Uma Candura de Abraço


Tem uns cinco anos que eu almoço no Tio Patinhas, um self-service na 716 Norte em Brasília.
Bem próximo do Ed. Sede IV da Diretoria de Tecnologia, onde trabalhei.
Acompanhei toda a saga da família que toca o empreendimento, e que recentemente mudou de nome de fantasia, não sendo mais o Tio Patinhas.
Marido, mulher e a mãe dela se revezam nas várias tarefas da empresa. Acompanhei a gravidez do segundo filho do jovem casal, o acidente de bicicleta de seu esposo, e as prosaicas história da matriarca do pedaço, Dona Candinha, como a chamarei por aqui.
Dona Candinha é uma Cearense da gema que foi logo dando liga com meu sotaque paraibano de ser.
Foi amor a primeira garfada.
Ela está ali para fazer aquilo dá certo. Do alto de seus 70 e poucos, mantém os cozinheiros e garçons na ordem, e circula entre os vários papeis, dela exigido, e com desenvoltura.
A todos ela dirige uma palavra: "Você almoçou bem?"
"Meu filho, já foi atendido?"
"Vai experimentar o tambaqui na brasa?"
Nunca a vi de mau humor. Nem com os seus funcionários, nem sempre céleres.
Dona Candinha é líder nata. Atua com maestria: aquilo lá precisa dá certo, é de sua filha, genro e netos.
Fazia 5 meses que ali não comia. Era uma segunda corrida, daquelas que entre um evento ali e outro acolá, uma tosse seca e uma noite mal dormida tiravam-me do sério.
Como o evento era próximo dali, resolvi matar as saudades.
Telefonei para meu amigo Fahl, perguntando-lhe se ele topava almoçarmos juntos. Fahl era um parceiro inseparável dos almoços, nos quais achávamos soluções para todos os problemas do mundo.
Ele também mudara-se de prédio e estava mais distante.
Logo topou. Fui na frente.
Entrei e fui logo cumprimentando a todos. A filha e genro de dona Candinha, e os garçons.
Eis que adentro o setor de mesas e Dona Candinha está assumindo o posto de pesadora de balança de self-service.
Ela me vê e solta um: Meu filho, há quanto tempo!
Larga a balança e me dá um abraço fraternal.
Uma candura de abraço. Mas não foi um abraço qualquer. Senti nele como aquela canção diz: " Então me abraça forte
Me diz mais uma vez que já estamos distantes de tudo".
Era como se ela estivesse precisando abraçar um amigo.
E tome a me perguntar de minha família, de onde eu andava...etc.
Eu, no mesmo tom, fiz muitas perguntas para vovó Candinha.
Sentindo meu corpo sendo invadido pela esperança e otimismo de viver.
Ali, ao lado da balança, fiz morada enquanto o amigo Fahl não chegava.
O sabor do abraço penetrava em cada tecido olfativo de meu coração.
Eu agora estava feliz, aquilo me fizera feliz. Esquecera tudo que me inquietava naquele dia de tantas coisas acontecendo, esquecera da tosse, das noites mal dormidas, e até da dificuldade de falar pela rouquidão.
Eu era outro. Rejuvenescido pela força de uma braço.
Voltara a me sentir um guerreiro, tal aquele que Fagner cantou:
"Um homem também chora
Menina morena
Também deseja colo
Palavras amenas
Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura
Guerreiros são pessoas
São fortes, são frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sonho
Que os tornem perfeitos"
Para fechar a segunda, com chave de bênção, teve um xarope.
Esse xarope também foi um gesto abençoado.
Túlio, meu amigo virtual, natural da região do Vale do Aço (MG)e BH, compadeceu-se de mim - na noite da Candinha, e postou-me um fitoterápico que alivia a tosse.
Aliás, não só postou como acompanhou se eu comprava, e na formulação correta. Preocupou-se com minha saúde, no dia em que um abraço me encantou. Estava perfeita a segunda.
Senti-me muito bem, embora fisicamente acabado com essa gripe que rouba as forças. Voltei a me sentir potente, espiritualmente falando.
De uma coisa tenho certeza, não saímos os mesmos após nos sentirmos amados, reconhecidos ou valorizados por alguém. 

Após um amigo sugerir um remédio para nossa doença, nos reconhecemos no melhor lugar do mundo pra se estar:  um abraço.  No caso do Túlio, um abraço virtual repleto de empatia e cuidado.

Depois de recebermos abraços, virtuais ou reais, saímos melhores e queremos de alguma forma retribuir isso para com alguém.
Não temos ideia da força de nossos atos nos ecos do infinito das vidas com as quais cruzamos caminhos. Nunca teremos.
Queria retribuir tanta bênção da segunda.
Então, no meu caso, levei o xarope fitoterápico de tosse ao trabalho hoje. Precisava retribuir a doação de atenção do Túlio a mais umas 3 pessoas no setor que estavam tossindo muito também. 
Ele ontem funcionou à noite, durante minha degustação risonha do abraço da Candinha, e precisava retribuir aquela sensação doando-me também um pouco ao outro. Então, levei para o trabalho e dei umas colheradas, "a força", para dois amigos que também estão doentes.
Percebem como o circulo do bem vai se propagando. O amigo que indica um remédio, que revela preocupação. Um abraço cheio de ternura. E nos sentimos inspirados para retribuir com alguém.
É a força virtuosa da vida.
Hoje, acordei lembrando-me da despedida de Dona Candinha: "Meu filho, não desapareça, volte sempre, gostamos muito de você".
Que posso fazer com tamanho amor que recebi?
Retribuir, apenas retribuir...
Muitos que ali almoçam agora prestarão atenção a Dona Candinha.
Insisto, existem pessoas maravilhosas à nossa volta. É só capacitar o coração para vê-las; com elas aprender e se inspirar para tocar a vida possível.
Obrigado Candinha, pela imensidão de ternura no aconchego de um abraço, num dia em que me sentia tão ralezinha cósmica, sem graça e beleza alguma, só doente e cansado.
Você me tornou, com a força de seu amor, um guerreiro!
"Sr. Ricardim, quando tiver carneiro na brasa eu aviso!"
Despediu-se de mim a Santa Candinha...
E eu disfarcei meus olhos marejados, botando a culpa na gripe. Saí mais alegra ainda, afinal um "homem também chora".
Quanto ao Fahl, mais uma vez resolvemos todos os problemas do mundo. Que amigo precioso!
Mas, aí já será outra crônica.

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