Tão longe, tão perto.

Tem chovido muito aqui em casa. Aliás, Brasília tem dois climas: seca total e chuva total.
Sempre que a chuva é grande vejo água acumulando-se na calcadinha que margeia a entrada da cozinha. Fico chateado. Já lutei contra esta água, escavando um túnel, mas ela teima em voltar. Falta caimento, serviço mal feito.
E ela vai entrando pelo solo, temo pelas fundações que sustentam a casa.
Hoje, eu e meu pai discutíamos um novo canal, mais sofisticado e caro, de uns 10 metros até a rua. Coisa para profissional fazer.
Aí saímos de perto de onde juntava água e fomos olhar a estrutura de outra prumada. Até que olhamos para a escada que dá acesso à área de lazer, que fica em nível abaixo da garagem, e é acessada pela área externa.
E se botássemos um cano naquela parede, de modo que quando a água começasse a encharcar a área da garagem ela escoasse por ali, indo para o nível mais baixo da casa.

Um furo no muro da escada externa, e um pequeno buraco, coberto com pedrinhas na área que ela descia para as fundações da casa e estaria resolvido o problema.
Nossos olhos faiscaram com tamanha simplicidade da proposta.
Em todos estes anos esteve ali, ao meu lado, e não vi.
Meu modelo mental só funcionava para conceber a construção de um meio fio de uns 10 metros até a calçada da rua. Tão simples, um furo na escada, um quilo de pedrinhas para fazer um ralo seco, e a água desceria pela escada externa, onde já desce um monte de água e lá embaixo é canalizada para o esgoto fluvial.
Ficamos até envergonhado de nunca termos visto a solução que estava à sempre ali, à nossa frente. Tive que ir tirar uma foto para vocês para vocês verem. A água acumulava-se abaixo da janela da área de serviço, ao lado da garagem. E ia descendo pela terra, atingindo as fundações da casa. Nunca nós tínhamos considerado o muro esterno da escada como uma solução. Era só abrir um buraco nele, botar um pedaço de cano e lá em cima fazer um ralo seco, por onde a água desceria e sairia por ele. Simples assim.

Quantas coisas são como esse problema em nossa vida.

Coisas para as quais precisamos vê-las de outro ângulo, para encontrar outras soluções. Às vezes ali do lado, e desprezadas.

Se não mudar o visto, como alterar o hábito?

Meu hábito em conceber uma única solução algum.

A força dos hábitos molda nossas respostas, pavimenta o terreno de nossa existência.

Aí mora o perigo.

Tem gente que olha a vida pelas lentes do hábito de se considerar sempre certo. Nunca considera de outra prumada a opinião de seu próximo, desapegando-se da sua visão de mundo extremamente arraigada.

Tem gente que olha a vida pelas lentes do hábito da crítica. Tudo é motivo para sua insatisfação, e crítica voraz. Nunca fica satisfeito com nada, e nada o sacia, no reino do regular pra bom. A vida deve-lhe sempre.

Como querer mudanças quando fazemos as coisas exatamente da mesma forma?

Tal qual eu analisava a enchente, e sua única possível solução.

Tão perto, tão longe.

Tao longe, tão perto.

Seu amor pode estar ali ao lado, desprezado e não mais visto.

Sua paz pode está ali ao lado, desprezada por um estilo de vida agressivo e pouco cooperativo.

Sua saúde emocional pode estar ali ao lado, desprezada por um monte de falsas seguranças que compra, pelo preço de migalhas de afeto.

Analisar a vida de outra perspectiva nos amplia a visão de nós mesmos, dos outros e da realidade. Mas pede ação.

Não pede profusão de palavras em preces, ou piedosas intenções.

Pede o sair de seu lugar comum, aquele do conforto das suas prisões emocionais, com direito a banho, roupa lavada e comida quentinha.

Tal qual unidades prisionais.

Mudar pede práticas. Se eu continuasse no mesmo lugar, nunca teria acessado outras possibilidades.

Escuto uma voz dizendo, "é, mas você não passou pelo que passei."

Nada amigo(a), também tive minhas dores, carrego encrustado em minha pele cicatrizes das batalhas que travei, muitas delas perdendo.

Só aprendi a drenar meu líquido podre quando senti que se não fizesse algo, como poderia renovar-me a cada amanhecer?

Aquilo estava apodrecendo minhas fundações existenciais.

Pela vida vamos tendo enchentes que minam nossas fundações. Precisamos drená-las. Identificar o problema e o equacionar com outros saberes, para além da força dos hábitos com os quais lhes estamos encarando.

Todos temos nossos copos de cristais quebrados no interior.

Coisas que ainda machucam quando as reviramos, cortam e vez por outra ainda fazem sangrar o mais cicatrizado dos ferimentos.

Meu segredo é depositar estes fragmentos de vida perdida numa cuba cheia de óleo.

Quando os cacos de vidros de meu existir ali mergulham, tornam-se translúcidos. Não os consigo mais ver. Pode experimentar em casa. Deposite um litro de óleo numa cuba de vidro. E insira em seu interior um copo quebrado. Verás que pela refração ótica não verás o copo. O óleo de minha cuba chama-se esperança.
Você pode dizer e com os copos bons acontece o mesmo, sim. Mas os copos bons não coloco dentro da cuba.

Eu os uso para abençoar as pessoas de minha vida com doses de gratidão, ajuda fraterna, amor e perdão.

Numa solução eu dreno e destilo minha dor, qual o ralo seco que farei amanhã.

Noutra, eu protejo os meus ferimentos até que a carne nova vá irrompendo tecido acima e os fechem.

Cubro minhas feridas, meus cacos de vidro, com o óleo da esperança - aquele que diz: isso também passa, e, amanhã será melhor.

Corramos, amigos e amigas, vamos mudar as perspectivas de como enfrentamos alguns de nossos problemas. Quem sabe a solução não estará ao lado.

Para os de difícil mudança, coloque-os mergulhados no óleo da esperança, enquanto o tempo faz seu trabalho.

Acredite, passará!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores