Um conto sem Páscoa


Aproveitando aquela manhã de sábado, fomos às compras de material de construção, contando com a inestimável ajuda de minha irmã e pai para encontrar coisas boas, sem acabarem nosso orçamento $, por isso o nome acabamento desta etapa da obra.
Para completar a felicidade, sabia mais tarde os filhos estariam lá em casa, preparando o almoço que nos receberia das compras, um delicioso ensopado de caranguejo.
O almoço foi só festa, com direito às, nem sempre saudadas fotos de família: ”lá vem papai com a máquina.”
Precisa melhorar?  Na cozinha, minha esposa preparava, de véspera, a bacalhoada da páscoa domingueira. Estava cheirosa e na prova tirou 10. Ela toda feliz, pois acertara na mão.
No domingo seria só gratiná-la.
Para finalizar a noite, pedimos umas pizzas e jantamos à moda antiga – afinal, para quem tem muitos filhos nada como uma boa rodada de pizza.
Vê-los dialogando sobre seus projetos pessoais e profissionais, seis jovens tão cheios de esperança e determinação em construírem suas histórias de vida me alegra. Fico embevecido vendo-lhes falantes, tal qual ficamos ao passear num bosque e observar aquela algazarra de pássaros livres, cantando em belas árvores. Assim sinto quando os filhos conversam entre si. Perto das 21h30min, todos voltaram para suas casas afinal, no dia seguinte, seria o grande almoço de páscoa.
No outro dia acordamos cedo, tinha culto da páscoa às 8hrs da manhã. Sou católico (viu mamãe!), mas achei na pequeníssima comunidade que minha esposa frequenta, a Metodista do Jardim Botânico, um lugar de amor e fé que me reabastece a cada domingo.
A partir do acordar, um turbilhão de emoções correu no leito negativo.
Faltou-me inteligência positiva para detê-lo, reprocessa-lo e conduzi-lo a um outro curso do rio dos pensamentos.
Deixa eu te explicar, uma grande autora da Psicologia Positiva  (Barbara  Fredrickson) , no seu livro Positividade (Ed. Sinais de Fogo – Portugal). ensina que para a positividade fluir é necessário que alteremos o curso do rio de nossos pensamentos, que se acostumaram a correr por um leito de emoções negativas, e à flor da pele, daquelas que nos invade com pensamentos ruins, rabugentos, murmurantes, vazios de sentido e limitados pelas restrições da vida.

E que é muito difícil alterar o curso dos pensamentos infelizes apreendidos nas posições de ataque, defesa e fuga: diante de nós mesmos, dos outros ou da realidade.
Exige mais que piedosas intenções: exige práticas positivas, fruto do autoconhecimento e de muita, muita força de vontade para mudar, ao que chamamos de sabedoria – ou Inteligência positiva.
Há de se cuidar com as ”negatividades gratuitas”, aquelas que vão se acumulando e alterando a percepção de tudo. Coisas bestas, pequenas, bobas, triviais que podem ser superadas facilmente.

Ou seja, alterar o curso do rio dos pensamentos que focam apenas no problema: ampliando-o, destacando-o e até valorizando-o demais, como quem recebe um troféu de sofrência.
Cultivando uma perigosa satisfação em se sentir certo – e eles errados, e em se justificar perante o ocorrido, buscando razões justificadoras do ficar nervoso, e das explosões de ânimo.

Você está entendendo?  Não?

