Uma ilha de árvore. (Autor Ricardo de Faria Barros)


Gosto de imensidões. De vales emoldurados por montanhas desejantes. De oceanos a encontrarem-se com o lado de lá. De deserto catingueiro, com juremas enfileiradas em feixes de vidas que teimam.
Gosto de árvores subversivas, sobreviventes à força bruta do Homem que progressivamente vai derrubando tudo, na sua saga e ambição por ter mais.
Como essa da foto. Uma ilha de diversidade, no meio de um mar de uniformidade.
Local possível para fazer ninho, abrigar-se do sol e chuva, comer e dormir à sombra de suas copas.
Solitária, ali ficou, como quem a nos desafiar.
Solidarizo-me com árvores solitárias. Solitária é diferente de sozinho.
Todos temos nossas doses necessárias de solidão. De silêncios, de recolhimento, de contemplação de nós mesmos, vistos do alto de uma árvore.
No mundo há muita agitação, muito barulho e ruídos emocionais.
Precisamos resgatar esse tempo de deserto, de busca interior e de acolhimento da vida como ela se apresenta.
Precisamos de pausas, de solidão conosco mesmo, para que possamos nos escutar.
Em alguns fecundos momentos precisamos nos desconectar de tudo que nos distrai, para conectarmos a imensidão infinita de nosso ser.
Muitos temem esse momento. Temem desligar o som, apagar a TV, desplugarem-se do celular, ou estarem sem bateria no micro.
Temem os silêncios que falam. Temem os sons do interior.
Mas, sem esse tempo de parada como aprumaremos as velas?
Por isso árvores solitárias, falam-me tanto!
Elas remetem à saga de viver, que em muitos casos será uma conversa, uma história de nós, conosco mesmos.
No limite, estamos todos solitários. Que não significa sozinhos, volto a dizer.
Significa que no fundo a vida é nossa história, escrita com traços individuais, embora num livro coletivo.
No fundo, somos peregrinos caminhantes de nós mesmos. E isso pode ser muito bom.
Nos dá um senso de autonomia e liberdade inigualáveis.
Nos torna responsáveis pelo nosso vir-a-ser no aqui e agora.
Tempos de pausas nos fazem elevar o coração.
Mas, andam sendo raros. Enchemos nosso interior com todo tipo de pensamento que grita, que sufoca, que nos alucina e assombra.
São arrependimentos espelho, culpas peraltas, mágoas encardidas, invejas malditas e ressentimentos rebatidos.
Enchemos o nosso aparelho interior de todo tipo de ruído emocional e ficamos conectados às estações de muita agitação interior.
E, perde-se a capacidade de se assombrar com uma única árvore que sobreviveu à saga da soja. Sem nenhuma razão aparente, desafiando o destino que tolheu suas iguais.
Precisamos cultivar tempos de silêncio, que não são tempos de tristeza e angústia.
Nessa sociedade que vende felicidades sonoras, falar em cultivar tempos de silêncio soa estranho.
A pessoa chega à frente do mar, as ondas falam, mas ele não as escutam. Pois, seu aparelho de som está na máxima altura.
A pessoa chega numa mata preservada, mas não escuta os pássaros, pois caminha com fones de ouvido.
Em todo lugar tem algo falando, gritando, dizendo como ser ou não ser. Em todo lugar um monte de gente barulhenta, raivosa, cheia de suas verdades sobre nós, eles e a vida.
E, precisamos negar a isso tudo e achar nossa própria voz interior, calando as vozes que a nós chegam, seja da babel da sociedade, sejam de nosso coração ululante em pensamentos opressivos.
Paz. Sentir a paz. Esvaziar-se de si mesmo, do outro e da realidade, para deixar o sol aquecer o coração. Abrir janelas de si mesmo, deixando-se arejar pelas brisas aracatis do final da tarde.
Precisamos de tempos de só nós, conosco mesmos. Para que possamos tocar em nosso interior, lustrando-o para novos aconteceres.
Precisamos ser árvore de vida, mesmo em meio à morte de um só pensar, um só agir, do tipo soja transgênica e com agrotóxico.
Reaprender a ser, em meio ao não ser. Reaprender a sentir, em meio ao não sentir. Reaprender a ser bom, em meio à maldade.
Reaprender a esperançar a vida, no meio a tanta desesperança.
Reaprender a ouvir o outro, no meio do só falar.
Reaprender a ser de paz, em meio à guerra.
Nada simples. Mas, muito necessário para conservar a saúde mental, em tempos de tanto barulho emocional.
Aprender a esvaziar-se é fundamental para deixar entrar em si mesmo os sons e sentidos do silêncio.
Restauradores de nosso tecido emocional.

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