Mancha de Graxa Sai.


Era um final de tarde de quinta feira. Meu estressômetro estava no nível + Plus. Dia com muitas coisas atropeladas e agenda impossível.
Fui pegar o JG na escola. Ele estava lindo. Usava uma camisa nova, que acabara de vestir, e que era uma surpresa para os pais. A camisa de sua formatura.
JG estava radiante.
No caminho, ao resolver pendências por telefone, o estresse sobe novamente, atingindo o ++Size.
Então, resolvi irmos à Barraca do Barbosa, lá na feira do produtor.
Precisava de uma cerveja bem gelada e ouvir boa música junto a amigos.
Chegando lá, fiz uma foto do JG com sua camisa nova e ficamos esperando a sua mamãe para fazer-lhe surpresa.
Entre um petisco e outro, eu gritava pra JG ficar na minha mesa e parar de explorar o local.
Cervejas depois, quando finalmente ele senta comigo, digo-lhe para ter cuidado para não sujar a camisa.
Ele baixa a vista e balbucia que já sujou.
Peço-lhe que fique de pé e avalio a situação. A camisa está horrível, ele andou escalando algum portão que tinha graxa. Está preta, daquela cor de camisa de mecânicos de oficina.
Fico ensandecido. Ralho bravamente com ele. Ele chora.
Chamo a atenção dos garçons e dono da barraca. Que tentam por água fria na fervura, aumentando mais ainda minha ira.
Então, percebo que ele chora olhando pra sua camisa.
Ele, chora muito mais pela dor de ver sua camisa nova suja, do que mesmo pela minha falação esbravejada.
Calo-me e choro por dentro envergonhado de ter feito isso.
Entendi que a dor nele era maior do que minha severa bobagem de pai.
Ligo para a Cristina, a previno e peço-lhe que não brigue mais com ele ao chegar.
Coloco-lhe no colo, e ficamos juntinhos, olhando joguinhos de celular.
A mãe chega e ameaça lhe repreender. Eu faço expressão de poucos amigos e ela cede.
Ele já está muito abalado.
Voltamos calados pra casa.
No outro dia, nossa diarista diz que sabe tirar mancha de graxa de roupa.
"É só passar um pouco de sabonete, botar no sol, mais um pouco de sabonete e tá novinha."
Ela diz que também pode usar manteiga ou detergente lava-louças.
Do trabalho ligo pra ela: Cida e a camisa? "Novinha, seu Ricardo. Mais limpa da que ele ganhou."
Não vale a pena estressar para coisas que sabonetes podem resolver.
Foi o que aprendi.
Fiquei descontrolado emocionalmente. O acúmulo de estresse durante a semana fez-me explodir. Explica, contudo não justifica.
Crianças sujam roupas. Crianças gostam de explorar locais. Crianças são crianças.
Querer que funcionem como adultos é matar o que elas têm de melhor e que lhes será muito útil na vida adulta: a capacidade de fantasiar a existência.
Aquela expressão de desgosto do JG, realçada com minha pouca sensibilidade ao fazer uma tempestade de um copo de água, não me sai da cabeça.
Não faça tempestades em copo de água.
Viva a vida mais leve. Deixe pra explodir com coisas grandes, que careçam de um posicionamento mais forte.
Engraçado que na sexta pela manhã, num outro tema afeto ao trabalho, explodi com meu melhor amigo, noutra coisa pequena.
Ele, um doce de pessoa, disse-me: "Ricardim, você está muito envolvido emocionalmente com a questão e está dando mais importância do que ela requer." Algo assim ele falou.
Fomos almoçar juntos, eu ainda destilando ácido. Ele risonho, calmo e seguro.
Pouco a pouco fui achando meu chão novamente, sorrindo e relevando.
O controle emocional é um aprendizado nunca acabado. Numa semana dei "piti" duas vezes.
E, em ambas, sabonetes no dia seguinte seriam melhores do que a explosão.
O acúmulo de cortisol e adrenalina, derivados de processos de estresse, pode nos tirar do eixo. E degradar as relações interpessoais. Ao ativar em nós mecanismos de sobrevivência do tipo: ataque, se defenda ou corra.
E, enebriados de hormônios acabamos por fazer coisas que não são legais, e que depois da palavra dita, da letra escrita, do gesto descabido, ficamos órfãos de nós mesmos. Nos perdemos do que temos de melhor, os valores.
Agora, ficarei mais atento aos meus chiliques. Lembrarei do sabonete. Calma Ricardim, amanhã com sabonete limpa. E tudo estará melhor.
Pra que explodir se não vai resolver mesmo.
O leite já derramou.
Deixe as explosões para coisas que realmente por elas valha a pena explodir.
Agora, explodir por bobagens é gastar vela boa com defunto ruim.

As manchas mais difíceis são das mágoas que nós pais podemos deixar nos filhos. Não falo de criá-los sem limites. Isto seria um desastre maior ainda. Falo de pais severos demais, perfeitos demais, exigentes demais que moldam personalidades culposas e devedoras nos filhos, os filhos aprendem a fazer tudo para alegrá-los - aos pais, a não aborrecê-los, e perdem-se de gostarem deles mesmos. Estão sempre girando ao nosso redor, com medo de nossas reações de excessivo controle.

Quanto ao JG, vou pedir que ele vista sua camisa nessa manhã de domingo. E vou enchê-lo de demonstrações de amor.
Quem sabe posso conviver melhor com aqueles olhinhos chorando a perda das cores de sua camisa, avivados por minha incompreensiva atitude de pai.
A vida já tá muito corrida, competitiva e temos que ter cuidado pra não ficarmos exigentes demais, perfeccionistas demais, com rigidez de pensamento e muito cheio de "não me toques".
Ou seja, uns rabugentos, chatos e excessivamente críticos.

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