A Arte de Fazer Vinha D´alhos na Vida (autor Ricardo de Faria Barros)

Arrumei a casa ontem, após tua saída.  Nela, tinha restos teus espalhados por toda parte, e com eles me deliciei, propagando os bons momentos que juntos vivemos.

No sofá, o cobertor que te aninhara permanecia do jeito que tu deixou. Quase te vejo nele.

Numa das fotos que tiramos, percebo tua expressão faceira, de surpresa e humor. Acho que estava querendo falar algo, sobre o prato que juntos cozinhamos, como que a pedir para ir comê-lo no sofá da sala de TV, algo para ti mais proibido do que namorar com prima.

Durante nossa experiência gastronômica, ensinei-lhe a fazer isca de peixe. E tu ficou surpreso com o vinho que botei no peixe para marinar.

Falei que o vinho fixa e realça o sabor, e que sempre foi usado na culinária, desde a idade medieval, no que se chama de vinha de alhos.

Teus olhinhos brilhavam de curiosidade, e tu me ajudou a deitar o vinho sobre o peixe, sentido-se um máster chefinho.

Sabe filho meu, hoje tu tem 8 anos, e não sei quando lerá essa carta.  Nela, preste atenção a duas palavras: fixar e realçar.

Aquele peixe não teria nem a metade do sabor que ficou, e fez tu comer tudinho, sem o vinho. O vinho pegou o sabor da cebola, do alho, do tomate, da salsa, pimenta e sal e fixou nos poros do peixe. Depois disso, ele catalisou uma reação química realçando o sabor desses temperos, e dando ela próprio, com sua acidez, um sabor mais que especial ao peixe.

Só deixe se fixarem coisa boas em teu coração. Elas vão realçar o sabor da tua vida.

Exstem dez bons tipos de vinho, para as vinhas de alho de nosso viver, são eles: gratidão, solidariedade, esperança, perdão, doação, bondade, otimismo, paz, amor e a coragem, de se reinventar após momentos difíceis.

Cada um dos vinhos acima, isolado ou atuando em conjunto, fixará e realçará o sabor de teu viver.

Acredite em teu pai.  Não adianta querer saborear aquela Moqueca Capixaba da tua vida, se teu coração for cheio de mágoas e rancor. Não sentirá o gosto dela.

Não adianta querer degustar aquela costela de tambaqui, com o coração cheio de ingratidão e desesperança. Ela vai descer entalado.

Teu pai é colecionador de pessoas comuns, com atitudes incomuns diante da vida. Se eu pudesse definir o que as caracterizam, eu diria que são duas coisas.

A primeira, elas não querem ser as melhores da humanidade, mas as melhores para a humanidade.

A segunda, elas não perdem tempo cultivando emoções ruins, criando-as como bichinhos de estimação, em seus corações e mentes.

As melhores experiências da vida, os maiores amores, as viagens inesquecíveis, ou situações no mundo do trabalho dignas de louvor, sem a vinha de alhos feita com algum dos dez vinhos, acima descritos, expressos naqueles comportamentos ou atitudes (paz, amor, perdão, esperança...,) não se fixarão nas memórias afetivas, e não terão o seu sabor realçado e melhor valorizado por quem as viverá.

Tenha muito cuidado com isso.  Já convivi com um monte de gente que vive experiências maravilhosas, contudo as degusta como quem come coisa ruim. Desaprenderam a sentir, com as emoções e pensamento positivo, o valor do que tem, fazem, recebem ou testemunham nos outros.

São promovidas e não se alegram mais. Acham que mereciam e pronto.  Lutam para entrar numa empresa, estudando anos a fio, e não mais renovam o tesão por ela. Envelhecem-na dentro deles.
Têm filhos maravilhosos, como você, Tiago, Priscila e Rodrigo, mas por estarem com o coração tão cheio e pesado de coisas ruins, não mais acolhem a presença deles, de forma inteira, não ansiosa, agitada ou cheia de outras preocupações.

E o sabor da vida não se fixa ou se realça em nada de bom que eles vivem. 

Pois, falta-lhes algum dos dez vinhos. Talvez um pouco mais de perdão. Para outros, paz. E em determinado momento, pode faltar-lhes a coragem de se reinventar, após os baques inevitáveis que levaram da vida.

Por isso, aprenda a guardar esses vinhos. Nunca vi alguém infeliz com eles na adega do coração.

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