Prevenção ao Riscos à Saúde Mental na Pandemia

     


           Já ouviu falar da doença 43.2?  Pera que te explico. 
           No Catálogo Internacional das Doenças (CID), a 43.2 diz respeito aos Transtornos de Adaptação que podem causar dificuldades de adaptação às novas realidades e situações que a pessoa passa a enfrentar, que gera uma sobrecarga emocional e podem afetar a própria saúde mental. Mesmo sendo longa, vale a pena conferir a definição da 43.2, do próprio CID:

        (CID-10) 43.2 Transtornos de Adaptação: Estado de sofrimento e de perturbação emocional subjetivos, que entravam usualmente o funcionamento e o desempenho sociais. Ocorrendo no curso de um período de adaptação a uma mudança existencial importante ou a um acontecimento estressante. O fator de “stress” pode afetar a integridade do ambiente social do sujeito (luto, experiências de separação...) ou seu sistema global de suporte social e de valor social (imigração, estado de refugiado...); ou ainda representado por uma etapa da vida ou por uma crise do desenvolvimento (escolarização, nascimento de um filho, derrota em atingir um objetivo pessoal importante, aposentadoria...). A predisposição e a vulnerabilidade individuais desempenham um papel importante na ocorrência e na sintomatologia de um transtorno de adaptação; admite-se, contudo, que o transtorno não teria ocorrido na ausência do fator de “stress” considerado. As manifestações, variáveis, compreendem: humor depressivo, ansiedade, inquietude (ou uma combinação dos precedentes), sentimento de incapacidade de enfrentar, fazer projetos ou a continuar na situação atual, assim como certa alteração do funcionamento cotidiano. Estes transtornos podem consistir de uma reação depressiva, ou de uma outra perturbação das emoções e das condutas, de curta ou longa duração.   Fonte: http://www2.datasus.gov.br/cid10/V2008/WebHelp/f40_f48.htm   (Grifos meus)

       Vocês devem estar se perguntando onde quero chegar com a apresentação da 43.2. 

    Bem, eu e um grupo enorme de profissionais da saúde, do mundo todo, inclusive da OMS, acreditamos que a reboque do Covid-19 vem chegando uma epidemia de Doenças Mentais. 

    E, assim como na Covid-19, temos os grupos de risco em termos de saúde mental, e que estão mais expostos: que são as pessoas que estão passando episódios de luto (morte, fortes mudanças na rotina da vida, doença, separação,crise econômica, ou desemprego)  ou que convivem diariamente com as fortes expectativas, demandas e desafios no trabalho: tais como os profissionais da saúde, da assistência social, da educação, da segurança pública,  e os funcionários de Instituições Governamentais que atuam na linha de frente do atendimento ao público.  

     Em termos destes trabalhadores, acima relatados, o Transtorno de Adaptação 43.2 pode evoluir para o que chamamos de Síndrome de Burnout. Que é caracterizada por uma sensação de exaustão emocional, despersonalização e sentimento de baixa realização profissional, com sintomas como irritabilidade, apatia, rigidez emocional, esgotamento e estresse agudo: frente ao trabalho, em seus componentes interpessoais, de sentido, satisfação e de desempenho. 

    Então, o que tenho percebido é que em maior ou menor grau este tal de "Novo Normal" não poupará ninguém de mudanças importantes no sentido existencial, ou de vivenciar acontecimentos estressantes.

    Quem não passou por alguma mudança importante nestes meses de enfrentamento da Pandemia?

    Seja na educação dos filhos, seja na forma como o trabalho passou a ser feito, seja na dinâmica dos relacionamentos presenciais, seja no aperto da renda familiar, seja na relação a dois, seja nos projetos para com o futuro, ou na sensação de incerteza perante o amanhã.  Ninguém está 100% livre de se expor aos gatilhos da 43.2.

    Então, precisamos urgentemente que todas as Instituições Humanas, sejam as de natureza familiar, social, política, governamental, laboral e religiosa se irmanem em medidas preventivas ao adoecimento mental e promotoras do bem-estar emocional subjetivo.

    Estas medidas são as Vacinas contra a 43.2.

    Citarei algumas delas que podem ser ministradas pelas Instituições acima relatadas:

1.  Abrir espaços para a fala. Para que as pessoas elaborem suas narrativas de estranhamento, sofrer, medo e angústia.  Processando-as de forma mais saudável. Isto pode ser feito de forma lúdica, vivencial, a distancia e com criatividade.  É preciso se manifestar sobre o que nos ocorre. Pintar, escrever, desenhar, representar... é preciso que os sentimentos sejam colocados pra fora.  Sabe aquela pessoa próxima de ti? Se achegue nela. Ela pode tá com muita coisa guardada, frente a este momento que vive, e que não tem coragem de colocar pra fora. Ou que acha que se o fizer será tida como fraca. Diga pra esta pessoa que é normal não se sentir bem todos os dias. Que é normal está se sentindo estranha ao que vem enfrentando. E que ela não está sozinha. Ofereça apoio, e se coloque diante dela com compaixão, sem julgamentos e críticas. E nunca compare tua fortaleza de enfrentar situações similares com a dela. NUNCA!  As pessoas podem reagir de forma diferente aos mesmos estímulos e situações. Então, não queira usar a si mesmo(a) como exemplo de superação. Isto só a fará se sentir mais deslocada ainda. Apenas acolha a fala dela, se interesse pela narrativa, busque compreender as razões do que ela sente, pensa e fala, pelos olhos e mundo dela, e não pelos teus.    

