Ao se perder, contemple a paisagem!
Só comigo, se perder ao voltar de Pirenópolis para Brasília e rodar mais de 250 km bestas. Saí pela manhã da Pousada dos Pirineus, local de um evento que conduzia, e segui pela ponte nova. Lá na frente, numa rotatória de acesso a algumas estradas me lasquei. Era pra ter dobrado à esquerda, e seguir em direção à Brasília via Corumbá de Goiás. Tinha a opção em frente, à esquerda e à direita. Não vi placas. Pego à direita. Primeira cagada. Noto que algo está errado quando ao meu lado, faceando a estrada, vejo uma pista de aeroporto. Ela não estava ali há dois dias.
Fico encucado.
Mas homem é bicho tinhoso em parar para perguntar, e ainda não me rendi ao Google Maps no celular. Então sigo, sigo... Lá na frente resolvo voltar.
Isso depois de uns 40 km. Na volta, vejo um acesso de asfalto e dobro por lá, "acho que é por aqui". Desço por lá e rodo mais uns 30 km até um pequeno vilarejo. Estranho, muito estranho. Acho que estou perdido.
Dou ré e volto de onde saí. Sigo refazendo o caminho, voltando para Piri, contemplando a pista do aeroporto que agora passa ao meu lado.
No abençoado trevo de três pontas, pego o sentido subindo. II erro.
Deveria ser em frente. Rodo uns 50 km e vejo que estou completamente perdido. Esta estrada dá numa bem maior. Faço a opção de dobrar à direita, novamente à direita me ferra, por isso sou de opção política de esquerda. Rodo, rodo... E vejo a placa Belém - Brasília, BR 153, penso: "fodeu".
Se continuasse por lá, nestas horas estaria chegando à Amazônia legal.
Volto, e sigo no sento inverso.
Lá na frente, supero minha implicação em perguntar e dirijo-me a um motorista que estava parado no acostamento.
- Pra Brasília é por onde?
Ele diz: "só seguir em frente."
Eu segui.
Por isso não pergunto.
Chegar chega. Mas você fará uma alça de uns 120 km, indo no sentido Goiânia, e virando - desça vez à esquerda em Anápolis.
Subi pela BR 153, agora sentido SUL, seguindo o conselho do motorista.
Pego trechos em obras e muito trânsito de caminhões. Trafego pesado.
O conselho dele foi o mesmo de dizer a quem está em Recife que se chega em João Pessoa por Caruaru.
Chegar chega. Mas ao descer na sua testa estará inscrita a palavra: otário.
Você rodará mais 200 km por este caminho, tendo que passar por Campina Grande-PB.
O certo seria voltar de onde vim e, naquele vilarejo que dei ré, seguir em frente.
Mas, ele não errou. Eu que não me fiz claro o suficiente. Ele deveria ter pensado que eu vinha da BR 153 norte. E o mais lógico seria mesmo, seguir em frente até Anápolis.
Agora se ele soubesse que eu tinha saído do acesso a Pirenópolis... Seria outra história.
Ele saberia que "sei" andar por aquelas estradas estaduais, que são mais fáceis de chegar a Brasília.
Quem pergunta errado, assume os riscos. Fiquei pensando num ditado popular, que agora reescrevo, pelos caminhos errados por onde trilhei.
Cagando, andando e fazendo as perguntas corretas para saber se caminha na direção está correta.
Então sosseguei, e resolvi apreciar a paisagem e vez por outra parar para tirar fotos, como a que ilustra esta crônica.
Compreendi que se não posso mudar uma situação-limite, dada, acontecida, pelo menos posso mudar a mim mesmo. Mudando a forma pela qual a mesma está me abalando, importunando, mobilizando energias, secando as forças.
E ao mudar esta percepção, poderá sobrar espaço na psique para apreciar a paisagem, e agradecer pelo que restou. No meu caso, aquela paisagem do Cerrado, com morros cobertos de ipês amarelos, e campos com belas árvores que se despem de suas folhas e vestem-se de lilás, como a da foto.
Ou até ao passar numa cidade na qual sempre quis parar, quando viajo para Goiânia ou Londrina, e nunca o fiz - sou daqueles motoristas que não param na estrada. Só para abastecer e fazer a descarga hidráulica.
Superei mais esta minha abestagem interior e parei.
O que é um peido pra quem já está cagado mesmo?
Parei em Abadiânia, cidade de bonito artesanato de beira de estrada, com muitas panelas de ferro, barro e cobre. Ali comprei um paneleiro trapezoidal que há tempos procurava. E uma daquelas campainhas - estilo sino de torre de igreja, com um São Francisco entalhado nela. Minha mulher é louca por aquilo e vou presenteá-la mais tarde.
Tomei um copo de água, troquei um dedo de prosa com o vendedor.
Respirei fundo, e olhei para o horizonte à minha frente. Mais 150 km e chegarei a Brasília.
Matutando meus aprenderes, saquei mais uma vez que não temos controle sobre tudo que nos acontece. Das decisões erradas que porventura tomamos e que vamos pagando seu preço. Mas, temos o controle do quanto queremos que de fato isso fique importunando nosso viver, feito cheiro de creolina. Tem hora que precisamos dizer, basta!
Chega.
Não deu.
Paciência.
Lembre-se de abrir as janelas para o que restou de seu viver. E, despudoradamente, reaprenda a contemplar as bonitezas que a emolduram. Aquelas mesmas que a revolta, o sofrer, a mágoa ou culpa estão impossibilitando de serem vistas, sentidas e até saboreadas.
Ultimamente ando precisando abrir janelas em meu viver, e ver as árvores da paisagem, tal qual as desta foto, que se vestem de lilás para me abençoarem gratuitamente!
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Eita cabra que escreve bonito...
ResponderExcluirObrigado!
ResponderExcluirÓtima reflexão. É preciso aprender a contemplar o inesperado, ao invés de lamentar o erro cometido, e seguir em frente.
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