Florescer (Autor Ricardo de Faria Barros)


De forma desajeitada, ele se aproxima do local onde lancho. Vem inseguro, como quem matuta uma decisão, pensando alto. Noto que ele equilibra algo, atrás de si, com uma das mãos.
Minha curiosidade de cronista fica aguçada.
Contudo, baixo a vista, para não surpreendê-lo. E fico olhando de soslaio.
Eis que uma moça, que come ao lado de minha mesa, levanta-se. E dá a impressão que é para recebê-lo.
Gosto de ver histórias de amor acontecendo à minha frente.
Mas, ela está com a expressão séria. Ele chega, a cumprimenta e a puxa para um abraço.
Ela olha para ele e retribui o abraço. Mas, faz gestos como quem a pedir os dois braços dele.
Querendo um abraço mais inteiro, daquele redondo, nos quais as almas se acomodam umas nas outras.
Aí, ele se afasta e a pega de surpresa, mostrando o que o impedia de usar ambos os braços.
Ele segurava escondido um jarro com flores.
Creio que eram lírios, dos laranja.
Amo os lírios, a flor citada por Jesus.
Aí, o mundo acontece na vida daquele casal, e é como se ninguém mais estivesse na cena, só eles.
E passam a conversar, numa algazarra romântica, aos borbotões, como que zerassem o saldo de histórias represadas, pedindo um bom momento para serem colocadas em dia.
Acho que rolou um perdão.
Volto para minha aula renovado. Testemunhei um florescer.
Engana-se quem acha que o florescer acontece na flor que o abriga, que desabrocha em mil tons. Preste atenção, não é aí que se dar um verdadeiro florescer. Não é aí...
No Breve Tratado das Coisas das Flores, escrito por Ricardim, o florescer acontece mesmo é dentro de nossos corações.
Quando recebemos ou damos flores ao outro, movidos por um genuíno desejo de amizade, paz, perdão, amor, gratidão, ou apenas como expressão carinho, o florescer germina e explode em nós, em miríades de sentimentos bons.
No Breve Tratado das Coisas das Flores, existem floresceres que se parecem com uma cama. Você já viu aquelas flores que formam um tapete no chão? Que dá até vontade de nelas deitar?
Têm pessoas que são como cama em nosso viver. Nos dão seu próprio leito, para nos verem bem. Mamãe, que deve estar me lendo agora, é uma delas. Ela e meu pai deram-me um florescer tipo cama. Foram abrigo, leito, sustento e fortaleza para meu existir, e de meus filhos. Como ver um tapete de flores e não se lembrar do ninho de amor de meus pais?
No Breve Tratado das Coisas das Flores, existe o florescer da esperança. Esse é bem raro de identificar de primeira. É tão raro como a Orquídea Fantasma, a Dendrophylax Lindenii. Mas, quando recebemos uma flor dessa espécie, nosso coração sai cantarolando de feliz. Parece que injetaram em nossa alma uma dose extra de energia, e na veia. Ficamos em júbilo e animados. E recuperamos a força para aboiar velhos e novos sonhos. Sempre que eu acompanhava doentes com HIV/Aids, e testemunhava quando recebiam visitas, e elas traziam-lhes flores, eu lhe juro, se fizesse um exame de sangue, momentos depois, a contagem de anticorpos deles iria dar aumentada. O florescer da esperança aumenta nossa imunidade.
Nossa relação com as flores não pode ser explicada pelo mundo cartesiano. Qual o racional em se roubar uma flor, enquanto se caminha, e colocá-la atrás da orelha dela? E, ela ao usar aquele adereço, olhar para ele como se fora a joia mais preciosas, com olhinhos de ai ai ai?
Enquanto houver um coração apaixonado, uma mãe amorosa, uma celebração, haverá flores naquele existir.
No Breve Tratado das Coisas das Flores, existem as de despedidas, de lutos que reclamam vidas editadas, mas já é tarde, e por ser tarde, precisa que as mil lágrimas sejam choradas. São lutos de descansamentos para outras estações de embarque. Neles, imperam os Crisântemos, Margaridas, Rosas e Gérberas, formando um portal espiritual, como que diz ao amado que se despede: Vá, e siga pelo caminho das flores, um dia nos encontraremos.
No Breve Tratado das Coisas das Flores, existem aquelas que acalmam nosso existir, que se nos oferecem de forma gratuita. São flores à beira do caminho, são flores baldias, que não exigiram cuidado algum, ou maior investimento, para acontecerem em nosso viver. Simplesmente chegaram, desabrocharam-nos, e seguiram suas jornadas. Nos deixando muito melhores do que éramos, antes que florescêssemos. Para esse tipo de pessoa-anjo, ser flor é sua essência, seja com sol, com chuva, seja com terreno adubado, seja em solo empobrecido, elas teimam a natureza das coisas e geram floresceres espetaculares, daqueles que brotam do nada. Tal qual a flor da jurema, que anuncia que vem chegando a invernada. Você já conheceu alguém, por um breve período de tempo, que marcou seu viver, para sempre? Ocasionando em ti um florescimento da vontade de viver, já esquecido nos porões do existir? Agradeça. Agradeça. Agradeça. Deus capacita anjos para cruzarem conosco, nos momentos mais impensáveis, e nos abençoarem. E, aquele breve existir, de dias, horas, meses, nos eternizará.
No Breve Tratado das Coisas das Flores, existe um canção que deixou a todas muito envaidecidas. E elas foram contando às estrelas, ao astro rei e sua namorada, o que ouviram. E, num cochicho espiritual, tudo que é bom, belo e virtuoso, cantou baixinho a canção do florescer, aquela que diz que o perfume delas, das flores, na verdade exalam o perfume que roubam de ti. Com essa música me despeço, deixando para você flores da Cagaita (ver foto), para que por algum breve momento, por um instante sequer, fortuito, não planejado, em que deitou a vista nesse texto, sinta o quão precioso(a) e amado(a) tu é pelo bom Criador - o pai de todas as flores e floresceres, para quem as Rosas Falam!
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As Rosas na Falam (Cartola):
Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim
Queixo-me às rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti...
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Obs: Considero as flores da Cagaitas as Cerejeiras (Sakuras) do Cerrado.

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