Aposentadoria - Breviário para o lado de lá. (Autor Ricardo de Faria Barros)


Lentamente faço minha bagagem, para uma nova jornada, lá do outro lado do rio de minha vida. 
Entre as roupas corporativas e memórias que reviro, escolhendo as que levarei comigo, escuto o sino batendo lá fora, olho o calendário, e tomo consciência que hoje começou a contagem regressiva, agora faltará um mês para meu último acesso ao SisBB.

Então, resolvi escrever umas regras que me orientem, nessa travessia e melhor adaptação. Coisas para eu ler, quando me sentir desnorteado. Compartilho com colegas que estarão vivendo a mesma situação. Além delas, no final desse texto, têm os quatro capítulos de um livro que lançarei sobre o tema, e que comecei a escrever a partir de atendimentos que fiz às pessoas que viviam o processo de adaptação à aposentadoria. Eles poderão ser úteis.

Breviário Sobre as Vivencias do Lado de Lá.

1. Dinheiro - Não gaste o dinheiro da indenização com abestagens. Não se iluda. Esse dinheiro vai escorrer por entre teus dedos, e acabar. Então, cuidado para não entrar em roubadas. Não queira abrir uma padaria. Você nunca vendeu nada. Vai se estrepar. Não se iluda com o Programa Pequenas Empresas, Grandes Negócios, ali estão as que deram certo. Esse dinheiro será uma ajuda, quando as contas não fecharem. E, lembre-se, você não terá mais dias para vender, ou as esperadas PLRs para te socorrer. Não sofra, mas aquela vida vendida pelas agências de turismo aos aposentados, nem sempre dará para custeá-la. Ninguém se aposenta ganhando mais.

2. Pós-Carreira Remunerada - Administre sua ansiedade em encontrar atividades remuneradas. Elas poderão acontecer, ou não. O Mercado não está para peixe. Não se culpe ou puna por “não estar empregado ainda”. Deixe disso. Evite ficar se comparando a outros, que conseguiram trabalho remunerado no pós-carreira. Deixe de ficar esperando agoniado que chegue um email, com um convite, ou o telefone toque. Desapegue-se disso! Ao assim dizer, não quero que você Ricardim fique de braços cruzados. Você ainda é muito jovem. Tem muito o que trabalhar ainda, agora na tua própria agenda. Só, entenda a conjuntura. E, não deixe que isso vire uma fixação doentia. Se aparecer algo, ótimo. Se não aparecer, viva feliz do mesmo jeito.

3. Tempo. Ocupe o tempo. Não fique prostrado na cama, com barba por fazer, ou zapeando o dia inteiro, virando um escravo do mundo digital. Faça algo diferente, todos os dias. Liberte-se do pijama, cadeira do papai e controle remoto da TV. Esqueça esse negócio de férias eternas e vazias. Compre uma agenda e marque nela suas aventuras, descobertas, alvos a perseguir. Matricule-se em algo legal, pratique esportes, conheça novos amigos de várias tribos: pedal, moto, dança... O tempo será teu pior inimigo, ou melhor amigo. Use-o a teu favor. É como se todo dia recebesse uma página em branco, para colorir, registrando nela as coisas que fará. Você lutou muito e conquistou essas 12 horas livres no teu viver. Não as desperdice. Invista bem o seu capital temporal. Tem muitas atividades comunitárias esperando por você. Conhecimentos a conhecer. Experiências a viver. A ocupação do tempo pode ser feita a um custo pequeno, ou nenhum, como andar de pedalinhos no lago Paranoá, ou tomar banho nele.

4. Saudosismo Mórbido – Cuidado com a tentação de querer saber das coisas da empresa, do mundo ativo. Das fofocas da corte. Das campanhas e sinergias da vida. Querer acessar os e-mails, intranet, manter-se em grupos do zap zap, opinando sobre coisas de quem está na ativa. Tire essa roupa. Dispa-se do BB, sem deixar que ele seja parte de você. Entende Ricardim? É hora de zerar faturas em aberto, seja de mágoas, seja de expectativas não realizadas, seja de pessoas que lhe fizeram sofrer. Carregue suas raízes num pote, só colocando nele as coisas boas que levou da empresa. Não fique esperando ser ainda convidado para aniversários, festas de finais de ano, ou os prosaicos happy hour. A fila anda, e você sairá da agenda de contatos. Nem pense que lhe procurarão para tirar dúvidas. Você não é insubstituível, por mais referência em alguns temas em que se tornou. Mas, repito, a fila anda. Lembre-se do BB como um lugar que formou seu caráter e como uma mulher amada acompanhou seu viver, na alegria e tristeza, na saúde e doença. Agora, dela se divorciará. Mas, ela continuará sendo tua amiga. E, as boas lembranças do que viveram juntos, e o teu legado deixado, ninguém nunca de ti levará. Mas, aprenda a se divorciar, de forma madura, sábia, preservando a amizade, mas sem nenhuma relação de co-dependência afetiva doentia.

