Os Gerontolescentes. (Autor Ricardo de Faria Barros)


No tempo da internet das coisas também existem as febres, as febres digitais.
A da hora é o envelhecimento de fotos, quando um aplicativo projeta como será a pessoa, anos luz à frente.
E as reações são de toda ordem quando acessam a imagem que o tal do FaceApp produz. Umas pessoas ficam confortáveis, outras incomodadas, outras ainda pregam peças com os amigos tirando onda das rogas deles.

Umas até ficam tristes, ao se perceberem diferentes.  Tadinhas, sabem nada da vida!

Brincadeiras a parte, o que se abstrai da leitura dos comentários, tanto no Instagran quanto no Face, é  um estranhamento ao novo fenômeno da velhice, reforçando antigos esterótipos do ser velho.  Como se isto representasse o que vem ocorrendo no mundo todo, no que chamamos de revolução da longevidade, ou a gerotonlescência.

E não representa. Ufa!

Não tive a menor curiosidade de olhar para mim no futuro. Quero chegar lá como sou agora, e do ponto de vista de meus valores. Quanto à beleza física, de que lugar ela vai ser avaliada mesmo? E por quem? E com base em que padrão? O da indústria da beleza, da mídia que vende formas aceitáveis, ou dos corpos politicamente correto? Estou fora.

Se quanto às rugas biológicas não se pode fazer muita coisa, na luta implacável da pele contra o Senhor das Horas, o Tempo.  Mesmo muitos se esforçando, um estica dali, estica daqui, um botox aqui, um creminho ali, uma massagem, uma alimentação adequada, um cuidado com o sol...e por aí vai. Quanto as rugas emocionais pode-se fazer mutia coisa.

Prefiro me tornar um velhote todo enrugado, na face, mas com a pele interior lisinha, qual bunda de bebê.
De que adianta tanto esforço em manter a pele exterior jovem, quando a interior decai em intrigas, invejas, mágoas, falta de perdão, reclamações, rabugices, pessimismo, desesperança e chatice?

Inevitavelmente o tempo deixará em nós suas marcas evolutivas. Não só em nós, mas em todos os seres vivos. E, por mais esticada que nossa pele esteja, outros atributos denunciarão nossa idade.

E qual o problema?

Pelo que li, em alguns posts, parece que as pessoas temem a velhice, qual temem a morte.

Não sabem elas que este conceito mudou completamente. Não há mais uma cultura de "descer as escadas da vida para acessar os porões da morte", após passar dos 50.
Muito pelo contrário. A ideia agora é como se preparar melhor para chegar aos 100, no mínimo.

E, quanto mais cedo comece esta preparaão, melhor será.

Ela envolve o acúmulo de cinco capitais. A boa notícia é que se você tiver três deles, de forma bem consistente e intensa, já terá uma envelhescência maravilhosa. Os capitais da longevidade são:

1. Biológico - Cuidados com o corpo, promoção de uma cultura de fomento à saúde.

2. Financeiro - Adequação do estilo de vida á renda, garantindo o acesso aos alimentos, moradia, medicamentos e lazer.

3. Social - Participação e cultivo de laços e vínculos com os mais diversos grupos sociais: religiosos, esportivos, culturais...

4. Humano - Postura de "aprendente", não parar de desenvolver habildiades, conhecimentos e atitudes. Continuar conhecendo e tendo curiosidade e espanto em descobri algo novo.

5. Capital Psicológico Positivo - Formado pela combinação sinérgica de quatro competências sócio-emocionais: a esperança, o otimismo, a resiliência e a autoeficácia (crença de que com os recursos disponíveis irá entregar algum resultado).

As pesquisas com longevos felizes (The Grant Study, Okinawa, Rosseto, Louisiana)  mostraram que a ativação de apenas três capitais, dos relatados acima, com o seu investimento na vida longeva, torna a vida mais plena e feliz.
Por exemplo, alguns longevos que enfrentam déficits na saúde, mas mantém um forte espírito de vinculação social, esperança, e ainda continuam curiosos em aprender algo, compensam o pouco capital biológico, alterando a modulação da percepção geral do estado de ânimo, para a de um bem-estar subjetivo, apesar das doenças e limitações físicas que enfrenta.