Então, deixa eu te contar meu Domingo de Páscoa que passei banhando-me no curso, ou leito do rio dos pensamentos negativos. Veja as cenas de meu domingo:
“Acordei cedo para ir ao culto de Páscoa. Cumprimentei minha esposa costumeiramente, e esperei que ela me saudasse pela Páscoa, ela não o fez. Também não fiz.
Fiquei ansioso esperando que ela terminasse a produção, bendito cabelo. Sempre saio atrasado. Dessa vez o pastor frisara que precisaríamos chegar pontualmente às 8hrs, e sou eu quem faz as fotos.
No caminho, perguntei se ela sabia o endereço. Afinal o culto seria numa casa num Condomínio a 15 KM de distância. Ela me disse que não sabia. Fiquei irado, “a Igreja é dela e nem se preocupa com o endereço”.  Dirigindo, liguei para uma das irmãs, telefone na caixa. Tentei a outra, ocupado. Na terceira vez consegui e peguei o endereço da quadra, rua e casa.
Chegando próximo de lá, descobri que tem o I e o II. Então perguntei para minha esposa qual seria. Ela me responde que eu deveria saber, já que fui eu quem ligou. Fiquei puto, resmunguei qualquer coisa brava e liguei novamente.
Culto bacana, voltei pra casa mais aliviado e menos rabugento. Acelerei, pois tinha combinado com os filhos para eles chegarem cedo, e fazerem companhia ao meu pai que ficara só. Chegamos 10h45min, notei que filho algum tinha chegado.Comecei a pegar pressão novamente.
Fui logo para a churrasqueira, preparar um salmão e carneiro grelhado.
O fogo brigava comigo. Papai tentava ajudar, botando tudo que achava pelo chão e acreditava ser inflamável. Até uma piola de cigarro. Ao vê-la, ralhei com ele. Dizendo que o fogo ia ficar fedendo.
Ele recuou e relevou, como sempre faz – um sábio.
Fogo acesso, carnes no bafo, comecei a chamar o JG e a esposa para descerem. E nada.
Escutava a TV ligada, era perto da 11h30min e estava me sentido só – eu e meu pai.
Os filhos também não chegavam.
Às 12hrs liguei para mamãe para desejá-la uma feliz Páscoa. Nem terminei de desejar e ela esbravejou com o fato de eu não ter ido a nenhuma cerimônia na Igreja Católica, e ter privilegiado uma na igreja Metodista. Passei o telefone imediatamente para papai, não sem antes soltar uma malcriação: “Tá certo mamãe, seu filho agora é crente... pronto...”.
Perto das 12h30min, tirei um pedaço do peixe para comermos de tira-gosto. Papai jogou a pele e algumas espinhas para o cachorro. Fiquei irado e ralhei novamente com ele.
Às 12h45min, finalmente a esposa e o JG desceram, e comemos a bacalhoada. Eu estava chateado.
Cobrando em pensamento uma maior companhia no Domingo de Páscoa.
Inquietava-me também o atraso dos filhos, noras e genro.  Mandei logo um  UOTZAP dizendo:
"Da próxima vez forem atrasar, avisem-me antes, para que eu faça outro programa."
Digitei com um bico de 10 cm.
Como chutei o balde, subi para dormir, perto das 13h30min.
Nem bem entrei no quarto, vi que a luz da casa da árvore estava ligada e fui desligá-la. Encontrei-me com os filhos, noras e genro descendo a escada em direção à área de lazer, era umas 13hrs40min. Sem me dirigir a eles, e à distância mesmo, falei que a comida estava no forno, desejei-lhes uma feliz páscoa protocolar, e subi para dormir.
“Eu estava certo” (SIC!).
Acordei pelas 16hrs, encharcado de emoções negativas. Uma forte chuva caiu, com direito a raio explodindo no quintal.
A esposa desceu correndo com o JG, e eu esbravejei a que a sua reação seria ruim para o filhote, ele poderia pegar uma fobia. O raio derrubou o sinal da NET, e queimou um de seus receptores.
Após a chuva passar, fui olhar os estragos lá fora e descobrir que na garagem estava pingando água da laje. Ou seja, a impermeabilização estava falhando.
Mais dor de cabeça.
Após um jantar rápido, subimos para ver um filme no DVD, já que não havia sinal de NET.
Descobri que ele também sofrera avarias, é que desligava sozinho, ao passar o filme, e o filme era bom.
Depois de religá-lo umas quatro vezes, desistimos. Ficamos com o gostinho do filme e impotentes frente à tecnologia que sofrera também com o raio.
Perto das 21hrs, fomos todos dormir.
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Pronto, acabou um domingo no curso do rio dos pensamentos e emoções negativos.

Eu poderia reescrevê-lo totalmente, dando tons positivos aos acontecimentos que destaquei.
A realidade seria a mesma, a forma que eu olharia para ela é que seria diferiria.