2. Fomentar Resiliências.  A resiliência é a capacidade de se adaptar, aprender e crescer com as situações de tensão, mantendo o desempenho em níveis aceitáveis, dado a realidade difícil pela qual se passa. E isto pode ser ensinado. Quando as pessoas evocam situações passadas para as quais foi corajoso e as superou, ela está trazendo à memória quem ela pode ser, em relação ao que se vive no presente. Quando tomamos a consciência do porque nos afetamos tanto com determinadas situações, para as quais nada que façamos poderá mudá-las, aprendemos a mudar a nós mesmos(as) diante delas. E não mais ficar numa posição de enfrentamento desgastante, que drena nossa energia emocional. Entramos no "modo acolher" que não significa concordar. 

3. Perceber-se Dentro de um Todo Maior - Quando estamos em momentos estressantes tendemos a personalizá-lo. Como se aquilo fosse só conosco que ocorrer. E passamos a nos culpar, ou agredir nossa autoestima com aquele fato que nos causou um mal estar. Quando nos vemos dentro do coletivo, de um coletivo que também enfrenta as mesmas situações, passamos a relativizar as ondas de tensão, colocando-as em perspectivas para com um todo maior. Por exemplo, pensar que não foi só você que ficou desempregado. E que não foi pessoal. Ajuda no processo de sobrevivência a esta dura realidade.

4. Buscar Alternativas Paliativas de Bem-Estar - É preciso proteger a ferida emocional com uma espécie de band-aid, para que não infecione. E quais são estes band-aids que podemos ativar? A fé é um deles, a oração e contemplação, caso seja religioso. Mas, existem outros, encontrar o sentido nos pequenos prazeres que se proporciona, tais como ler, ouvir uma canção, buscar apoio com um (a) amigo(a) querido (a), fazer algum trabalho manual, criar rituais de bem-estar, ajudar alguém, jardinar, escrever, meditar, fazer yoga, fazer uma lista de gratidão diária, caminhar, e "colecionar entardeceres e canto de pássaros"...  É preciso que tenhamos estes espaços band-aid para que a ferida emocional, ocasionada por algo de ruim que passamos, ou estamos passando, não se alastre. E, alguns destes band-aids você vai aplicar em si mesmo sem querer. Sem ânimo. Não se sentirá motivado para reagir. Se sentirá sem gás. Mas, te digo, faça como quem tem que tomar aquele remédio diário. Faça mesmo sem estar querendo fazer. Engane teu cérebro que entrou no modo reptiliano. Um pequeno gesto band-aid, que introduza na tua rotina diária, mesmos endo feito com esforço hercúleo, poderá causar um excelente resultado no fortalecimento de teus recursos pessoais de enfrentamento dos eventos da 43.2. 

5.  "Esperançar" o Viver -  Marque algo na agenda de 2021 pra realizar. Tenha pequenas metas diárias para atingir. Fixe objetivos de mudança. Mova-se com a força da esperança. A esperança não é de esperar. A esperança é de esperançar. De acreditar que a vida é muito maior e melhor do que um conjunto de experiências negativas a que fomos sujeitos. É acreditar num outro amanha possível. Não deixe que o quarteto do mal: o Reclamão, o Rabugento, Pessimista e Desanimado passe a orientar - tal qual um GPS, o teu olhar sobre a vida e as tuas vivências cotidianas. Ajude a fomentar uma cultura de esperança, encontrando e evitando consumir aquilo que em ti provoca uma onda de emoções negativas.  Cuidado, elas podem ser toxicas e viciantes. Então, encontre e ensine às pessoas que lhes são próximas, os fatores a que estão expostas que roubam a esperança. Talvez você tenham que se afastar de algumas pessoas, que só lhe diminuem. Talvez tenha que consumir um outro tipo de informações. Ou até dar um tempo em determinados grupos cujo discurso é eivado de negatividade. É preciso proteger as razões de nossa esperança. Que são equilibristas e frágeis. 

São estas cinco recomendações as que faço para comigo mesmo e que têm funcionado. E que quis compartilhar para com vocês.   

Pois que é preciso desenvolver um "couro grosso" para diminuir nossa vulnerabilidade, ao sermos expostos à uma realidade com tantos fatores estressores. E precisamos urgentemente ensinar isto em todas as organizações humanas do trabalho, da família e sociedade.

Converse com as pessoas mais próximas sobre como elas estão se colocando neste momento, talvez você possa ajudá-las a refletir sobre o momento delas,  como se fortalecer, utilizando algum dos cinco passos acima. 

Vamos lá gente, ninguém solta a mão de ninguém!


8 comentários:

  1. Texto muito edificante! Grata pela partilha!

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  2. Ninguém solta a mão de ninguém...vamos superar juntos...a solidariedade nunca foi tão importante

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    1. Exatamente, formaremos uma corrente com o povo do bem. Justo, manso e solidário.

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  3. Considero de alta valia e precisamos nos encorajamos no enfrentamento dessa problemática que e iminente, onde ainda não se apresentou, poderá a qualquer momento surgir. Alerta! Obrigado, "Rico".

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    1. Valeu Mamãe, Catão ou Ari, os únicos que me chamam de "Rico". Este incentivo me anima a perseverar nas letrinhas.

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  4. Esperança não é de esperar, é de esperançar. Que lindo! Obrigada por compartilhar o texto. Exercer a empatia, amar o próximo, fazer-se presente, ouvir amorosamente, fazer a diferença na vida de alguém. Estava com saudade de sua escrita, meu querido!

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    1. Adorei teu comentário, Nanda. Ando me dividindo entre o canal do youtube e o blog. Mas, tu me incentivou, vou produzir mais por aqui.

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