Todo mundo tem aquele dia no qual uma sucessão de fatos negativos ocorrem, transformando-o em algo asfixiante e pesado.
Ontem vivi um destes dias. Tudo começou ao ir buscar o notebook do JG, na assistência técnica, após receber ligação de que o mesmo estava consertado. Ao recebê-lo, constatamos um sério equívoco. O micro consertado e nos entregue não era o nosso. Eles cometeram um erro. E, nos garantiram que iriam encontrar com quem estava o nosso.
Saindo dali, recebi uma notificação de que minha empresa, a Ânimo, tinha entrada na Dívida Ativa da União, por algum recolhimento de imposto não efetivado. Pensei comigo, vou matar meu contador, ahh se vou!
No caminho para a aula, resolvi cortar o cabelo e aparar a barba. Entre uma navalha e outra, acabei discutindo com a namorada, e por besteira.
Chegando ao IBMEC, local que dou aula, recebo uma mensagem no WhatsApp, do tipo "comida de rabo individual - CRI", de minha mãe. Ocorre que não gostou de uma foto que postei no Insta e Face e me deu uma regulada.
Já era pelas 18hrs, os pensamentos negativos de um dia difícil se encaracolavam, grudavam e atormentavam meu ser.
Eles ficavam em loop, sendo ruminados em nuvens de pensamentos cíclicos e sufocantes: notebook-impostos-love-mãe-notebook-impostos-love-mãe-notebook-impostos-love-mãe.
Então resolvi intervir.
Aprendi, com os fundamentos da psicologia positiva, que precisamos fazer intervenções em nosso processamento cerebral, na forma como as emoções e pensamentos operaram.
Então, como ainda faltava uma hora antes da aula, levei-me para distrair o meu pensar, afastando o fixar no pesar.
Isto é uma arte. Chamo de cuidados paliativos emocionais. Eles não solucionam o problema. Mas, não agravam a ferida. Por isso são paliativos. Como se botássemos um esparadrapo numa ferida, para que ela não infecione e complique mais ainda.
Não resolverão o notebook e os impostos, pelo menos no momento. Mas, ajudarão a perceber outras coisas que podem existir ao lado dos problemas. Tirando o olhar deles, e reenergizando os ser.
Saí para caminhar, e logo na calçada percebi um belo pôr do sol que tingia tudo de vermelho, daqueles que só no DF tem.
Uaaauuu, que lindo.
Resolvi caminhar descendo a avenida, dobrando a esquerda, num trajeto diferente do que sempre faço.
Logo notei uma árvore, que tinha uma florada diferente. Uma flor laranja, avermelhada, que não conhecia ainda. Uma bela flor.
Passando à frente do jornal Correio Braziliense, no Setor de Indústrias Gráficas, resolvi parar numa barraquinha na calçada, e pedir um café com tapioca.
Descobri que a dona era chamada por todos de Tia. E ela foi logo se desculpando dizendo que levaria um pouco mais de tempo, pois estava sozinha.
E uma lágrima desceu pelas suas faces.
Perguntei-lhe o que ocorrera.
Então, ela me contou que nos últimos meses perdeu os dois ajudantes, o marido e o filho.
O marido, por se sentir enlutado em casa e sem condições de trabalhar.
O filho, por ter falecido.
Ele tinha 27 anos, era seu braço direito, o marido o esquerdo.
Faleceu de morte súbita, quando estavam na igreja. Disse-me que ele teve um "treco no coração".
Ela contou que não pode se deixar morrer também. Que está vindo trabalhar à força. Mas que precisa reerguer o marido, e continuar tocando a vida e o pequeno negócio deles.
Que, entre um pedido e outro, no estilo Delivery, quem ia deixar era o filho.
O fato havia ocorrido há 5 meses. E a dor ainda estava insuportável. Contou-me que precisava falar com um psicólogo, mas não tinha tempo nem recursos para tal.
Então, coloquei-me a disposição e trocamos alguns dedos de prosa.
Terapêutica prosa, para ambos.
As pessoas queriam que ela não chorasse, não falasse mais do filho, não rememorasse. Queriam que ela fosse forte, virasse a página, e não a consideravam em sua dor e luto.
Eles não faziam por mal, queriam ajudá-la, mas ela se sentia pior ainda. Culpada por sofrer e ficar triste.
Então, disse-lhe que ela tinha direito ao luto. Ao sofrer, ao chorar, ao relembrar do filho e contar do quanto ele fazia-lhe falta.
Tia me disse que todos os dias ainda louvava a Deus por tudo. E que nos domingos visitava hospitais, levando a palavra. Que ela tinha acolhido a vontade Dele, em levar o filho dela, embora algumas vezes brigasse com Ele, disto ter ocorrido tão cedo.
Que santa mulher!
Sua meta de vida, no momento, era cuidar do marido, para que ele não adoeça de tristeza, ou adentre no álcool, como fuga da dor.
Sem nem perceber o tempo, despedi-me correndo, prometendo voltar na próxima semana, para mais um café terapêutico. E pedi que ela convença o marido a tomar um café comigo.
Ela me abraçou, agradecendo a escuta, balbuciando que finalmente alguém tinha entendido a sua dor.
Achamos que temos problemas, que eles são insolúveis. Até nos deparar com pessoas vivendo situações, para as quais não há dia após dia que possa resolvê-las, por sua característica terminativa.
Precisamos aprender a conter o rio de pensamentos negativos que ficam rodando em nosso ser. O que não significa se tornar um alienado, esquecer os problemas, ou não enfrentá-los.
Significa possibilitar um espaço de refrigério do ser, um refresco para alma, seja vendo um sol que se põe, uma flor que se abre, ou acolhendo a dor de uma mãe que enterrou seu filho - servindo!
Quando voltamos destes "passeios existenciais" estaremos mais fortes para enfrentar as situações, encontrar saídas inovadoras, e ser mais engajados em fazer acontecer o que de fato queremos que ocorra.
O desânimo nos deixa impotentes, o medo nos imobiliza, e o excesso de estresse nos tira o vigor. Então, precisamos deste termômetro interior pra saber a hora em que precisamos intervir, em nós mesmos, para não sermos tolhidos pelo pessimismo que rouba o que de mais sagrado existe no ser humano, a esperança!
Linda reflexão. Estou num dia ruim tbm e essa leitura me fez repensar muita coisa. Obrigada, prof.
ResponderExcluir