Na crôa que se forma, o dom de cultivar esperanças.

Chegamos à tempo de pegar a balsa das 9hrs, que faz o trajeto Cabedelo-Costinha. À nossa frente, aguardava ela chegar, um feirante com seu carro cheio de bananas. Compramos logo uma penca, por R$ 3,00. Nós e um monte de gente que esperava a balsa chegar, fazendo sua alegria. Chegando à Lucena, nos dirigimos até a praia de Fagundes, uns 18 KM do ponto de atracação da balsa, e entramos no acesso à barraca do Geraldo, uma das melhores daquele trecho de praia, para dali contemplar a Crôa se formando. 
Caminhar sobre a "crôa" da Pontinha de Lucena é um fenômeno da natureza imperdível (Veja foto aérea). Uma Crôa é um banco de areia que só se forma na maré vazante. E, a maré estava vazando. Enturmamos o JG com as crianças do bar, que estava vazio, assim como a praia, eram os netos do Geraldo e deixamos JG sob os cuidados de Dona Celina. Então, após esperarmos uma hora a maré baixar, caminhamos uns 500 metros até aquela formação. O mar ainda lavava a crôa, fato percebido pelas ondinhas que formavam em toda a extensão. Pássaros davam rasantes, fazendo a festa com os peixinhos que ficavam mais desprotegidos. Naquele local, a Crôa se projeta da praia até mar adentro, e é facilmente acessada de pé. Veja a foto. Diferente da mais famosa Crôa da Paraíba, chamada de Areia Vermelha. Terror dos navegantes, delícia dos banhantes, esse tipo de formação nos dá acesso à uma praia que fica encoberta pelo menos 18 horas todos os dias, com areia bem limpinha, cheia de conchinhas e a sensação de provisoriedade e mudança da vida, já que em poucas horas aquilo tudo estará coberto novamente pelo mar. Essa crôa é acessada da praia, sem precisar de barco. Quando nela chegamos, por ser dia de semana, fevereiro e período escolar, a praia era só nossa. Com raros catadores de conchinhas, para artesanato, e alguns pescadores indo buscar suas redes. Ali, sentando naquela primeira ilha, o silêncio era quase espiritual, quebrado apenas pelo som das ondas e suspiros do vento, enamorado pelas folhas dos coqueiros que avistava à frente. 
Ainda havia uns 30 cm de água, em alguns trechos, mas não impedia nosso vigoroso acesso às primeiras ilhas que se formavam, na parte mais alta da crôa. Veja foto. 
Parti resoluto atrás de minha estrela de nove pontas, fotografada em 2016. Não achei. Achei outras coisas belas e acalmei meu coração. Não é todo dia que achamos estrelas de nove pontas. São raras e cobiçadas por aquaristas e pessoal que faz arte com as coisas do mar. Aliás, alguns literalmente "fazem arte", no sentido de coisa errada, ao retirar espécies ainda vivas para com elas fazerem suas peças, como os búzios e as estrelas de nove de pontas, entre outros. 
Ficamos uma hora no local, e ao sair o trecho de areia estava formado, já voltamos para a praia sem pisar na água. 
Caminhando de volta, uma pontinha de tristeza, por não ter visto minha estrela, assombrou meu coração. Assombro besta e passageiro.
Mas a sorte se fez. Aliás, não é sorte. 
No local mais improvável, ela apareceu toda linda.
Estava naquela areia molhada de beira-mar, quando o mar vai secando, que mais parece um espelho.
Ou seja, não apareceu onde ela mora, na parte mais funda do mar, que ali só conseguimos chegar ao caminhar pela crôa.
Apareceu num trecho facilmente visto, exposta aos banhistas, artesões e pescadores que por ali poderiam caminhar.
Ainda bem que a praia estava vazia. Após a foto, a resgatei daquele perigoso trecho e a coloquei mais dentro da água, para que ela escapasse de ser peça de arte.
Só devemos levar da natureza as fotos, deixar pegadas e edificar, em áreas protegidas, romances à lua cheia. 
Chegamos no Geraldo e a felicidade ficou completa. JG, e os netos do Geraldo: Mamá, Geraldo Neto e Pedro, todos entre 6 e 8 anos, faziam festa com brincadeira de criança, das antigas. Não havia celular, tablet, Tv ou Game disponíveis e eles brincavam de inventar brincadeiras. Como nós fazíamos nos tempos antigos.
JG ensinava aos meninos suas priruetas e cambalhotas, tendo cuidado para eles não se esforçassem muito, para não "vomitarem" pois tinham almoçado. O cuidado do JG com as outras crianças me seduz.
Aproveitei que a PM fazia ronda no local e levei JG para apresentar-lhe. Ele ainda está traumatizado com o assalto. Depois, ele se soltou mais ainda, talvez por se sentir mais protegido e até dentro da cozinha do Geraldo virou local de esconde e esconde. 
Deliciei-me por umas duas horas vendo-lhe assim. Aproximando-me deles, vi que agora estavam concentrados cavando terra. Dirigi-me à Mamá, uma jovenzinha da idade dele, e pergunte-lhe se o que plantava em cima de um tijolo era um pé de grama. Ela fazia um montinho de terra e colocava capins sobre ele. Achei que ela estava brincando de plantar.
Ela olhou para mim e disse, é não. 
É um bolo. 
E aí entrei na fantasia, junto com ela, e fomos fazer bolo, e era de chocolate. Depois, levamos para assá-lo, embaixo do pé de coco.
Como é bom ver nossos filhos brincando. Logo apareceu uma bola, e aí nosso DNA se fez presente e a algazarra idem, de crianças correndo atrás da bola.

