Um Ano Sabático para as Mágoas (Autor Ricardo de Faria Barros)



Antes do almoço, fui deixar um quadro para trocar a moldura, infestada por cupins. Esse quadro irá decorar meu consultório de psicologia, e é muito especial para mim, pois mostra a integração Homem-Deus-Cosmos-Terra. Ele tem uns 25 anos, e nunca deixei que ele se fosse, nas várias mudanças pelas quais ele passou. O senhor da vidraçaria perguntou-me qual moldura e tipo de vidro eu queria.
Sem entender nada do traçado daquela pergunta, soltei um: daqueles que o cupim não estrague neles a minha envelhescência, tendo que trazer-lhe aqui novamente, em 2050.
Ele sorriu e saiu com uma pérola.
"O ferro é corroído pela ferrugem; o aço pela água do mar; a madeira, como sua moldura, pelos cupins; e o Homem pela mágoa que cultiva".

Uauuu, pare o tempo!

"Agricultores de mágoas". Era isso que ele queria dizer.

Somos agricultores de mágoas, cultivando-as até que se transformem em nós mesmos.

Voltei com aquilo pensativo nas caramiolas. Agricultores de mágoas.
E acho que ele tem razão. Não somos educados para destilar mágoas. Somos educados e reforçados continuadamente para cultivá-las, para enaltecê-las, para falar delas pela enésima vez, e sempre com o mesmo ar de quem tem razão de estar sentindo-se infeliz.
E, como o senhorzinho da vidraçaria bem falou, ela vai corroendo o tecido emocional de nosso ser.
Seja aquele processo seletivo que não passamos, e que dele saímos magoados.
Ou aquela relação afetiva, a que atribuímos somente ao outro os antecedentes da pisada na bola que nos magoou.
Ou aos filhos, em alguns casos verdadeiros canteiros de mágoas em cultivação.
Ou aquele chefe/empresa que nunca nos valorizou, como esperávamos, em anos de serviço.
Pense numa de suas mágoas e verá que ela está ali, pertinho de ti, como um canteiro de ervas daninhas.
No Antigo Testamento tem um preceito interessante ao tema dessa crônica
Era o ano sabático. Naquele ano, não se podia cultivar, a terra precisava descansar, as dívidas eram perdoadas e os escravos libertados. Isso acontecia de sete em sete anos.
Qual é a nossa mágoa que está fazendo 7 anos? Pela etimologia da palavra, que vem de mancha, nódoa, o que manchou nosso tecido da alma por tanto tempo?
Não será hoje o dia do sabático, de sua libertação do canteiro de nosso coração, na qual veio sendo cultivada por meses a fio?
Sendo periodicamente rememorada, ressentida e até, de certa forma, endeusada. Pois, deus em que se tornou, a mágoa velha nos diz que estávamos certos em nos ofender, e eles-ou a realidade, foram os vilões.
Seria muito legal, ao tecido emocional da humanidade, que a cada sete anos pudéssemos jogar fora nossa mágoas encardidas.
Seria a libertação dele de nosso coração. E, paradoxalmente falando, a nossa também.
Eliminando esse cupim que vez por outra acorda e rouba de nós, mesmo naquele dias mais bonitos, naqueles de perfume mais cheiroso, naquele de paladar mais agradável: a luz, o aroma e o gosto. Gosto por viver.
O vidraceiro está certo. No ferro, a ferrugem. No aço, a maresia. Na madeira, o cupim. E, no Homem, a mágoa.
Decretemos, para nossa própria saúde emocional, o ano sabático delas, a cada sete anos. Como quem faz um balanço. Sete anos é tempo suficiente para purgá-las. Para colecioná-las e alimentá-las. Agora já deu.
Como diz a amiga Ieda Amui, ao ler esse texto: Acredito que uma forma de mantermos o brilho nos olhos seja nos libertarmos do que vem nos intoxicando. Falo de pessoas pesadas, dos movimentos passados e mágoas antigas que dificultam nossa evolução. É sabermos separar as âncoras das velas das nossas embarcações saindo da nossa zona de conforto na busca íntima do nosso mundo melhor!!

Saber separar as âncoras das velas, uaauu, falou tudo. 

Pois, se não tivermos cuidado, de mágoa em mágoa, com maestria cultivada, vamos perdendo o encanto de viver.
Não falo de guardar mágoas. É mais grave, o que falo, é o cultivar.
É como se você visse aquela mancha de vinho no sofá, e após umas vinte lavadas, ela fosse ficando imperceptível. Aí, um belo dia, você ressente novamente a mágoa. e joga, propositadamente, vinho no tecido do sofá.

A isto chamo de cultivar mágoa. E ela nunca se vai, nunca é destilada, processada.  Não nos libertamos do seu poder sobre nós. Poder destruidor.

E aí, ao abrirmos os olhos, a vida já passou! E, aqueles que nos magoaram estão pouco se lixando se ainda estamos os guardando em nossos corações. Aliás, nem de nós se lembrarão.
Vamos lá, força, faça um inventário no seu coração, tudo que tiver mais de 84 meses, e que seja da categoria da mágoa, jogue fora.
Podendo para isso usar o perdão, a grandeza interior, o acolhimento, a sabedoria.
Se nada funcionar, no seu sabático de perdão das mágoas encardidas, ligue o cagando e andando e vá ser feliz!
Pare de colecionar razões para justificar tua infelicidade. Para ter razão em ficar triste. Ao tornar-lhe um rabugento e descrente de tudo. Um agricultor de mágoas.
Que possamos nos libertar, periodicamente, dos ressentimentos e tranqueiras: do tipo nódoa na alma, mágoa, que tiram o brilho de nosso olhar, o viço de nosso agir e a esperança de nosso sonhar.

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