Um dia com ela. (Autor Ricardo de Faria Barros)

Ansioso, perdi o sono e madruguei, madrugada adentro falando.
Era a primeira vez que sairia sozinho com ela, sem nada e ninguém entre nós.
Combinamos de nos encontrar na Leroy, onde estacionei o carro. Ela deixou seu carro no Extra, ao lado.
Entrei na Leroy e não a encontrei, logo ela zapeou que estava chegando.
De longe a vi, vindo em minha direção, com um sorriso tipo lua cheia.
Nos cumprimentamos efusivamente, e logo seguimos para nossas aventuras.
Primeiro escolhemos as cortinas, de cor e forma que mais combinassem com ela do que comigo. Sou do algodão, das cordas, dos couros e das palhas. Ela é da seda, dos vidros, das madeiras e metais.
Ela sorri e diz que vai me repaginar. "Mesmo sendo uma missão quase impossível". Rimos os dois.
Deixo-me guiar por ela, quem sabe não é hora de provar novos sabores, texturas e aromas?
Então, como ela me ama, e eu também a amo, deixo-me guiar por sua mão, seguindo sua orientação, sem qualquer pesar ou aperreio. Só os $.
Ela é boa em achar coisa bonita, mas $$$$...
Aí, pego o jeitão da coisa que ela gostou, e vamos fuçando, até achar algo parecido, contudo bem menos $$$$.
Uma verdadeira saga, das boas e divertidas, tipo garimpar.
Quando achávamos algo, dentro de eu estilo de decoração, e meu bolso de apropriação, fazia gosto ver seus olhos brilhando, como quem estivesse a montar um enxoval para seu próprio lar.
Depois das cortinas, foi a vez do tapete.
Ela se agarrou a um felpudo, mais parecendo que segurava um bebê. Amor à primeira vista, comprado!
Ela me disse que seus livros estavam todos desarrumados, precisando de uma prateleira para organizá-los. Achamos uma bem bonita, e a presentei com ela. Ela ficou muito feliz e grata.
Dali, partíamos para outros locais.
Fomos agora num único carro. Deixando o dela no estacionamento.
Acho que foi a primeira vez que só nós dois andamos no carro. Botei até umas músicas de “sofrência” que sei que ela gosta. Aff!!
No Casa Park, encaramos bravamente lojas na semana dos descontos, estavam cheias, e provamos uns mil itens, antes de decidir por alguns deles, deixando outros pra trás, para desespero dos atendentes.
Tudo tinha que combinar. Ela fazia cálculos matemáticos na cabeça, imaginando se os tons, sobre os tons, dariam certo.
Eu não fazia a mínima ideia dessa arte. Vê-la conduzindo aquelas paletas imaginárias, desenhando-as na sua mente, era assombroso. Assombroso de bom. Curti.
Dali, carregamos o carro, para economizar o frete, que ficou mais parecendo um caminhão e partimos em direção ao Lago Sul.
No Lago Sul, botamos força de “chapeiros” e subimos com as tranqueiras até o primeiro andar, no local onde ficariam. Mais uma vez, só nós dois, em completa cumplicidade.
Senti um orgulho enorme dela, vendo-lhe subir as caixas com esforço. Fez questão de levar o seu bebê, o tapete.
Pensei comigo, que bom que ela não faz o tipo que não pega em peso, com medo de quebrar as unhas. E, se entrega com paixão em tudo que faz. Um tesouro.
daqueles que enaltecem o coração.
Subimos com esforço aquelas escadas, carregando até aquela mesa que compramos, acondicionada numa enorme caixa. Para depois, quebrarmos a cabeça de como montá-la. Mas, eram R$ 300,00 a menos. E esse dinheiro fará falta.
Lá em cima, ela até quis abrir o tapete, para provar como ficaria no chão. Mas, olhou para meu estado de cansaço e relevou, deixando para depois.
Perto das 14hrs, fomos almoçar no Gilberto Salomão. Fazia um século que eu ali não entrava, e o Taioba continuava o mesmo. Aliás, adaptou-se à crise, agora com marmita à R$ 10,00. Quem te viu... quem te vê!!!
Tive vergonha de meu prato, diante do dela. E, para compensar o vexame, até insisti que ela repetisse. Chamei um amigo que ali se servia, e estava só, para compartilhar de nossa mesa. E a alegria foi completa. Esse amigo é uma pessoa que me apoiou muito ao chegar em Brasília, uma pessoa-luz, o Sérgio Dantas.
Dali, partimos em busca de lustres na quadra das elétricas, 108-109 Sul. Não achamos nenhum de nosso gosto R$. Entendem? Tudo muito caro e o orçamento já estava apertado.
Fomos então para o Setor de Industria e Alimentação – SIA, quem sabe ali não teria?
Parei numa loja estilosa, do tipo dela, a São Geraldo. Ali, tomamos um café delicioso, enquanto falávamos de amenidades, e dávamos risadas do preço dos lustres de chão. Que nós não éramos para o bico dele, ou o contrário.

