Suba a tela. (Autor Ricardo de Faria Barros)



A aula transcorria normalmente, contudo sentia-me desafiado a envolver o grupo, dado que a turma era muito grande, em se tratando de cursos de pós-graduação.
Após 25% da aula, eu estava prestes a abrir o próximo módulo, só faltando mostrar aos alunos como eles plotariam os dados num gráfico, do exercício que acabaram de fazer.
O tema do próximo módulo de ensino-aprendizagem era: Percepção e Tomada de Decisão.
Imaginava como conseguiria que meus alunos se apropriassem daquele conhecimento, fundamental para o prosseguimento do curso, numa turma tão grande, que me impossibilitava de realizar as pequenas dinâmicas de grupo que trago, para vivenciar o conceito.
Até que a luz, ou a falta dela, se fez.
Eu tentava mostrar aos alunos o local que eles deveriam utilizar para marcar os dados, nesse gráfico que está na foto.
Aproximei-me da tela de projeção, com um lápis, daqueles que utilizamos para quadro branco, mas vi que eu danificaria a tela, caso escrevesse nela.
Os alunos perceberam meu drama, estavam ligados.
Como vi que não poderia riscar na tela de projeção, comecei a marcar os locais apontando com o dedo.
Até que um aluno gritou: "Sobe a tela, professor!".
Eu travei. Pensei, dará no mesmo, pois não posso escrever na parede.
O aluno sentiu minha pane mental, e veio em minha direção.
Então, subiu a tela e vi que a projeção ficava no quadro branco, atrás dela e preparado para ser riscado, com canetas próprias, como as que eu utilizo.
Uauuu!!!
Quase me ajoelho e agradeço a Deus pelo meu travamento, pela minha pane de decisão, ocasionada por um viés de interpretação da realidade, fruto de uma percepção - forma como os dados entram em nosso HD, distorcida.
Peguei o mote, e iniciei o módulo mais difícil, agora nadando de braçada, pelo exemplo que todos testemunharam, do quanto somos talhados pela forma que processamos a realidade.
Todos temos óculos distorcidos, ou quebrados, pelos quais a realidade é filtrada. Saber disso na prática, nos torna menos arrogantes e abestados, ao mundo do outro. Parcialmente captado pelo nossos óculos.
Todos temos esses óculos defeituosos que alteram a percepção de nós mesmos, dos outros e da realidade.
E, após penetrar em nosso aparelho mental, essa percepção molda a realidade, para que ela caiba dentro de nossas considerações sobre tudo, induzindo atitudes e comportamentos.
Esse é um conceito basilar da teoria da Negociação Comportamental, derivada do método Harvard de Negociar (Ury & Fischer).
Desconfie do que vê, de como vê e de como interpreta a realidade.
Pode ser que esteja havendo um erro nos dados de entrada (percepção) que vão alterar todo o processamento da informação, em nossa psiquê.
A melhor forma de minimizar os efeitos das distorções é nos permitirmos ao mundo do outro, criando pontes. Pontes de ouro, pois nos levarão às outras margens de nossas verdades tão bem defendidas, esvaziando-nos de nós mesmos, para que o mundo do outro possa encontras um lugar, em nossos corações, e nele também fazer morada.
O uso da frase: "Será?", também ajuda a criticarmos a nós mesmos, sempre que criarmos muros perceptivos, de uma percepção pobre, pois distorcida sempre é, que impossibilita que o outro, a realidade e a nós mesmos sejamos compreendido.
Será que não posso mesmo escrever nesse quadro?
Essa crítica ao nosso modelo mental de pensamento é fruto de exercícios de auto-conhecimento diários, que nos tornarão melhores na arte da convivência. Até conosco mesmos.
Então, antes de sair por aí criando muros, que tal repensarmos nossos óculos, nos compreendendo como limitados em nossa apropriação da realidade, do outro e de nós mesmos. E, ao nos compreendermos assim, meio caminho estará sendo dado, em direção a uma maior inteligência positiva nos relacionamentos e na vida.
Modelos mentais economizam energia de processamento, fruto da rotina e dos hábitos, contudo podem limitar nosso crescimento, para as margens além de nosso próprio umbigo.
Então, que tal subir a tela de projeção?

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