Rosas Desprezadas



Era final de férias, estava aguardando no interior da sala de embarque o voo de volta à Brasília. Coração apertado, como todo coração de quem volta da terra natal.

Eis que cravo o olhar num belo ramalhete de rosas vermelhas, a minha frente.

Quem as teria recebido?

Ou quem as levaria para um ente querido?

Ao seu lado pasmem, cadeiras vazias.

Os minutos passam, vou ficando ansioso, aguardando o encontro das rosas com a sua pessoa-proprietária. Este não acontece.

As cadeiras ocupadas vão ficando vazias. Todos correm para as filas. Adoramos filas.

A atração pela fila de embarque é incontida, mesmo ainda com o avião a taxiar na sua chegada.

Outros se acotovelam e amontoam-se à frente, brigando com as atendentes, para terem prioridade no embarque. A estes, passa “despercebido” o fato de que já há outra fila, formada com pessoas na mesma situação deles, com prioridade. São os espertos.

Minha flores esquecidas, agora miram-nos e riem de nossa pequenez humana. Por um minuto, esquecem-se da dor de terem sido abandonadas.

Na minha cadeira, contemplado aquele burburinho da horda, as fito envergonhado, como que a dizer: “perdoe-nos, somos assim mesmos; ambiguidade: luz e trevas, perdão e vingança, bosta e mel”.

Vou me entristecendo, minuto a minuto, com o destino daquelas rosas, sem entender como alguém as desprezou num canto qualquer.

Quem o fez deve ter seus motivos, e com certeza bem fortes. Só não queria está na pele de quem as deu, ou de quem as receberia.

Sei lá, bateu um sentimento de pena desta pessoa, deste destinatário que nunca as receberá.

Ou deste que as deu, e que mesmo sem ser na sua presença sofreu aquele gesto de desprezo. Foi provado que desprezo se transmite por pensamento, mesmo a distancia, então já viu né...

Senti dó daquelas flores que não chegaram ao seu vaso, sempre especialmente preparados para lhes acolher.

Tive até vontade de resgatá-las, porém fui contido com uma recomendação de segurança que ouvira recomendando que não se toque em objetos deixados ao acaso em aeroportos ou rodoviárias.

Vai saber.

Naquela tarde emotiva, voltei-me para pessoas do tipo flores-abandonadas-num-canto-qualquer.

Solidarizei-me com elas.

A indiferença, contrário do amor, dói mais do que o ódio que irrompe.

Lembrei-me de um cliente de um barzinho com o qual dividia uma cerveja e comentava sobre a história do garçom Targino, que gentilmente nos servia, a qual tivera acesso dias antes.

Targino perdera tudo na vida. Próspero comerciante de redes, numa pequena cidade do interior da Paraíba, confiou por demais no seu sócio que o passou para trás.

Até sua pequena chácara, um pedacinho de céu, o Banco “tomou”. O sócio desapareceu na calada da noite levando o estoque e o saldo de caixa. Deixara com Targino as dívidas, todas em seu nome.

Sua família o abandonou à própria sorte, rogando-lhe injúrias por ter sido “tão inocente nos negócios”.

De tão humilhado, com a precariedade da situação, abandonou sua cidade e foi ajudar um primo distante na capital, trabalhando como garçom em seu bar, e morando de favor em sua residência.

Ao relatar a história do Targino, aquele senhor com o qual dividia uma cerveja me olha com desprezo e fulmina, “esta história já conheço, ele conta a todos”.

Nenhuma emoção em sua fala. Nenhum sentimento de solidariedade ou compaixão. Indiferença: “esta história já conheço”.

Discretamente tomei minha dose, calado, e voltei a minha mesa de onde não devia ter saído. A indiferença com a dor do outro é um traço dos tempos atuais, uma pena.

Voltei outro dia voltei ao bar, comovido com aquele garçom de traços tão elegantes, e que visivelmente manifestava um desconforto e estranheza com a situação que vivia. Procurei consolá-lo, com consolo torpe, daqueles que não consolam e do tipo, “pelo menos o sr. ainda tem saúde”.

Sentindo-se confiante ele disse-me que gota d´agua foi seu pequeno caminhão que vendera para pagar parte das dívidas com funcionários.

Os cheques que recebera do comprador – pessoa importante da cidade voltaram sem fundos.

Sem valentia, poder ou conhecimento para brigar pelo que é seu, como cachorro deitado na sarjeta que leva chute de quem passa, deixou a cobrança da dívida do carro com sua filha, que mais uma vez o xingou por ser tão “desmiolado” com os negócios, e se auto exilou em João Pessoa-PB.

Ao Targino, queria oferecer aquelas flores também desprezadas pela vida.

Às vezes, do encontro de desprezados, brota resistência e força para o renascer.

Aquelas flores, como que lendo meu pensamento, sentiram-se melhor, realizadas em sua vocação de levarem amor.

Queria oferecê-las também a todos e todas que lêem esta crônica e sentem-se deslocados com a situação em que vivem.

Aos humilhados, excluídos, desamados, esquecidos e violentados na sua dignidade humana um buquê de rosas vermelhas.

Ao Targino, um muito obrigado por ter compartilhado sua história e pelo exemplo de quem não teme recomeçar e não dessite de viver, mesmo que servindo mesas num pé sujo de praia.


Fecho com o belo poema da Isa, gentilmente cedido para este post:

ROSAS NO LIXO    by   Isa Musa de Noronha 

Que rosas são estas, postas no lixo?
À frente desse prédio frio, mausoléu de mármore?
Quem mandou ao lixo
A eterna mensagem de amor?

Rosas postas no lixo...
Buquê completo,
Em celofane ornado,
No lixo... Sem ter sido aberto, intocável.

Que história de amor escreve aquele lixo?
A tentativa inútil de reconciliação,
O amor incompreendido,
A negativa final, um não!
Rosas no lixo,
Como doeu meu coração.

2 comentários:

  1. Puxa professorRicardo ,
    Entrei no seu blog por curiosidade e me encantei com o que li, ;e muito gostoso se deparar com sites assim, que falam de pessoas e sentimentos. Obrigada por ter compartilhado com a gente.
    Marina ((IBMEC)

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  2. Valeu o feedback Marina, isto me incetiva a continuar.

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