Eita lustre difícil.

Começou a chover, e o clima do café ficou mais aconchegante ainda.
Notei uns olhares para mim, ao sair da loja. Que explodam de inveja, é bonita, é bonita, é bonita e é bonita.
O guardinha nos levou até o carro, conduzindo um imenso guarda-chuva. Uma chiquesa só!
Ela se achou, eu também.
Ainda tínhamos um tempinho, antes das 17hrs, horário que ela precisava partir.
E, nem bem sabíamos o que fazer com ele, aquele tempo, dado a novidade do dia. Quem tem todo o tempo, perde a noção do tempo.
Então, ela lembrou-se que tinha uns adereços de carnaval encomendados no Atelier das Meninas, lá no Sudoeste. Me ofereci para ir com ela buscar. Mesmo sabendo que para os meus padrões de horário, eu já estava atrasado. E muuuiiittto!!! Sou daquele que fazem check-in com 3 horas de antecedência. Então, saber que já eram 15hr30min, e que ela precisaria pegar o carro 17hrs, no inferno daquele trânsito que me alucinava.
Contudo, me senti em paz e feliz. Vencendo todo meu pânico: com horários, engarrafamentos, chuva no trânsito e a ansiedade que me diz que não dará tempo, enfrentei a missão com uma calma que nem eu me conhecia.
Pegamos as tranqueiras no Sudoeste. E, lembrei-me de um acesso pelo setor policial que economizaria uns 20 min, ate o Extra.
E deu certo. Orgulhoso, a deixei com tempo ainda dela levar umas comprinhas para sua casa.
Como demorei tanto para fazer um programa desses? Alegando falta de tempo, oportunidade e até disponibilidade.
E os feriados, sábados e domingos?
Por que só uns 20 anos depois? Quem sabe só agora estou preparado para de fato estar ali, naquele dia, de forma inteira, completa, sem tanta coisa que desviava minha atenção dos filhos.
Poderia não ter um dia, mas tinha parte do dia, ou algumas horas, para sermos só nós dois, sem dispersão com os outros, sem ruídos de estações emocionais mal sintonizadas.
Como eu fazia quando ela era um bebezinho, há 30 anos atrás. Ao sair pela quadra de onde morávamos, levando-a para tomar sol.
Por que vamos nos distanciando de uma maior intimidade com os filhos, e estes com seus pais.... Por que?
Passado o momento reflexivo, nos despedimos com um abraço forte, cheios de júbilo, daqueles que tem quem passou já passou o dia junto com quem se ama, montando algo com a cumplicidade de pai e filha, o meu espaço de psicologia, treinamentos e consultoria, a Ânimo.
Tirarei um dia só para minha filha, novamente, ahh se tirarei.
E compraremos o lustre. Depois, vamos passear, sem medo de ser feliz, ou de não dar tempo de chegar em algum lugar !!!

Sim, por falar em tempo: em tempo; farei uma camisa com um escrito: Sou o pai!

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O autor é aposentado do BB, psicólogo, mestre em gestão social e trabalho e especialista em gestão de pessoas. E proprietário da Ânimo - Desenvolvimento Humano: psicologia, cursos e consultoria em RH. Pai de Tiago (32 ), Priscila (30), Rodrigo (28) e João Gabriel (7)

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