição ela deu para os transeuntes que voltavam do almoço, ou para ele dirigiam-se e por ela passavam, entre eles, eu.
Ali, ao lado do caminho, bem na sua curva, um testemunho vivo, frágil, de rara beleza e de infinita grandeza sobre gratidão.
Por um lado, a humanidade caminha muito ansiosa, apressada, agressiva, desconfiada e amedrontada.
Por outro, orgulhosa, vaidosa, ambiciosa, individualista, consumista e preconceituosa.
No caminho do meio, ainda temos as senhorinhas que com seu exemplo de vida, nos ensinam a cultivar uma cultura de paz.
No caminho do meio, aprendemos a valorizar pequenas alegrias, a se permitir aos pequenos prazeres, a não esperar o quando para ser feliz, ou ficar ancorado no "se".
Ser feliz enquanto constrói-se o agora, e suas possibilidades.
Aprender a contabilizar e ser grato pelo que nós ainda temos, e não pelo que nos falta.
Sopra uma voz no meu coração, a vovozinha me ensina como faz ao louvar:
Faça assim, Ricardim:
"Senhor, eu sou grata por poder sair da cama numa cadeira de rodas, e ter um lugar lá embaixo onde o sol bate.
Nunca assim:
"Senhor, se eu pudesse andar seria tão grata, ou quando o sol bater no meu quarto. "
Percebem, na segunda construção, o uso dos aprisionadores condicionantes, "se" e "quando"?
Obrigado vovó por me ensinar a valorizar o tempo presente, com a graça do que se tem. De quatro rodas, e um sol a queimar nossas faces e nos fazer sentir vivos e esperançosos.
Obrigado vovozinha, por ter descido os andares e vim louvar no passeio, enquanto tomava sol.
Muito obrigado!

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