Direis Ouvir Estela


                                             
(Da esq. para dir.:  Mislene, Joice, Estela e Paula)
           
                    














Dona Estela entrou na minha sala para servir um cafezinho, notei que ela queria falar algo, e que estava com um sorriso-Monalisa no ar.
Perguntei-lhe o que havia, ela disse-me que estava muito feliz, pois depois de 25 anos retornava aos bancos escolares, fazendo umas aulas de inglês.
Dessa vez quem ficou abobalhado fui eu, e perguntei-lhe: A senhora também está no curso?
Ela me respondeu, toda orgulhosa, que sim.
Tenho acompanhando, de forma privilegiada, o renovado ânimo que tomou conta das telefonistas e copeiras – saudável efeito colateral dessa nova aventura em que se meteram.
Fico extasiado com o frisson das aulas e desafios que estão encarando, das lições que estão tendo: I like. I drink. E de suas risadagens com as pronúncias.
Tudo começou quando a Joice perguntou ao professor de Inglês, um que dá aulas particulares ao Presidente e Diretores da empresa, quando ele saia de uma das sessões, se ele não poderia ensiná-las, a um precinho camarada.
O Prof. Sérgio deve ter ficado emocionado, se eu tivesse no lugar dele ficaria, com tamanha iniciativa em busca de capacitação, uma das melhores formas de se habilitar à subida dos degraus da vida, e de forma honesta.
Ele falou que se elas montassem uma turma de seis pessoas, daria para fazer por R$ 100,00 reais por mês, para cada uma delas, com direito a apostilas e CDs. E com duas aulas semanais, de 60 min, no intervalo do almoço.
Logo o frisson tomou conta dos servidores mais humildes da empresa e duas turmas se formaram.
Orgulho mesmo foi elas me convidarem para participar de uma das turmas: “Bora Ricardim, deixa de lerdeza, ele é um professor muito bom e faz preço de pobre”.
Senti uma imensa ternura pelo gesto. E fiquei feliz por elas.
Alegrei-me com a alegria delas.
Chamei as meninas e fiz uma foto delas, a turma do 4 andar do curso de inglês, essa que ilustra a matéria.  
Mostrando a foto ao Diretor Péricles, ele contou-me que uma das meninas confidenciou-lhe que estava com medo de não aprender, e que já pensava em desistir. Aí ele prescreveu-lhe Clóvis de Barros. É amigos e amigas, esse filósofo brasileiro é tudo de bom e pode curar corações cansados e sem esperança. Ele indicou-lhe um vídeo no qual o professor Clóvis fala que é preciso ter raça para perseguir os objetivos e aprender o novo. O Péricles só saiu de perto dela quando certificou-se que ela viu o vídeo, no seu celular. Que gesto bacana. Recomendo o vídeo a todos que buscam aprendizado, vejam aqui: nesse link: https://www.youtube.com/watch?v=Qj6mQSdBSGI 
Tem gente que para de procurar novos conhecimentos, ao deixar de ser curioso na busca do saber, e envelhece o cérebro e a alma.
Quando crianças tínhamos esse dom de buscar, de prescrutar o desconhecido e aprender, aprender brincando. Depois vamos entrando nas formas da vida e esperando que nos deem tudo mastigado. Sem esforço. Queremos chegar à janelinha, mas sem se levantar. 
Tem gente que se aposenta até da vida e deixa de querer aprender novas coisas, vai para cadeira de balanço da morte.   Tem gente que perdeu o encanto em conhecer coisas de outros tipos de saberes, limitando-se à sua área de conhecimento. 

