Lágrimas Pauliettes (Autor Ricardo de Faria Barros)




Nessa manhã, boa parte do Brasileiros acordou com olheiras, após chorarem as mil lágrimas.
Foram lágrimas de mel e de fel. Lágrimas Juliette e lágrimas Paulo Gustavo.

Lágrimas Pauliettes.

Paulo Gustavo, faleceu ontem, ele e a nossa querida personagem a Dona Hermínia, tão bem interpretada por ele.
Já a Juliette, ontem também chegou à final do BBB21, talvez o de maior audiência da história, dado que virou passatempo dos insones-quarentênicos dias. As lágrimas foram pela vitória da Juliette, que cativou o Brasil com seu jeito de ser, e obteve índices inimagináveis de engajamento.
Paulo e Juliette fizeram-nos chorar. E, para um povo que estava banalizando a morte, e mediocrizando a vida, estas mil lágrimas fizeram muito bem ao brasileiro.
Acho que andávamos precisando chorar, nos conectar às emoções mais profundas, seja da dor da perda, seja da alegria da conquista.

O Brasil chorou, e isto é bom.

Juliette e Paulo Gustavo representam o melhor do brasileiro. E, por isso, suas imagens são tão admiradas.
Juliette não se curvou ao preconceito, não deixou de ser quem é, só para agradar e ser aceita. Também não pisou em ninguém, mesmo quando tinha que votar em eliminações, pelas regras do jogo.

Soube acolher os mais fracos, e conviver de igual para igual com os mais fortes. Sem tinha um tempo para uma palavra amiga, para se colocar, e sem ser piegas, nem pregar o que não viveu, ou crer, somente para aparecer bacana nas filmagens.

A pessoa pode até conseguir fazer isto às vezes. Mas, por cem dias, e sob intensa pressão, e 24 horas filmado..., se a pessoa está fingindo ser quem não é, em algum momento vai se denunciar. E, a Juliette não se denunciou. Ela é aquela ali mesma. A casa não a transformou.

Ela é aquela filha amorosa, aquela irmã cuidadosa, aquela amiga pra o que der e vier. E aquela cidadã que tem consciência do outro e de seus direitos.

Ela é aquela que ajuda, sem tirar a autonomia. Que acolhe, sem querer algo em troca. Que consegue ser feliz, criando um mundo interior rico e fecundo, mesmo isolada e sofrendo perseguições.

Ela é aquela que consegue sorrir de si mesma, e que consegue chorar com o outro. De sonhos simples, não nega seu existir a ninguém. E sabe ser luz, sem ser arrogante.

Creio que na Juliette cada um de nós se espelha um pouco. Desde aqueles que precisam fazer virações para sobreviver, aos que o projeto maior é ajudar aos seus familiares.

Paulo Gustavo é daqueles caras que queremos ter ao nosso lado. Um pai exemplar, um marido idem. Uma pessoa do bem, ligada em causas maiores, e que enfrentou o luto da perda dos primeiros filhos, ainda na barriga de aluguel – eles eram gêmeos, com uma coragem e resiliência digna dos mais fortes.

Paulo é aquela pessoa que com o cotidiano faz graça, que nos transporta para a dimensão do humor, que nos faz esquecer, por uns minutos, qualquer drama de nossa Vida Severina, e com ele sorrir das peripécias de sua mãe.

Recentemente, o Paulo Gustavo nos deu a melhor vacina contra o ódio, a intolerância e a maldade, ele nos falou que é o Amor. Só o amor pode sarar, restaurar, reinventar o sentido das coisas, da vida e da gente.

Paulo Gustavo sabia ser grande, sem ser orgulhoso. Sabia ser farol, sem apagar a luz de ninguém. Era o tipo de pessoa que fez o preconceito sobre uniões homoafetivas se dissiparem.

A coisa mais legal do mundo era ver o carinho dele pelo marido, e como se amavam!

Ele nos ensinou que o amor excede, e transmuta.

Nos seus personagens, estavam nós mesmos, nossos amigos e família. Que, ao tão bem interpretá-los, como numa viagem projetiva, todos nós saíamos melhores. Os risos frouxos, azeitavam nossa alma, e nos faziam crescer humanidade.   

Fica uma lacuna imensa, como se cada brasileiro perdesse um parente próximo da família pelo Covid. 

Eu creio no poder libertador de fazer contato com as emoções mais profundas que neste dia 5 de maio de 2021 muitos brasileiros estão fazendo.

Embora díspares, e em extremos opostos, a emoções com a Juliette e com o Paulo Gustavo, nos fazem amarrar o nosso arado a uma estrela. Como diz a canção.

Amarrar o arado a uma estrela é ter a capacidade de sentir, de ter empatia, de sonhar, de se emocionar, de se solidarizar. É acreditar na poesia de cada encontro, despedidas e descobertas.

Milhões de brasileiros amarraram seus arados a duas estrelas, neste dia.

Estrelas que nos lembram que é possível ser gente, mesmo sob estresse e sofrendo influências negativas. É possível não se corromper e continuar pautando-se por valores, mesmo que possa desagradar, o coro afinado dos contentes – com tudo isto aí que se nos coloca como Normal.

Estrelas que também nos lembram que não temos controle sobre o dia do amanhã. Que a vida é frágil. Que não podemos apequenar nosso existir, pois que a morte um dia chegará.

E, ter a consciência da morte, é ter a urgência da vida.

Paulo e Juliette, cada um à sua maneira, nos tornaram melhores nesta manhã. Fizeram com que retornássemos ao nosso lar interior – local onde mora o nosso Eu Maior e Melhor.

Paulo e Juliette tiraram a anestesia que nos dopava, em dias tão modorrentos de afetos positivos. E fizeram-nos, novamente, coletividade.

Paulo e Juliette nos colocaram em contato com a dor e o prazer de existir, e ativaram em cada um de nós a chama do amor – seja em forma de saudades, seja em forma de gratidão, seja em forma de celebração e irmandade.

Paulo e Juliette são o melhor dos brasileiros. E nos revelam que podemos amarrar nossos arados às suas estrelas, e com eles aprender a valorizar o instante em que se vive, e se tornar necessário a alguém. Aos pais, aos filhos, aos amigos...

E a fazer, de qualquer momento que seja, um infinito particular de intensa entrega, e apaixonada mística relacional, com todos que cruzam nosso caminhar, tornando-os melhores após sair de nossa presença.

“Torna-te Necessário a Alguém”.

8 comentários:

  1. Ricardinho, mais um belíssimo e inspirado texto. Obrigado!
    Forte abraço!

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  2. Belo e necessário. Isso que vc diz sobre a banalização da morte é muito sério. Morrem mais de 3.000 pessoas por dia e isso virou "normal". Paulo Gustavo - mesmo morto - chama a sociedade à razão de que é preciso sentir a perda de cada um. Obrigada Ricardo.

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    1. Valeu amiga, é bem por aí mesmo. Não podemos banalizar a dor. Tema do mais recente livro do filósofo asiático Han, Byung-Chul: Sociedade paliativa: A dor hoje

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  3. Parabéns falou pouco falou tudo ❤️❤️❤️

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  4. Mesmo lendo só agora, valeu para voltar a refletir na beleza de pessoas verdadeiras diante de tantas fakes que são totalmente opostas a todos os predicados de seu texto.

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