Assim como verificado junto a longevos com pouco recursos financeiros, ou vivendo em condições de risco social. Mais uma vez, quando os outros capitais estão presentes, pelo menos três deles, o enfrentamento da situação financeira não compromete a saúde emocional.

Então, eu resumiria que o segredo de uma pele lisinha interior é manter a cabeça ocupada e o coração aquecido.  Vida ativa, participação social, vontade de aprender coisas novas, são a fonte da vitalidade.

Todo mundo conhece alguém com mais de 80, ou não?  Daqui a alguns anos você conhecerá alguém com 100, em cada esquina.

Então, a ideia que a placa de estacionamento reservado passa, nas vagas de idosos, como uma pessoa andando de bengala, tipo um "encostado da vida", é cada vez menos representativa do que vem ocorrendo, mundo afora.

Os gerotonlescentes estão fazendo com suas bengalas verdadeiros cajados.

E, eles não têm vergonha de seus rostos, amassados pelas prensas do tempo. Pelo contrário, consideram-nos troféus. Orgulhosos e classudos, estes "novos velhos" estão participando ativamente da vida, estudando, namorando, conhecendo novos lugares em suas próprias cidades, abrindo negócios, e sem medo de ser feliz, nem do espelho - até o pior deles, o que se revela no olhar estereotipados de pessoas que se acham dentro de uma piscina de formol.

Obs: O termo gerontolescente, ou gerontolescência, foi criado pelo geriatra, e especialista nas questões da revolução da longevidade, o médico brasileiro Alexandre Kalache.

Um dia difícil (Autor Ricardo de Faria Barros)

