Vamos brincar?



No trajeto que faço para o almoço, entre as quadras da Asa Norte 308/307 e 508/507, em Brasília-DF, tem um campo de futebol.
O pobre é mais desprezado do que orelhão de ficha, nos tempos atuais.
Há um ano transito por ali e nunca vi ninguém batendo uma bolinha, embora gramado e com traves.
Hoje, chegando próximo do local, avistei um jovenzinho sentado, com uma bola. Ele deveria ter uns 14 anos.
Perguntei-lhe se esperava alguém para jogar, ele olhou-me sem motivos algum, e disse-me que ninguém viria ao campo - "como sempre", pois "estavam nos apartamentos" e que só ele desceu. Era perto das 13hrs.
Tive uma dó danada do moleque, queria tirar o paletó e trocar uns chutes.
Mas, como fazer com a roupa suja, no turno da tarde?
Segui para o almoço pensativo, como é dolorida a solidão de quem quer brincar e não acha com quem.
No restaurante, à minha frente um pai caprichosamente faz o prato de sua filha, ainda vestida do colégio que acabara de chegar. Ela deveria ter uns 8 anos, no máximo.
A menina fez birra e falou alto, que "já era uma mocinha" e não aceitava o pai fazer seu prato.
O pai cedeu, entregou o prato pra filha, e foi sentar-se numa mesa. Olhando-nos envergonhado.
A menina, se achando, saiu catando o que queria, cultivando uma autonomia tão precoce.
Voltei pelo campo de futebol. O jovenzinho ainda estava ali. Agora ele fazia embaixadas. Pedi licença para documentá-lo, com meu celular.
Ele ficou feliz. E passou alguns minutos "brincando" comigo, mesmo que em poses futebolísticas.
Segui por dentro das quadras residenciais, em direção ao cafezinho tradicional do posto de gasolina.
No caminho, um parquinho infantil sem ninguém. Com uma amarelinha pintada na calçada, mais sozinha do que freira em clausula.
No caminho, um parquinho infantil sem ninguém. Com uma amarelinha pintada na calçada, mais sozinha do que freira em clausula.
Não é a primeira vez que por ali passo e noto uma completa indiferença aos brinquedos do parquinho. As babás, ficam teclando nos seus celulares, e as crianças, idem.
Tem criança que nem anda ainda e que já tem sua "chupeta eletrônica", com suas galinhas pintadinhas.
Então, ficam crianças com seus celulares para um lado, e babás com os delas para outro. E todos fingem estarem brincando ao ar livre.
Curiosamente, ao acessar as notícias do dia, no retorno do almoço, vi que a Sociedade Brasileira de Pediatria emitiu um alerta para o que chama de Geração On Demand, disponível em:
http://tab.uol.com.br/vida-on-demand/#efeito-colateral
Na matéria, a médica Evelyn Eisenstein, coordenadora da elaboração das diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria para o uso de tecnologia, faz severos alertas.
Segundo a pediatra, os pais ainda não acreditam nos prejuízos da conexão ininterrupta à saúde dos filhos, mas os consultórios já lidam com problemas concretos: ansiedade, dificuldade de concentração, síndrome do olho seco, transtornos de sono e também de alimentação (estes dois ligados à falta de horários fixos, já que o conteúdo virtual não segue grade de programação).

Tenho um filho de sete anos e vivo na pele esse drama. ele esquece de tudo quando liga seu tablet e acessa jogos, ou youtubers de jogos.
Esquece de pedalar, de brincar com seus cachorros, de exercitar a imaginação na casa da árvore, de visitar os amigos que moram à frente.
Aí, começa nossa briga, quase diária, para discipliná-lo. Outro dia ele pediu para levar o tablet para o colégio, "no dia do brinquedo", nas sextas-feiras.
Proibimos veementemente. Mas, não funcionou. Descobrimos que ele fica jogando no dos amigos, que levam.
Penso que precisamos discutir tecnologia, sem ser careta.
Mas precisamos. Precisamos saber a hora de desconectar, a hora que vamos nos viciando em acessar o whats, 50 vezes pela manhã, em grupos que passam o dia postando, e como voyeur ansiosos temos que ler o que rola, mesmo sem digitar nada.
Qual será o impacto na produtividade de tanto whatszap? Que vai tirando a capacidade de concentração no que estamos fazendo.
Tem gente que até telefona e diz assim: "mas eu mandei um whats e você não abriu". Como se o sujeito tivesse que ficar "on-line", abrindo tudo que vai aparecendo, sem se concentrar em nada que está fazendo.
Preciso incentivar mais o ser brincante no JG. O ser brincante desenvolve em nós três competências, essenciais ao crescimento como pessoa: a socialização, com sua consequente capacidade de criar vínculos. A criatividade, com sua fecundidade em transpor limites. E a imaginação, com sua varinha de condão que nos faz viver cenas, sem nelas estar, processando nosso lugar de existir, de uma forma lúdica. O brincar com o outro nos faz exercitar o apego, o desapego, as frustrações, as conquistas, as perdas e os ganhos.
No reino do faz de conta, constrói-se a inteligência emocional, ainda criança. Sem acelerar a idade, sem apressar o rio. Sem queimar etapas, sem querer ser mulher, ainda menina, ou homem, ainda guri.
Vamos brincar mais com nossos filhos! Ensiná-los a gostar de coisas simples, como procurar o tesouro do Capitão Nemo, enterrado embaixo de um monte de folhas secas.
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Obs: Mesmo se discorda de tudo que eu falei, e é pai ou mãe, pelo menos acesse o link que postei, sobre as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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