Outro dia descobri que na “safra” semestral de pesca do Mapará, no Norte do Brasil, um profissional muito importante é o Taleiro.  O Taleiro é um profissional da região, de grande experiência, que com auxílio de uma tala fina de madeira mergulhada no rio, avalia a existência, quantidade e direção que o mapará avança no rio.
O Taleiro vai à frente, enquanto os pescadores estão com os barcos ancorados nas margens, tateando a água com uma vara enorme.
Ele penetra a tala na água, segurando-a apenas numa das pontas e vai avançando com o barco sentindo a vibração da água na vara, ou tala.
Quando sente que bateu em algo, que não é fixo, ele faz movimentos circulares com a tala para identificar se por acaso não seria um cardume de peixes, a uns 4 metros de profundidade.
Quando sente que a vibração continua, ele faz sinal para os pescadores, fundeados em terra, que logo chegam e cercam o cardume com suas redes, laçando-o.
Você que me lê pode perguntar: mas o que tem o taleiro com as meninas do inglês?
Tudo e nada.
O taleiro não pesca peixe algum. É o único que não tem redes. Mas, o taleiro abre uma janela de possibilidades para a pesca. O taleiro e seu rudimentar sonar de profundidade capacitam os pescadores à pesca.
Assim é com tudo que aprendemos, nos capacita a sermos melhores. Quando abrimos as fronteiras de nossos pensamentos, possibilitando a expansão de nossa percepção, para além de limites reais ou imaginários, melhoramos a sensação de bem-estar em relação a nós mesmos, o mundo e o outro.
O taleiro monitora a realidade e oportuniza as possibilidades, presentes em seu bojo, mas que as dificuldades.
Ele está sempre atento e aprendeu a ler os sinais das correntes que tocam na vara.   Péricles foi um taleiro. Joice foi uma taleira. O professor Sérgio foi um taleiro. Todos alteraram o lugar comum, sentindo as vibrações do momento, e anunciaram o novo, aliás: fizeram o novo com suas atitudes e comportamento.
Tudo que aprendemos de novo funciona como uma alavanca para o existir, e ecoará nos infinitos de nosso viver. Alterando destinos.
E, não há sentimento mais potente do que aprender algo. Como é boa a curiosidade pelo conhecimento.
Outro dia fui passar uns dias nas imediações da pequena Corumbá de Goiás. Descobri que ela já fora a maior produtora de café do Goiás, e que por ela passa a linha do Tratado de Tordesilhas.
Bacana demais a curiosidade em aprender.
Essa mesma curiosidade que levou as meninas a investirem no aprendizado de outro idioma, só pelo simples fato de sentirem-se potentes ao aprenderem.
Quando pequeno meus pais me presentearam com livros de aventuras ( Monteiro Lobato), de tecnologias (Tecnirama) e ganhei um resto de mudança de meu primo: A coleção Jovem Cientista. Preciosa doação.
Como me fez bem. Como aprendi a olhar assombrado para a vida e buscar o conhecimento.
Mas do que capacitar o sujeito para galgar algum degrau na vida, como falei no início do texto, o conhecimento nos emancipa, no dá autonomias, no liberta de condicionantes e pré-conceitos de todos os tipos.
Aprender melhora nossa auto-estima, como fez com a das meninas.
Para elas, nessa noite eu tiro o chapéu. Para a sabedoria do taleiro, idem. Para quem teve a ideia de pesquisa sobre a linha de Tordesilhas, também.
Numa época de acesso ao conhecimento do tipo fast-food, a curiosidade de buscar algo mais, a de ir além das aparências, e a de aprofundar-se disciplinado na busca de novas competências poderá nos tirar da manada sem rumo em que se tornou a humanidade.
Amanhã passarei a sacolinha para custearmos as mensalidades. Desde que mostrem o boletim de frequência. Essa será a minha tala. A tala é tudo aquilo que não existia e que você moveu a ação e fez acontecer.
Procure sua tala. 
Chego ao trabalho cedinho, pelas 7h30min, e chamo a Mislene para mostrar-lhe a crônica. Minha rede está desconectada. Fuço de um lado, fuço de outro. Os técnicos chegam ao trabalho 8hrs. 

Mislene me diz, "está sem rede é? O notebook não conecta?"
Olho para ela impotente, e falo com o corpo resignado. Ela então me diz: "Entre na internet, mesmo sem rede."
Olho desconfiado. Ela me diz: "Vá meu fiiin. Tecle aqui.  Vá descendo. Desmarque essa caixa do proxy. Tire aquelas letras ali".
Estufa o peito e diz, agora abra outra aba qualquer. E funcionou.  Ela me disse que viu o técnico fazer aquilo uma única vez e aprendeu. 
Uauuu!!!! 
Então queridos que nós não deixemos nunca, largado no almoxarifado de nossos valores, o da curiosidade de aprender, de descobrir, em conhecer...  E o melhor valor: o de ensinar, como ela me fez com o tal do proxy e que aprendi. 
Não perder o assombro e encanto com a aventura da descoberta de coisas que ainda não sabemos nos motiva e energiza nosso ser. 
Deguste conhecimentos e compartilhe-os, todos ganharão.  
Escutei Estela e fiquei maravilhado. Li Bilac e a vi as meninas ali, em cada estrela. Que possamos escutar as estrelas ao caminhar pelas veredas da vida, sempre atentos para aprender e ensinar novas lições, tal qual o poema de Bilac nos inspira: 
Olavo Bilac - Via Láctea
"Ora (direis) ouvir estrelas!
Certo.
Perdeste o senso!"
E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite,
Enquanto
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora:
"Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas"

Vejam abaixo um vídeo com o taleiro em ação: 

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