Veja em resumo.
1. Saudação de Páscoa -  Acordei, dei um belo abraço na esposa e disse-lhe: Feliz Páscoa.
2. Atraso -  Ainda bem que é perto para onde vamos, e que sempre tem umas canções antes da cerimônia propriamente dita. E que ela capricha no visual. Quem cuida de si e se embeleza, tá com autoestima boa.
3. Endereço – Ainda bem que tenho os celulares do pessoal e que um deles atendeu.
4. Endereço 2 – Minha esposa está com razão, na hora que peguei o endereço deveria ter pego por inteiro. Ela está nervosa, percebe que chegaremos atrasados.
5. Ausência filho e esposa. "Papai, vamos subir e ver o que eles estão fazendo? Quem sabe ajudá-los para que possam descer também, afinal ainda vai levar uns 30 minutos para cozinhar o carneiro."
6. Telefone da Mamãe – "Mamãe, não fui a nada da Igreja Católica porquê tive uma agenda bem cheia".  &*%$###@. "Tá certo mamãe, próxima páscoa eu irei prestigiar as celebrações de minha igreja, também.
7. Piola – Como é bom ter um pai que ajuda a fazer um fogo pegar. Um pai amigo.
8. Atraso dos filhos – Poderia ter ligado e perguntado qual o status do atraso. “Filhos, qual a previsão do pouso? Para que eu possa me programar e a carne não esturricar. "
9 - Bacalhoada - que legal o prato está, ele foi fruto do esforço de minha esposa ontem à noite. Sou grato a ela pelo que fez. [na cena original nem senti o gosto, a raiva tira o sabor da vida].
10. Raio – Eu poderia ter acolhido o medo deles. "Venham, desçam e fiquem ao meu lado, eu os protegerei. O estrondo foi muito alto mesmo, natural o medo."Que bom que não aconteceu nada a vocês."
11. Bens materiais estragados – Ainda bem que o disjuntor funcionou, desligando o quadro de luz. Poderia ter perdido tudo, foi só um receptor da NET e um DVD velho.
12. Dormir às 21hr. “Acho que poderemos aproveitar que o JG arriou,que não tem TV e NET-WEB,  e namorar um pouquinho. É tão raro irmos dormir a essa hora, e, mais raro ainda o JG ter capotado cedo."

Percebem como eu mesmo estraguei meu domingo de Páscoa, deixando minhas emoções e pensamentos fluírem pelo curso do rio negativo?

Como minha rabugice, murmuração e pensamentos poderiam ter desviado para outro curso mais positivo; afinal era muita negatividade gratuita. Pra coisa besta, coisa pouca...
Assim acontece com muitas coisas em nosso viver, para as quais poderemos desviar a força negativa, flexibilizarmo-nos frente à ela, ou aceitá-la, ou renunciar, ou acolhê-las, ou até usar do diálogo para melhor compreendê-las.
Saindo da posição de vítima infeliz, fazendo com elas uma nova realidade, sendo a mesma.
Olhá-la com um outro olhar. Um olhar periférico, para além do foco da dor; saindo do turbilhão de pensamentos confusos, fruto da ansiedade, preocupações e rabugice que nos diz que nós somos os CERTOS.
Conhecer melhor a si mesmo, aos outros e à realidade – concebendo-a no regaço de um coração amoroso e fitando-a com olhos de mansidão, bondade e esperança é possível, mas exige treino.
Práticas da inteligência sócio emocional que consiste em melhor se conhecer e aos outros. "Você toma consciência dos motivos e sentimentos alheios, e responde bem a eles. É a capacidade de reparar nas diferenças, em especial com respeito ao estado de espírito, temperamento, motivações e intenções, agindo então com base nessas distinções. Consiste em sintonizar precisamente o acesso aos próprios sentimentos e na capacidade de utilizar essa sintonia para compreender e orientar o comportamento adotado que se quer.” Martin Seligman – Considerado o fundador da Psi. Positiva

Em tempo: Já pedi perdão a todos. Mas, o domingo já passou. Game over. Este está perdido.
Seria tudo tão fácil se com o perdão, de forma mágica,  voltassem as fitas de nosso viver. Mas, não é assim. Portanto, ficarei mais atento para não entornar o caldo novamente. A vida não tem edição.

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