Juntos e misturados? Pero no mucho...



Durante as férias assumo um novo papel: o de achador de amigos para o JG brincar com eles.
O João Gabriel é filho único, do segundo casamento, e os seus irmãos do primeiro casamento, têm idade para serem seus pais (30,28 e 26).
Encontrar amigos de sua idade, para que ele interaja, é uma missão que assumo com prazer. JG faz o tipo tímido, até que se dê o primeiro contato. Sei e sinto que ele sofre com isso, e tento ajudar-lhe a criar a primeira ponte. Depois, ele se solta e manda brasa.
Então, nas férias, tento aproximar o JG de outros amiguinhos favorecendo a construção da primeira ponte para a interação.
Nessas férias, notei um fenômeno que já vinha percebendo, mas agora ele revelou-se em maior intensidade.
As crianças estão desaprendendo a brincar juntas. Está sendo mais difícil convencê-los à comunhão de ludicidades.
Antigamente para juntar um grupo de crianças não precisava de pai-babão nenhum.
Elas se juntavam quase por osmose, e não precisava que já se conhecessem. Hoje, talvez pelo que escutam em casa quanto a estranhos, talvez pelo uso precoce de tecnologias que incentivam o brincar sozinho: jogos em vídeos games, celulares.
Ou até pelo uso excessivo de canais digitais de comunicação, as crianças estão acompanhando os adultos em sua solidão em grupo.
Solidão em Grupo é o título do brilhante artigo que o Dr. Luli Radfahrer, com proficiência em marketing e comunicação, escreveu recentemente e que detecta também o que vi na pratica:
“Nas torres dos apartamentos, nas clausuras das baias, nas estações de trabalho e reunião das corporações de ofício, nas mesas de paredes dos restaurantes, nos cantos escuros das festas, parques e seminários, nos banheiros de shopping centers e nas salas de encontro de famílias, jovens, velhos e crianças de todas as idades estão cada vez mais isolados, debruçados em seus retângulos luminosos, com fones de ouvido”.
O mar lindo, a praia convidando a fazer açudes ou castelos de reis imaginários, as ondas apetitosas para pegar “jacaré” e muito jovenzinhos com cara de tédio, ansiosos, por terem desaprendido a brincar com o nada. Desaprendido a imaginar, a fantasiar.
O preço disso será a falta de propensão ao aprendizado novo, visto que a imaginação e curiosidade são as forças motrizes do com adultos conhecimento.
Em outras situações, quando achavam os amiguinhos, tinha sempre um bando de familiares - frágeis e inseguros impondo-lhes regras do brincar: “Não pode subir em árvore”. “Não pode dar cambalhota na piscina, molhará quem está pegando sol à borda” (SIC!)
“Não pode chupar picolé de praia...”
Nossa! Quantas regras castradoras da fantasia e limitadoras da livre expressão, fundamentais ao desenvolvimento da competência da autonomia.
Radfahrer nos alerta: “ Hoje há menos contato humano, e o pouco que resta é cada vez mais difícil e menos significativo. De uma conversa honesta em que se trocam inseguranças e dúvidas a uma relação afetiva de real sinceridade, as oportunidades rareiam”.
Também sofri com isso que o JG passou. Sempre faço um sabático digital nas férias. Não levo notebook, não acesso rede, e deixo o celular em casa. Só posto uma ou outra coisa, para “manter-me vivo”.
Posso dizer que reduzo em 80% a conexão digital e redirecionando-a para as interações presenciais. Seja com o vendedor de picolé, que há dez anos faz o mesmo ponto já nos conhecemos, à vendedora de docinhos na espera para a balsa – que seu maior orgulho “é formar todo o semestre uma turma de catequese na periferia da cidade grande onde mora”.
Outra técnica que uso para conhecer pessoas é puxar assunto com a mesa do lado da minha.
Confesso-lhes que foi difícil. As mesas estão todas conectadas. A peste do WIFI virou item de primeira necessidade e já é destacada a senha do estabelecimento no cardápio.
Pronto, lascou. Todo mundo no whasts, FB, ou lendo algo na rede.
Quando conseguia uma breve interação, logo a pessoa, um tanto sem constrangimento algum, deixava-me falando sozinho, ligando-se ao som do seu celular que acabara de receber o toque de mensagem nova. E, sem qualquer pudor, acessando a mensagem. “Para uns, a solidão é temporária. Para outros ela veio para ficar. É um paradoxo. Nunca se viveu tanto, nunca tantos foram tão espremidos em centros urbanos e, ao mesmo tempo, nunca se viveu tão só”. (Radfahrer)
Não vou nem falar da falta de curiosidade em explorar lugares paradisíacos, nos quais estive, presos que estavam em suas telas azuis. Nem de perceber o que acontecia ao redor de belo, bom e virtuoso e agradecer pelo fato de existirem e poderem ali estarem.
É amigos e amigas, a falta de interação social – de relacionamentos significativos, cobrará um tremendo preço na saúde coletiva da humanidade. Falo relacionamentos significativos, não falo da vida editada digital. Relacionamentos saudáveis e gratificantes. Que funcionam como terapias, nos quais depositamos esperança, nossos medos, frustrações, alegrias, lutos, desconfianças. Um estudo que recomento está disponível em vários sites, trata-se do primeiro capítulo de um livro chamado Fora de Série, acesse no Google com o nome O Místério de Roseto, ou aqui:
http://www.fat-new-world.com/2011/04/o-misterio-de-roseto-pennsylvania.html

Trata-se de um estudo científico que encontrou uma correlação entre saúde e interação social presencial – pele a pele. Vale a leitura. O excelente documentário Happy (Netfix) também comprova a tese.

De minha parte, continuarei ajudando o JG e ensinando-lhe que por maior que seja a atração de seu jogo digital, nada substitui uma boa brincadeira com os amigos.
Quanto a mim, continuarei me desconectando, mais e mais, traçando metas de desintoxicação digital. Para além das férias, farei meu sabático digital.
Descobri que estava adoecendo, passando a integrar esse grupo de pessoas que desaprendeu a conversar juntas, sem ser com auxílio das teclas.

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