5. Relacionamentos – Invista em redes de relacionamento. Participe de grupos sociais, encontre motivos para se afiliar, ou se vincular, a outras coisas. Acredite, têm pessoas legais que você ainda não conheceu, que orbitam noutros ecossistemas culturais, diferente daqueles do BB. Os novos amigos que fará, nos vários grupos em que vier a se afiliar, serão bálsamo e fonte de satisfação na outra margem do rio. Só tenha cuidado para não querer reduzi-los aos filhos. Sufocando a vida deles, com teu 100%, agora, de atenção. Evite a síndrome do ninho vazio, ao perceber que teu lar está vazio. Nada de querer atenção, ou de passar a controlar/gerenciar a vida deles, como numa maluca terapia ocupacional. Eles não se aposentaram ainda. E, dentro desse tema de relacionamento, compreenda o mundo de tua esposa. Você agora precisará ter paciência com ela. Reconquistá-la, dia a dia, mansamente. Durante muitos anos você esteve ausente, de um monte de coisas. Então, não vá chegando em casa querendo logo pegar o controle remoto, num horário que era dela, entende a metáfora? E, caso ela continue a trabalhar, ajude nas coisas da casa. Isso não diminuirá seus sonhos no pós-carreira. Poderá ser fonte de prazer, ser, vez por outra, um “Já Que...”. O limite para o “Já que” será quando ela lhe mandar comprar óleo, para pegar uma promoção no supermercado, aí será demais. Arranje logo uma lavagem de roupa. Rsrs

6. Saúde. Você agora terá mais uns 30 anos de vida, no mínimo. Cuide deles com atenção, mantendo a saúde legal. A saúde é um completo bem-estar nas dimensões: física, psicológica, social e espiritual, muito mais do que a ausência de doenças. Então, se cuide mais ainda. Caminhe, leve os cachorros para tomar sol. Tome sol. Liberte-se do açúcar, sal e gordura. Cuidado com as drogas lícitas. De dose em dose em dose, todas as horas, se faz um alcoólatra. Faça todos os exames de sua idade, e passe a ser acompanhado por um geriatra. Não permita que nada destrua sua saúde emocional, aprenda a ligar o “Cagando e Andando”, ou evitar pessoas tóxicas, emocionalmente falando.

7. Preste Atenção – A vida está acontecendo em todo lugar, e você pode ativar o modo de percepção seletiva do que é bom, belo e virtuoso. Cuidado para não ficar aquele velho resignado, rabugento e descrente do futuro, de si mesmo, do outro e da realidade. Ame de montão. Faça poesias. Escute e veja coisas bacanas. Escolha o que, e para onde quer olhar no seu viver. Ser + feliz é uma decisão que tomamos muito mais com a cabeça, do que com o coração. São escolhas racionais. Lembre-se Ricardim, sua história pode estar apenas começando, não se apequene. Viva intensamente o presente, procurando ser bênção na vida das pessoas com as quais cruzar. Retribua a sombra que da vida recebeu. Seja grato por tudo. Todos os dias persiga três metas: 1: perceber algo de bom, belo ou virtuoso; 2: fazer algo de bom, belo e virtuoso; 3. agradecer algo de bom, belo e virtuoso.

Por fim, lembre-se, e pratique sempre, o que Paulo recomendou aos Filipenses 4, 8: “Concluindo, caros irmãos, absolutamente tudo o que for verdadeiro, tudo o que for honesto, tudo o que for justo, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, nisso pensai.”

Com essas recomendações, deste meu Breviário, não pretendo dourar a pílula. A adaptação na margem de lá, do rio de nossas vidas, é trabalhosa, e com recaídas de tristeza súbita. Mas, há outras fontes de prazer, no viver,  para além do mundo do trabalho formal. E, muitos de nós nem sabemos que existia vida, para o lado de lá,  dado o assoreamento no tempo líquido, para outras ocupações de qualidade, que o emprego formal provocou, em décadas de dedicação. 

Abaixo, textos complementares desse tema já publicados por aqui. Use-os sem moderação:

Síndrome da Abstinência à Vida Corporativa
Síndrome do Ninho Vazio
Síndrome da Alienação Fantástica
Síndrome do Tempo Elástico

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4 comentários:

  1. Adorei seu texto. Exatamente como me sinto. 36 anos de Banco, menor auxiliar , uma vida de dedicação e uma perspectiva de sair e mundo lá fora me esperando

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  2. Maravilhoso texto. Devo, a partir de agora, trabalhar tudo que diz nele e daqui a uns anos, quando for a minha vez, ter entendido o que é essa nova fase. E viver da melhor maneira. Obrigada por compartilhar.

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