Histórias não Escritas do BB - As Bolachas do Funrural




Dois toques que encerravam o dia e faziam a fita do caixa cantar. Primeiro, o balanço: conferência minuciosa, o frio na barriga que nenhum veterano perdia. Ninguém quer fechar caixa com diferença — nem pagar para trabalhar. Depois, a cortina baixava: saldo confirmado, missão cumprida.

Era como se a agência respirasse aliviada junto com a gente, soltando um suspiro de tarefa concluída. Aquele momento tinha cheiro de papel térmico e gosto de vitória.

O palco das siglas que viravam música

O Banco do Brasil era um grande palco, e as siglas eram instrumentos de uma orquestra secreta. Cada uma trazia um som próprio, um ritmo de bastidores:
- ESCAI – onde a roça virava linha contábil, escrituração que transformava semente em número.
- 0613 – a chave dourada que abria a porteira do financiamento agrícola.
- DEB 724 – o clarim da manhã, revelando a posição das contas correntes antes mesmo de o sol esquentar o telhado.
- CPR 740 – soprando a melodia guardada da poupança, a música dos sonhos em repouso.
- SLIP – a carteira de identidade das operações rurais, documento minucioso que dava rosto e história a cada contrato do campo.
- BIP – o batimento mensal da equipe: um jornal interno que misturava inaugurações, “Histórias não contadas” e notícias de conquistas.
- SETEX – local que fervia de clientes: sacando, pagando, depositando ou dizendo que o dinheiro não tava mais na conta. kkkk
- RETAG – mãos de costureira, tecendo lotes com documentos semelhantes dos caixas, alinhavando o expediente para que cada papel encontrasse seu lugar certo.
- CESEC – quase um gigante de silício, que mastigava dados e devolvia, em ritmo de pamonha e canjica contábil, a matemática da agência.
Até o MVS, com seu Mapa de Volume de Serviços que todos adoravam odiar, fazia parte da sinfonia inevitável do expediente.

Onde o papel virava vida

Mas a agência não era só papel.
Havia a Rural, com cheiro de terra molhada e café passado, onde liberar um financiamento agrícola significava ver dignidade brotar do chão. A gratidão, muitas vezes, vinha em forma de presente vivo: uma galinha, ovos fresquinhos, um quilo de feijão recém-batido.
A Plata, sala de visitas, era quase uma sala de estar: ali se falava de colheitas, de sonhos, de filhos na escola.
O Setop tecia linhas de crédito como quem borda esperança.
O Compe 30, maestro final, fechava a partitura do dia: saldos de cheques e documentos dançando em harmonia.
Cada código era mais que um comando: era um pequeno rito de transformação.

Personagens que viraram eternos

Na Agência 2520-8, em Remígio-PB, nos anos 80, cada cliente tinha um rosto, uma história, um cheiro.
Seu Juvenal fechava o dia me oferecendo vitamina de banana na bodega.
Dr. Passos, o maior aplicador, confiava seus milhões a um bloco de notas de bolso.
Edmilson perfumava o balcão com alho.
Dona Lurdinha trazia o cuidado das farmácias.
Petrônio abastecia sonhos com o mercadinho.
Sr. Mizinho, dono do posto, chegava com cheiro de gasolina e conversa boa.
Neto Bronzeado, prefeito com nome de sol, espalhava carisma.
E Catão… ah, Catão.
Rei das filas, cigarro aceso entre os dedos, humor que fazia o tempo escorregar. Sua fila dobrava, mas ninguém se importava: saía todo mundo rindo e com o caixa certo. Ele me ensinou que atendimento é encontro — que um simples pagamento de conta de luz pode virar conversa de alma.

A família de dentro

Nos bastidores, seis corações que cabiam numa Kombi: eu, Catão, Loyola, Jocimá, Severino e Barbosa — depois o Gomes.
Mais que colegas, cúmplices. Cada expediente era um jogo coletivo, em que cada um conhecia o passe do outro.
Havia heróis silenciosos:
- Marcelo, da agência de Areia, um verdadeiro Shaolin do ESCAI, capaz de desarmar as diferenças mais teimosas.
- Amadeu e Bartolomeu, vigilantes-poetas, que além de guardas eram conselheiros, informantes, guias de Funrural, e cronistas da cidade.
E tinha um comportamento delee que hoje minha memória me agraciou, e que partilho com vocês.  Amadeu e Bartolomeu sempre tinham por perto um copo de leite, água, café e bolachas, para acudir idosos que chegavam dos sítios de madrugada, para pegar um bom lugar na fila, e vinham muitas das vezes em jejum. Eles faziam isso por livre iniciativa. Hoje, 35 anos depois, tenho a comprensão do valor inestimável daquela atitude do Bartolomeu e do Amadeu. Quanta empatia e compaixao para com aqueles velhinhos que vinham de longe receber suas aposentadorias. 
Esse cuidado simples era uma aula de hospitalidade e humanidade.
Quando chegavam os dias de pagamento da prefeitura ou do Funrural, a agência virava uma festa: cheiro de café, gente que vinha de longe, papéis amassados que valiam como prova de vida. Uma pequena cidade cabia ali dentro.


Para quem chega agora

Aos novos bancários, deixo um convite:
olhem cada cliente como pessoa inteira, não como conta-corrente.
Cultivem amizades de equipe, pois são elas que sustentam nos dias mais duros.
Celebrem cada microvitória — um problema resolvido, um sorriso conquistado, uma dúvida desfeita.
Aprendam algo novo em cada expediente, mesmo que pareça repetição: a novidade pode estar no detalhe de uma história.
E mantenham o propósito vivo. É ele que transforma anos de serviço em fonte de alegria.

E lembrem-se: há vida além do banco. Essa foi uma das lições mais preciosas que levei comigo.
- Estudos e leituras: investir em conhecimento fora do expediente alimenta a mente e abre horizontes.
- Família e amigos: reservar tempo para estar com os filhos, netos, companheiros e velhos amigos é nutrir o coração.
- Igreja ou comunidade de fé: a espiritualidade fortalece e ajuda a processar os dilemas do dia.
- Boteco e roda de conversa: uma mesa simples, uma prosa longa, uma risada demoram mais a passar do que qualquer tensão.
- Esporte e natureza: caminhar, nadar, jogar bola, cultivar uma horta ou cuidar do jardim são maneiras de devolver paz ao corpo.
- Cultura e música: um show, uma peça, um filme ou um disco de vinil são lembretes de que a vida é maior que o saldo final do dia.

No dia a dia do trabalho bancário, aprendi a força do coletivo, do trabalho em grupo. Do sentido do que eu fazia, ou seja do meu trabalho com sentido, e não do sentido do meu trabalho. Também da gratidão, do propósito e da amizade.
A perceber que trabalho é lugar de significado, de realização, de encantamentos e propósitos, quando o cotidiano é costurado com humor e cuidado.
Esses respiros eram meu contraponto ao barulho das cifras. Eles me ajudaram a mediar tensões, a processar frustrações, a renovar forças. O Banco pode ser exigente, mas não deve ser o único enredo da sua história.

Porque, no fim das contas, o Banco do Brasil é mais que uma instituição financeira.
É um território de crescimento humano, onde cada meta pode virar semente de esperança e cada atendimento, um gesto de cuidado.
Quem entra hoje tem a chance de continuar essa sinfonia: não apenas guardando cifras, mas plantando humanidade — e também vivendo plenamente fora do expediente.
Há vida também fora do BB!

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