Um Des-conto de Natal.

Acordo um tanto ressaqueado no domingo de pré-natal. Lá pelas 17:00, vi que o pastor ligara no meu celular. Ao retornar, aceitei o convite para fazer uma leitura na celebração das 19:30hrs. Tomei um café forte, um banho, escovei umas quinhentas vezes a boca, para espantar a ressaca e seu fétido cheiro. Botei roupa depressa e fui na frente ensaiar o texto. No caminho, resolvi passar no mercado para comprar um halls do mais forte, pois não queria matar o pastor de vergonha com aquele cheirinho de cachaça dormida.
Sou católico, mas frequento esta pequena comunidade Metodista por ser a congregação de minha esposa, e por me faz bem estar por ali. No mercado, vi que a fila do meu caixa demorava. À minha frente um rapaz ia pedindo à caixa para devolver alguns itens já colocados, para que ficasse dentro de seu orçamento de R$ 50,00.
Devolveu um pedaço de queijo, um pacote de uvas e uma caixa d e fraldas. Entre uma devolução e outra o jovem casal discutia.
A jovem mãe, visivelmente irada, segurava sua bebê, que sem entender o que ocorria, sorria para mim.
Pensei em doar a eles aquelas mercadorias faltantes. Contudo, tive medo. Por isso que acho que o natal é a ausência de medo de agir em prol do próximo, seja ele quem for.
O natal é uma decisão, uma decisão de amar.
Uma atitude.
Não importa as conseqüências.
Fiquei matutando naquela pequena bebê que deve ter passado apuros na noite de 23/12 por não ter as fraldas. E no quanto aquele jovem casal priorizara botar outras coisas na sua minúscula feirinha, esquecendo as fraldas da bebê. Na discussão, percebi que havia desaparecido uma nota de R$ 20,00. Deve ter sido justamente o que faltava.
Pela cara do jovem ele tinha culpa no cartório. Ou perdeu o dinheiro, ou "ai, ai, ai" tomou de cervejas.
Fiquei com medo de intervir e ele sentir-se humilhado, ofendido na minha falta de respeito a sua privacidade, ou até aguçar a irada esposa contra ele próprio.
Sei lá. Temi.
Mas, eu me dirigia para uma igreja. Como pude ser tão impotente? Lembrei daqueles que desciam a montanha e passavam ao largo de um senhor que ferido jazia à beira da estrada, uma parábola chamada de O Bom Samaritano que Jesus nos conta em Lucas 10:30-37. Engraçado, ali também passou apressado um sacerdote e não o parou para ajudá-lo. Quem parou foi justamente um descrente, um samaritano. Um excluído da sociedade da época, considerado impuro. Não quero tecer uma discussão teológica sobre o texto de Lucas. O que me chamou a atenção foi a não atitude minha, quando era preciso e oportuna. Então, este é o meu conto de não-natal de 2012. Estou embrutecendo, perdendo a sintonia com a intuição da bondade que manda agir, que é mais forte do que todos os receios. Que acredita em coisas bobas como doação gratuita, perdão e gentileza. Passei a celebração toda me sentindo um merda. Ahh se eu pudesse voltar as fitas de meu viver e agir nas horas que era necessário agir. Vi um filme aqui neste link:http://www.youtube.com/watch?v=ID0kgP9IVhs
que mostra o quanto, quando somos tocados pela bondade, podemos sair reproduzindo este toque e melhorando nosso mundo. Queria dedicar meu natal àquela bebezinha.
Que nunca mais lhe falte agasalho, que nunca mais falte-lhe solidariedade pela vida afora. Que nunca mais seus pais se descuidem dela.
E que minha sintonia com as coisas do bem, meu "dial" existencial, volte urgentemente a se conectar e a influenciar o mundo ao meu redor, para que seja um bom local para se viver. Nem que para isso eu volte a tomar coragem na cara e agir, irradiar com doses de amor, a imobilidade das trevas que dizem e repetem "as coisas são assim mesmo". Que eu possa mudar. Deixar de ser hipócrita. Ver que ao meu lado tem gente que precisa que eu ande mais devagar para que as note e as reconheça em suas necessidades. Que eu possa, caso necessário, chamar outros seres de paz espalhados e dispersos, às vezes até marginalizados, por suas opções sindicais, políticas, religiosas, não-religiosas, étnicas para que nos juntemos num brado à vida. Vou tomar um porre de fé, fé das boas, daquela fé que homens de boa vontade possuem, e que mesmo sem frequentarem templo, botam em prática, vendo no ser humano o maior e mais precioso de todos os templos, agindo para sua reconstrução. Aquela fé como a de um amigo ateu que sacou R$10.000 de sua poupança e deu a sua diarista para reforma de seu barraco. É disso, de meu amigo-ateu, de que preciso, atitude. Coerência. Não teria me custado nada uns 20 reais a mais. E, caso fosse mal recebido, qual o problema? Teria feito minha parte. Amar é decisão. E é para os fortes. Sejamos fortes na remoção de tudo que nos impede de amar. Mágoas passadas, ódios centenários, culpa, inveja, ciúmes e desesperança.

2 comentários:

  1. Sim, você perdeu aquela oportunidade. Não dá pra "dourar a pílula", pecou. Pecado é não fazer a vontade de Deus, e você não fez. Entretanto, assim como eu, que também peco, você tem em si mesmo o Espírito Santo, pois Ele é quem nos convence do pecado.
    O ímpio é aquele que por não ter o Espírito de Deus, vai dormir SEM perceber que perdeu a oportunidade que Deus lhe deu.
    Deus te abençoe, amigo e irmão muito querido!
    Pr. André Schirmer

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  2. Boa, muito boa reflexão. Ele é nosso GPS para o bem.

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