A Generosidade da Marcela

 


Enquanto dirigia para a roça, os pensamentos faziam caracóis em minha alma, do tipo cinzentos e sem vigor.

Eu fazia contas do que ainda precisava investir, para que a construção se desse por acabada.  Lembrei de uma frase de meu pai: “obra nunca acaba”. E ele estava certo, uma coisa vai puxando a outra, vamos nos empolgando, e o saldo bancário vai ficando raquítico.

Entrando na BR 060, sentido Brasília-Goiânia, vejo um belo arco-íris à minha frente. Daqueles de tirar o fôlego de tão belo. Como o trânsito estava carregado, e chovia, pude ir contemplando aquele presente de Deus por um bom tempo. Senti o calor de generosidade vindo da natureza e aquecendo meu ser.

Os pensamentos cinzentos foram se dissipando, e uma tênue luz em minha alma acendeu. Suficiente para direcionar meus pensamentos para as coisas boas e belas da vida, guardando por hora, numa gavetinha de preocupações, a questão da obra.

Já fazia planos de olha r perua que tava chocando uma ninhada. De averiguar se as pitayas tinhas segurado, após a floração, e se o machucado no vira-lata Pirata, fruto de uma briga com o labrador Nino, tinha sarado.

Entrando em Santo Antônio do Descoberto-GO, paro numa padaria de esquina, que é um de meus points de café madrugueiro, em direção à chácara.

Peço dois pães na chapa, e com ovo, e pra viagem. Pois que gosto de tomar café com o Júnior, o caseiro, quando chego por lá.

E um café pra tomar ali mesmo, enquanto espero os pães ficarem prontos.

Eis que me aborda um senhor com a sua filha de uns 13 anos. Ele tinha um capacete numa das mãos, na outra segurava sua filha, que estava com fardamento infantil. Ele me pergunta se eu estou de carro e se eu poderia leva-lo com a filha no Colégio, pois que a moto dele arriou a bateria, e não pegava de jeito algum, na saída da padaria.

Falei que lógico que sim, e pedi que a moça me desse a conta, para eu adiantar o pagamento para não os atrasar mais ainda.

Tudo resolvido me aproximo deles e chamo para a carona. Aí ele me mostra que está com uma chave de um carro. E que levará a filha na escola e voltará pra entregar o carro, e resolver a moto. E que é o carro da atendente que nos servia, que ouviu a história dele, e que se compadeceu, emprestando generosamente o carro dela.

Ele partiu com a filhota e eu não conseguia partir.

Fiquei um bom tempo dentro de meu carro, degustando aquela cena que acabara de testemunhar. De imensa generosidade para com o próximo.

No outro dia, parando novamente, eu a abordei e perguntei-lhe o seu nome. Ela se chama Marcela. E eu reconheci o gesto dela de emprestar o carro, ao que ela me respondeu, com humildade e um sorriso discreto, “Não foi nada não, ele é um cliente daqui...”

Fiquei me perguntando em quantos estabelecimentos que sou cliente, se eu precisasse de um carro, qual atendente, ou proprietário, me cederia seu veículo.

Não, Marcela!

O que tu fizeste foi muito mais do que um “foi nada não”.

Tu foste generosa sem medir as consequências de teu ato. Sem fazer uma análise de riscos. Sem temer algo que pudesse ocorrer no caminho, e te prejudicar.

Apenas tu agiste. Seguindo o arco-íris de teu coração, tu transformaste o dia daquele pai e filha. E tornou o mundo melhor com a tua presença.

Precisamos de Marcelas no mundo. Precisamos Marcelar a vida vez por outra, e tornar a ser bom, generoso e gentil. Fazer algo que surpreenda alguém, sem antever algum lucro, ou vantagem com o gesto. Só pela simples alegria de servir.

Estamos ficando tão apegados ao material, cheios de individualidades, que abrir em nossas agendas pessoais espaço para generosidade vai rareando.

E precisamos dela. A coletividade precisa de generosidades. Eu preciso. Tu precisas.

Quem recebe algo de forma generosa fica mais forte para enfrentar as dificuldades da vida. Que faz um ato generoso melhora a fluidez emocional positiva, fica mais são, mentalmente falando

E se estabelece uma corrente do bem. Quem recebe generosidade quer doar generosidade. E todos vão ganhando.

Num sistema no qual as pessoas vão sendo confundidas com objetos de produção, é revolucionário dizer não, e ousar semear generosidades vadias, pelo nosso caminhar. É um ato de coragem, neste mundo tão egoísta, ser generoso e partilhar. 

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