A formação da crôa nos ensina que nada é eterno, tudo é mudança, e que precisamos saber esperar o tempo do desabrochar. Sem apressar o rio de nosso viver, sem botar carbureto para amadurecer à força. Com JG e sua timidez e sociabilidade com estranhos está sendo assim. Devagarinho, dia por dia ele vai aprendendo que nem todos mordem. Só alguns e deles precisamos saber nos defender. Como para ver a Crôa, chegando na praia com mar bravio, temos que ter paciência e acreditar que o melhor ainda está para vir em nossas vidas. É só esperar a força da maré que irá revelar o que temos de melhor, em suas luas vazantes. Uma esperança atuante, sem ser esperança de comodismo. Esperança que não se cansa em apresentar novos amiguinhos para o JG, na esperança de que, pouco a pouco, como ontem à noite, ele mesmo tome a iniciativa e consiga. 
Assim é como tudo na vida. Temos que ter paciência, para ver o que se descobre nas vazantes de nós mesmos, dos outros e da realidade. Ali quando tudo fica a mostra e se revela em sua completude. Possibilitando que tesouros escondidos, como minha estrela de nove pontas, possa ser acessado e nos torne melhores. Esperanças daquelas revolucionárias, transformadoras, não daquelas de braços cruzados. Das que lentamente, mas com perseverança, moldam o destino que se pretende ser. Alterando a crôa de nosso viver, do viver do outro e da própria realidade. 
então, quando as coisas ainda estiverem encobertas em seu viver, com mar bravio batendo à sua praia, tenha calma. Isso também passa e o melhor ainda estará por vir em teu viver, é cultivar o tempo da maré, ela vai virar e uma linda crôa aparecerá. Talvez não seja o tempo ainda, ou o que queira muito, na verdade não seja bom, no futuro de seus dias. quem saberá o que a crôa revelará? Só uma coisa sabemos, o ontem já se foi, e tudo é mudança. Então, aprenda a eternizar os bons momentos e as vadias alegrias em seu viver. eles são como a formação da crôa, nada perenes. Mas, infinitamente belos quando acontecem. Talvez o segredo dessa beleza seja justamente a percepção da finitude desse instantes mágicos, como o de ao caminhar ver uma estrela do mar de nove pontas, ou de se deliciar vendo o filho brincar. O amor tem o dom de eternizar nosso peregrino viver.

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