Todo mundo tem aquele dia no qual uma sucessão de fatos negativos ocorrem, transformando-o em algo asfixiante e pesado.
Ontem vivi um destes dias.  Tudo começou ao ir buscar o notebook do JG, na assistência técnica, após receber ligação de que o mesmo estava consertado.  Ao recebê-lo, constatamos um sério equívoco. O micro consertado e nos entregue não era o nosso. Eles cometeram um erro. E, nos garantiram que iriam encontrar com quem estava o nosso.
Saindo dali, recebi uma notificação de que minha empresa, a Ânimo, tinha entrada na Dívida Ativa da União, por algum recolhimento de imposto não efetivado. Pensei comigo, vou matar meu contador, ahh se vou! 
No caminho para a aula, resolvi cortar o cabelo e aparar a barba. Entre uma navalha e outra, acabei discutindo com a namorada, e por besteira. 
Chegando ao IBMEC, local que dou aula, recebo uma mensagem no WhatsApp, do tipo "comida de rabo individual - CRI", de minha mãe. Ocorre que não gostou de uma foto que postei no Insta e Face e me deu uma regulada.
Já era pelas 18hrs, os pensamentos negativos de um dia difícil se encaracolavam, grudavam e atormentavam meu ser.
Eles ficavam em loop, sendo ruminados em nuvens de pensamentos cíclicos e sufocantes: notebook-impostos-love-mãe-notebook-impostos-love-mãe-notebook-impostos-love-mãe.
Então resolvi intervir.
Aprendi, com os fundamentos da psicologia positiva, que precisamos fazer intervenções em nosso processamento cerebral, na forma como as emoções e pensamentos operaram.
Então, como ainda faltava uma hora antes da aula, levei-me para distrair o meu pensar, afastando o fixar no pesar.
Isto é uma arte. Chamo de cuidados paliativos emocionais.  Eles não solucionam o problema. Mas, não agravam a ferida. Por isso são paliativos. Como se botássemos um esparadrapo numa ferida, para que ela não infecione e complique mais ainda.
Não resolverão o notebook e os impostos, pelo menos no momento. Mas, ajudarão a perceber outras coisas que podem existir ao lado dos problemas. Tirando o olhar deles, e reenergizando os ser.
Saí para caminhar, e logo na calçada percebi um belo pôr do sol que tingia tudo de vermelho, daqueles que só no DF tem.
Uaaauuu, que lindo.
Resolvi caminhar descendo a avenida, dobrando a esquerda, num trajeto diferente do que sempre faço.
Logo notei uma árvore, que tinha uma florada diferente. Uma flor laranja, avermelhada, que não conhecia ainda. Uma bela flor.
Passando à frente do jornal Correio Braziliense, no Setor de Indústrias Gráficas, resolvi parar numa barraquinha na calçada, e pedir um café com tapioca.
Descobri que a dona era chamada por todos de Tia. E ela foi logo se desculpando dizendo que levaria um pouco mais de tempo, pois estava sozinha.
E uma lágrima desceu pelas suas faces.
Perguntei-lhe o que ocorrera.
Então, ela me contou que nos últimos meses perdeu os dois ajudantes, o marido e o filho.
O marido, por se sentir enlutado em casa e sem condições de trabalhar.
O filho, por ter falecido.
Ele tinha 27 anos, era seu braço direito, o marido o esquerdo.
Faleceu de morte súbita, quando estavam na igreja. Disse-me que ele teve um "treco no coração".
Ela contou que não pode se deixar morrer também. Que está vindo trabalhar à força. Mas que precisa reerguer o marido, e continuar tocando a vida e o pequeno negócio deles.
Que, entre um pedido e outro, no estilo Delivery, quem ia deixar era o filho.
O fato havia ocorrido há 5 meses. E a dor ainda estava insuportável.  Contou-me que precisava falar com um psicólogo, mas não tinha tempo nem recursos para tal.
Então, coloquei-me a disposição e trocamos alguns dedos de prosa.
Terapêutica prosa, para ambos.
As pessoas queriam que ela não chorasse, não falasse mais do filho, não rememorasse. Queriam que ela fosse forte, virasse a página, e não a consideravam em sua dor e luto.
Eles não faziam por mal, queriam ajudá-la, mas ela se sentia pior ainda. Culpada por sofrer e ficar triste.
Então, disse-lhe que ela tinha direito ao luto. Ao sofrer, ao chorar, ao relembrar do filho e contar do quanto ele fazia-lhe falta.
Tia me disse que todos os dias ainda louvava a Deus por tudo. E que nos domingos visitava hospitais, levando a palavra. Que ela tinha acolhido a vontade Dele, em levar o filho dela, embora algumas vezes brigasse com Ele, disto ter ocorrido tão cedo.
Que santa mulher!
Sua meta de vida, no momento, era cuidar do marido, para que ele não adoeça de tristeza, ou adentre no álcool, como fuga da dor.
Sem nem perceber o tempo, despedi-me correndo, prometendo voltar na próxima semana, para mais um café terapêutico.  E pedi que ela convença o marido a tomar um café comigo.
Ela me abraçou, agradecendo a escuta, balbuciando que finalmente alguém tinha entendido a sua dor.
Achamos que temos problemas, que eles são insolúveis.  Até nos deparar com pessoas vivendo situações, para as quais não há dia após dia que possa resolvê-las, por sua característica terminativa.

Precisamos aprender a conter o rio de pensamentos negativos que ficam rodando em nosso ser. O que não significa se tornar um alienado, esquecer os problemas, ou não enfrentá-los.

Significa possibilitar um espaço de refrigério do ser, um refresco para alma, seja vendo um sol que se põe, uma flor que se abre, ou acolhendo a dor de uma mãe que enterrou seu filho - servindo!

Quando voltamos destes "passeios existenciais" estaremos mais fortes para enfrentar as situações, encontrar saídas inovadoras, e ser mais engajados em fazer acontecer o que de fato queremos que ocorra.

O desânimo nos deixa impotentes, o medo nos imobiliza, e o excesso de estresse nos tira o vigor.  Então, precisamos deste termômetro interior  pra saber a hora em que precisamos intervir, em nós mesmos, para não sermos tolhidos pelo pessimismo que rouba o que de mais sagrado existe no ser humano, a esperança!




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