Perigo - Todos os Ovos num Único Cesto


O aroma da mata convida-me para mais uma viagem literária. O dia começara chuvoso, revoadas de maritacas, pardais e bem-te-vis fazem a festa do encontro do sol com as águas. Perto de mim, um deles me observa curioso.

Tem o papo amarelo e a cabeça preta com a mancha branca. Um belo bem-te-vi. Ao longe uma mão erguida me saúda. Sr. Waldir convida-me para ir ver seu roçado. Diz-me que o feijão e o milho nasceram.

Conheci Sr. Waldir semanas atrás, quando ele limpava um terreno para plantar. Hoje viramos amigos. Ele é um jardineiro de pessoas, mais do que plantas. Sinto a paz ao seu lado, quando ele me fala de cada espécime que cultiva na horta do condomínio. Hoje queria conversar contigo sobre coisas simples como um terreno desabrochando em milho e feijão, recém-cultivados.

Sr. Waldir é um dos ovos de meu viver.

Como assim Ricardim?

Aprendi que um dos segredos para o bem-me-ver, ou bem-te-ver, é não guardar todos os ovos de nossa vida num único cesto, tal qual essa foto que fiz na loja Caipira, em São Sebastião-DF.

O perigo de, em caso de desastre, tudo ruir é grande.

Não deposite todos os ovos de sua felicidade num único cesto.

Tem pessoas que todos os ovos de seu viver estão no cesto do trabalho.
Outros no cesto do amado. Dos filhos. Do esporte, e até da fé.

Aprendi a colocar meus ovos noutros cestos. Tenho Sr. Waldir, um jardineiro com o qual cruzo nas manhãs de sábado e me torno melhor ao escutá-lo falar de suas plantas.

Tenho Dona Sônia, Odete e Barbosa, personagens de uma pequena feira livre que visito pelas 7 da manhã no sábado. Cada um deles me torna um pouco mais feliz. Ouço suas histórias embevecido, histórias de pessoas que superaram muitas dificuldades e continuaram acreditando na vida.

Tenho amigos na comunidade Metodista que frequento nos domingos à noite. Pessoas que se preocupam comigo e, eu com elas.

Tenho La Deyse, nos domingos pelas manhãs, que me espera com um sorriso no rosto, com cafezinho especial e um pastel de tirar o fôlego. Quando passo uns domingos sem ir ela reclama.

Tenho um monte de ovos espalhados em diferentes cestas.

Quando um deles está podre, ou se quebra, não contamina toda a minha vida.
Diversificar as fontes de satisfação no viver é muito importante. São almofadas sociais para equilibrar e harmonizar a existência.

Abelhas fazem festa ao meu lado. Não as temo.

Diversifique suas fontes de prazeres. Não coloque toda a energia de sua vida num único cesto.

Trabalhar é ótimo, realiza-me, mas não sou só o trabalho.
Orar é ótimo, me encanta, mas não sou só oração.
Receber amigos é bênção, mas não sou só um coração que acolhe.


Cada novo cesto que crio é uma oportunidade para realização.
Assim vou pela vida afora, tirando ovos de um único cesto e colocando-os noutras facetas de meu viver.

Tem gente que se separou no século XX, e ainda fala disso, e sofre como se fosse hoje. Ficou ressentido. Perdeu o prazer de um monte de outras coisas, como se toda a sua existência estivesse naquele único cesto de ovos.

Tem gente que aposentou-se com mágoa da empresa e fala disso como se tivesse sido ontem. Fala disso aos quatro cantos, amanhece com essa dor, anoitece com ela a niná-lo. Gente que o cesto do trabalho era único.

Tem gente que migrou da terra natal mas nunca mudou-se emocionalmente. Nunca mais conseguiu colocar ovos noutros cestos. Gente que o cesto da sua cultura era único.

Tem gente que só aprendeu a ser feliz em função de sua família. Quando eles partem, ou buscam outros afazeres e prazeres, para longe do ninho, a pessoa morre.


Ricardim, e o que tem a ver o roçado de Sr. Waldir com os cestos de ovos de nosso viver?

Tudo.

Aquele roçado não estava ali no mês passado.

Ele foi lá, tirou um monte de entulho, "4 caçambas", limpou a terra, arou, lançou as sementes e cuidou delas.

Diversificar nossos interesses e fontes de satisfação coma vida é como o roçado do Sr. Waldir.
Exige investimento, esforço, e o maior de todos, o do autoconhecimento.
Aquele que nos diz que CHEGA! Chega de ficar 100% focado em algo.

É hora de se abrir a novas possibilidades, cultivar novos hábitos, aprender novos aprenderes, permitir-se viver novas experiências.

Tem que tirar as tranqueiras de nosso coração.
Tem que levá-las para longe.
Tem que fofar nossa terra interior. Adubá-la e deitar novas sementes.
Tem que cuidar de nós mesmos.
E cultivar sonhos.
Tenho um monte de infinitos particulares. Altarezinhos para onde vou, quando as coisas em algum de meus cestos não estão nada boas.

Crie os seus também. Enriqueça sua existência com diversificadas fontes de sentido da vida.

Elas serão muito úteis, quando algum destrambelhado qualquer, vier a pisar no cesto de ovos que guarda em seu coração.

Você sobreviverá, afinal, não tinha somente aquele.

Pense nisso!

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