Outro dia, uma mensagem me atravessaram o peito:
“Tenho sentido um aperreio na vida... o coração fica apertado. Quando vejo as
luzes coloridas e as vitrines decoradas, dá vontade de dormir e só acordar no
dia 1º de janeiro.”
Minutos depois, era minha
mãe, de 87 anos, ao telefone:
“Ah, eu adoro essa época! Montar a árvore de Natal é meu ritual. Faço uma festa
que dura dias e todo ano coloco um enfeite novo — um símbolo de esperança.”
Duas vozes. Uma que sofre
e outra que celebra. Ambas convivem em muitos de nós. O fim do ano tem esse
poder: desperta emoções contraditórias e igualmente verdadeiras. É quando o
coração se lembra do que viveu, do que perdeu, do que poderia ter sido diferente.
Mas é também quando a humanidade parece se enfeitar de luzes, gentileza e
gestos mais suaves.
Chamo essa montanha-russa
de sentimentos de SFAM – a Síndrome de Final de Ano Melancólica. Mas talvez
seja apenas o eco natural da vida, pedindo uma pausa, um pouco de ternura e
presença.
É a alma sussurrando: “Respire. Olhe para si. Acolha-se.”
A psicologia positiva nos
lembra que não é preciso negar a tristeza para viver bem. Podemos abraçar o que
sentimos e, ainda assim, escolher cuidar do que é bom. Podemos estar tristes e,
mesmo assim, gratos. Podemos sentir falta e, ao mesmo tempo, reconhecer o que
permanece. Podemos, sobretudo, olhar para dentro com compaixão.
É a hora de fazer
um Kintsugi emocional.
Os japoneses têm uma arte
antiga chamada kintsugi. Quando um vaso se quebra, eles o colam com ouro. As
rachaduras não são escondidas; tornam-se parte da beleza. Assim somos nós: cada
perda, cada despedida, cada melancolia pode ser colada com o ouro da experiência,
do aprendizado, da ternura. O que se quebra pode se transformar em arte, e o
que dói pode nos ensinar a amar de outro jeito.
E há outro lado nesse
tempo do ano. Enquanto alguns vivem a saudade, há também os que vivem a alegria
— montando árvores, reunindo famílias, preparando ceias. E não há contradição
nisso: há humanidade.
O fim de ano é, de alguma
forma, um convite universal para sermos mais humanos. Parece que o mundo
inteiro fica mais sensível. As pessoas se permitem sentir, lembrar, perdoar.
Permitem-se reaproximar, aceitar diferenças, abrandar julgamentos. Talvez porque
o Natal, em seu sentido mais amplo, seja isso: um tempo de reconciliação com a
vida.
Mesmo quando o coração
está cansado, as luzes continuam acesas. Podem estar mais suaves, mais íntimas,
mais lentas, mas estão lá, dentro de nós. As luzes do Natal também se acendem
no interior do coração humano — ainda que pareçam tímidas ou apagadas. Elas
falam conosco em outro tom, um tom de lembrança, de cuidado, de ternura
silenciosa. E é essa luz que nos lembra que, apesar de tudo, a vida segue,
pulsando em nós.
Alguns gestos simples de
autocuidado neste período:
- Respeite seu tempo. Não é
preciso forçar a alegria nem se envergonhar da saudade.
- Abrace o que sente. Emoções não
se combatem; se acolhem.
- Pratique a autocompaixão. Seja
gentil com suas falhas, seus limites, sua história.
- Celebre, se quiser. E, se não quiser,
também está tudo bem. O amor não exige festa; apenas presença.
- Deixe a luz entrar, mesmo que aos poucos. Ela está aí, esperando o momento de brilhar em você.
E agora, um convite
especial: enquanto você cuida de si, lembre-se que ao seu lado pode haver
alguém sofrendo em silêncio. Alguém que sumiu, que não dá mais notícias, cujo
"Abrir presentinhos sozinha, mãe" era um pedido de socorro
disfarçado.
Vamos fazer um mutirão do
afeto?
Que tal resgatar quem
nunca mais apareceu? Quem se isolou? Quem está entrando em sofrimento e acha
que ninguém se importa?
- Ligue para aquela pessoa.
- Mande uma mensagem de verdade, não só
um "Feliz Natal".
- Faça-a se sentir vista, lembrada e
amada.
Este pode ser o maior
presente: a certeza de que ninguém vai soltar a mão de ninguém. O cuidado
com o outro é também uma forma poderosa de cuidar de nós mesmos.
E para quem não gosta do
Natal e Ano Novo?
Se para você esta época
não traz nenhuma nostalgia boa, apenas obrigação, barulho ou a sensação de
estar deslocado, saiba que seu sentimento é válido. Não há nada de errado em
você.
O convite, então, não é
para celebrar as datas, mas para honrar o seu próprio ritmo. Permita-se:
- Ignorar a festa sem culpa.
- Criar seus próprios rituais: um bom
livro, um filme, um passeio na natureza, um dia de total quietude.
- Desligar-se das expectativas alheias.
Sua paz é o seu maior presente.
O recado de
"respeitar seu tempo" e "abraçar o que sente" é, talvez,
ainda mais importante para você. O verdadeiro espírito desta época pode ser,
simplesmente, a permissão para ser exatamente como você é — com ou sem luzes.
O maior presente de fim
de ano é tratar a si mesmo com respeito e bondade. É entender que tudo passa,
que o amanhã pode ser mais leve, que há beleza mesmo nas marcas da dor.
O kintsugi do coração é
feito assim — colando as fraturas com o ouro da esperança. O importante é que a
colagem seja feita por suas próprias mãos.
E que, ao olhar para
dentro, você reconheça: ainda há vida, ainda há amor, ainda há recomeço.
Que neste fim de ano,
possamos ser artesãos de nossa própria paz e faróis uns para os outros. Porque
no grande tear da vida, cada fio — de alegria ou tristeza — é precioso. E o
mais belo mosaico humano é aquele feito justamente da coragem de quem se reconstrói,
e da mão estendida de quem ajuda a costurar as partes quebradas.


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